O Autor faz a resenha histórica do Instituto de Anatomia Humana Normal da Faculdade de Medicina de Lisboa, desde a sua criação, na sequência da Reforma Universitária de 1911. Dá ênfase ao relevante papel que tem desempenhado no Ensino e na Investigação em Anatomia, na formação de diferentes gerações de médicos, sabendo adaptar-se e responder com eficácia aos desafios colocados pela evolução e modernidade ao longo de distintas épocas. Dá nota da responsabilidade do legado recebido de um passado de insignes Anatomistas, que os seus professores ao longo do tempo souberam ampliar, continuando ainda hoje a criar história de realizações importantes de âmbito internacional, como a recente realização em Junho de 2013, em Lisboa, do XII Congresso Europeu de Anatomia Clínica e a simultânea inauguração de um moderno Teatro Anatómico Armando dos Santos Ferreira, instrumento imprescindível para um reforço da qualidade de Ensino da Anatomia Humana num espaço Universitário mais alargado da actual Universidade de Lisboa.
Palavras-chave
História; Anatomia; Educação Médica; Portugal.
O Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa foi criado pela Reforma Universitária de 1911 e foi instalado no Edifício do Campo de Santana1,2. O fundador foi o Professor Henrique de Vilhena (Fig.1), que teve como colaboradores, Barbosa Sueiro, e desde 1920, Victor Fontes. Era oficialmente Director do Instituto de Anatomia Normal, o Professor Augusto de Vasconcelos, Ministro de Estado e Presidente do Conselho de Ministros da República, que manteve o lugar, cumulativamente com o desempenho das suas funções políticas3, até 2/10/1928, data em que o Conselho da Faculdade de Medicina, nomeou o Professor Henrique de Vilhena, Director do Instituto de Anatomia Humana Normal. Este Instituto recém-criado, recebeu a responsabilidade do legado de insignes Anatomistas Portugueses do Século XIX, como os Professores José António Serrano4,5 e Manuel António Moreira Júnior, que aliavam a exigência pessoal a um saber profundo, total e consistente da Anatomia Humana. O novo impulso que se propuseram dar, Henrique de Vilhena e os seus colaboradores6, obrigou-os à realização de um laborioso trabalho de formação do Instituto e de reformulação do ensino da Anatomia. Foram criados uma biblioteca privativa, um museu, e instituiu-se o ensino e a prática da pesquisa científica em Anatomia de forma organizada. Henrique de Vilhena manteve a dissecção cadavérica como método de Ensino e Investigação, fazendo questão de orientar as aulas práticas, de maneira dedicada e assídua, o que lhe grangeou o respeito e admiração dos alunos pelo seu Mestre, como na época o chamavam7. Henrique de Vilhena dedicou-se ao estudo anatómico da variação humana, e desenvolveu a sua investigação no campo da Anatomia Comparada8,9,10,11,12. O objectivo de qualidade do Ensino da Anatomia foi desde sempre a preocupação major dos professores, numa área disciplinar com afluência crescente de alunos candidatos à frequência do Curso Médico. Após a Jubilação de Henrique de Vilhena, em 1949, seguiram-se-lhe na Direcção do Instituto de Anatomia, os Professores, Victor Fontes (1949 a 1963) e Barbosa Sueiro (nos anos de 1963 e 1964), que prosseguiram com a linha de orientação definida por Henrique de Vilhena, que ajudaram a desenvolver. Coube a Victor Fontes acompanhar a mudança do Instituto para o Moderno Hospital Escolar de Santa Maria, em 1954/1955.
Os primeiros professores do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa foram, cumulativamente, responsáveis pelo ensino da Anatomia, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa13 (Fig.2) e na Faculdade de Ciências, até aos anos 50 do século XX. Em 20 de Julho de 1964, após a jubilação de Barbosa Sueiro, foi nomeado Director do Instituto de Anatomia, o Professor Armando dos Santos Ferreira (Fig. 3), que convidou para seu colaborador directo o cirurgião geral e primeiro assistente de Anatomia José Caria Mendes. Com Armando dos Santos Ferreira, Anatomista e Cirurgião Urologista, iniciou-se o ciclo dos Anatomistas Clínicos e da Moderna Investigação de Translação. Armando Ferreira promoveu investigação relevante sobre as Grandes Vias Linfáticas e a Microvascularização. Teve o mais longo período de Direcção do Instituto de Anatomia até à data, entre 1964 e 1991. Venceu grandes desafios, entre os quais o de manter a qualidade de ensino em fase de grande acréscimo de alunos de Medicina por imposição da necessidade de formar médicos durante o período da guerra colonial. Nesta fase foi pioneiro na implementação do ensino coadjuvado por alunos monitores14,15 e na criação de um novo pólo de Ensino de Anatomia, sita nas instalações remodeladas do Campo de Santana. Em 1991, deu-se a jubilação de Armando Ferreira, tendo-lhe sucedido por um período curto (de 1991 a 1993), o Professor José Caria Mendes, Humanista e Pedagogo dedicado à Antropologia Física e à Evolução do Sistema Nervoso, o qual foi vítima de doença súbita, em consequência da qual viria a falecer. O Professor A. J. Gonçalves Ferreira passou assim a desempenhar a Direcção Interina do Instituto de Anatomia, entre 1993 e 1996. Durante este período, o Instituto de Anatomia deu apoio ao ensino da Anatomia ao Curso de Farmácia, e ministrou o ensino da mesma disciplina ao Curso de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. A esta nova realidade associou-se o aumento progressivo do numerus clausus16 de admissão a medicina. Em 1996, foi chamado a acumular as funções de Direcção dos Institutos de Anatomia e de Histologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, o Professor José David Ferreira, cargo que exerceu até 1999. José David Ferreira, Cientista e Investigador no Campo das Ciências Morfológicas e nomeadamente na área científica da Histologia, procurou desenvolver a integração entre os diferentes domínios da morfologia normal, no âmbito de um grande Departamento de Ciências Morfológicas. Por sua orientação iniciou-se a modernização do Instituto de Anatomia. Após a jubilação de José David Ferreira, em 1999, foi nomeado Director do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, o Anatomista e Neurocirurgião, Professor A. J. Gonçalves Ferreira que prosseguiu a orientação da actividade do Instituto no sentido do desenvolvimento da investigação de translação, como sinónimo de modernidade e actualidade: Devemos tender para que cada um constitua, na sua área de especialização, uma referência como anatomista, na nossa Escola13,17.
O século XXI trouxe o desafio do ensino anatómico à distância, dando suporte à formação de médicos em áreas carenciadas do País, e concretamente a alunos do Pólo de Medicina da Universidade da Madeira, entretanto criado e que caberia ao Instituto de Anatomia apoiar. Foi também assumido pelo Instituto o ensino de Anatomia a alunos dos cursos de Dietética e Nutrição, de Microbiologia e de Engenharia Biomédica. No ano lectivo de 2007/2008 foi iniciado o ensino das unidades curriculares de Anatomia e Neuroanatomia da Licenciatura em Ciências da Saúde da Universidade de Lisboa. Visando melhorar as condições pedagógicas, adquiriram-se novos modelos anatómicos, procedeu-se à actualização dos meios audiovisuais e informáticos e acaba de ser inaugurado o Teatro Anatómico Professor Doutor Armando dos Santos Ferreira (Fig. 4 e Fig. 5), que será o instrumento indispensável ao Ensino da Moderna Anatomia Humana, o qual ao mesmo tempo que utiliza as técnicas de imagiologia no vivo, não esquece o suporte essencial obtido pela dissecção do cadáver. Sob a Direcção do Professor Doutor António José Gonçalves Ferreira, o Instituto de Anatomia Normal da Faculdade de Medicina de Lisboa, continua a cada momento a fazer história, tendo organizado, de 26 a 29 de Junho de 2013, no edifício Egas Moniz da FMUL, o XII Congresso da European Association of Clinical Anatomy (EACA), que decorreu com grande êxito, trazendo a Lisboa Anatomistas de renome mundial e tendo o Professor Gonçalves Ferreira assumido a Presidência da referida Associação Internacional.
O Instituto de Anatomia Humana Normal da Faculdade de Medicina de Lisboa, está preparado para acompanhar os novos desafios de uma Universidade alargada, constituindo-se como um grande espaço pedagógico-científico de estudo, ensino e pesquisa da morfologia humana normal, acima de tudo no vivo, nas suas vertentes mais aplicadas, a clínica e a imagiológica pré e pós-graduada18.
Fig.1: Professor Doutor Henrique de Vilhena, fundador do Instituto de Anatomia Humana Normal da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Fig. 2: Quadros com desenhos de alunos de Anatomia da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, expostos nas Instalações do Instituto.
Fig.3: Professor Doutor Armando dos Santos Ferreira, foi Director do Instituto de Anatomia e grande impulsionador da Anatomia Clínica e da Investigação de Translação.
Fig. 4: Imagem das instalações do Teatro Anatómico Professor Doutor Armando dos Santos Ferreira, recentemente inaugurado.
Fig. 5: Exposição de peças anatómicas no Teatro Anatómico após a remodelação.
REFERÊNCIAS
1. Diário de Notícias: Assumptos do dia. Constituição Universitária. Edição de 22 de Abril de 1911.Pág.1.
2. Sueiro MB, Fontes V: Aperçu Historique de l‘Enseignement de L‘Anatomie Humaine À Lisbonne. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1932-33;15:489-520.
3. Ferreira AS: A Direcção de um Instituto Universitário durante 20 anos, por Armando dos Santos Ferreira. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1985; 34:7-21.
4. Serrano JA: Tratado de Osteologia Humana, morphologia, phylogenia, ontogenia. Tomo I, Tronco, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias 1895.
5. Serrano JA: Tratado de Osteologia Humana, morphologia, phylogenia, ontogenia. Tomo II, Membros, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias 1897.
6. Vilhena H: Sobre a actividade pedagógica e um pouco da científica do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa. Arquivo de Anatomia e Antropologia. 1941-43:22:129-145.
7. Santos V: VI Congresso da Sociedade Anatómica Luso-Hispano--Americana e XIVª Reunião da Sociedade Anatómica Portuguesa, de homenagem ao Professor H. de Vilhena”. Arquivo de Anatomia e Antropologia. 1951;27(Suppl):1-57.
8. Vilhena H: Aperçu de L‘oeuvre de L‘Institut D‘Anatomie de Lisbonne. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1932-33;15:521-5.
9. Vilhena H: Sobre a minha orientação na investigação anatómica. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1941-43;22:1-50.
10. Guerreiro L: Sobre a doutrina e a escola anatómica do Prof. Henrique de Vilhena. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1921;7:1-38.
11. Vilhena H: Sobre a actividade científica do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa. Arquivo de Anatomia e Antropologia 1941-43;22:51-128.
12. Santos V: Bibliografia da actividade científica do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa. Henrique de Vilhena. Arquivo de Anatomia e Antropologia. 1953;27(Supl):256-302.
13. Gonçalves -Ferreira AJ: Relatório Pedagógico para provas de Agregação de Anatomia. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. 2001.
14. Diário da República: Decreto-lei nº 132/70 de 30 de Março. Estatuto da Carreira Docente Universitária. 1970.
15. Graça M: Curriculum Vitae apresentado a Provas de Agregação de Obstetrícia e Ginecologia. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 1979:22.
16. Brotas A: Carta Aberta ao Ministro Mariano Gago. A Página da Educação 2007;16: 163 http//:www.apagina.pt [Acedido em 8 de Março de 2008].
17. Gonçalves -Ferreira AJ: Relatório Pedagógico. para provas de Professor Associado. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 1996.
18. Furtado IA, O Instituto de Anatomia no Centenário da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2011-24/4/663-670.pdf Acesso em 2013-10-20.
Professor Doutor Ivo da Piedade Álvares Furtado
Instituto de Anatomia Humana Normal
da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
ivo.furtado@portugalmail.pt