Espaço Ciência
Investigação Clínica no Mestrado Integrado em Medicina: um ponto de vista
Quando era criança, e a minha família sabe bem isso, pegava em copos de plástico, feijões secos e um pouco de algodão molhado e punha-os à janela, à espera que crescessem – uns mais ao sol, outros mais escondidos. E semanas depois, contemplava os resultados, porque efetivamente as diferentes condições repercutiam-se em diferentes feijoeiros: uns mais vistosos e outros menos desenvolvidos porque tiveram menos meios para crescer. O mesmo se passava com grão, alho, salsa, entre outros – tudo o que tivesse potencial para crescer sob o meu comando.
Os anos passaram, eu cresci, e estas experiências ficaram apenas na minha memória. Ainda assim, num projeto que desenvolvi na escola secundária, consegui fazer com que parte desse trabalho passasse por um laboratório de microbiologia (da Universidade Católica, em Caldas da Rainha), envolvendo simples experiências que naquela altura, no meu percurso académico, eram algo novo e bastante motivante. O meu grupo pretendia saber como seria um “Hospital Ideal”, e a higiene e controlo das infeções hospitalares não podiam ser descurados, pelo que desenvolvemos várias experiências em que as nossas mãos foram a fonte de diversas culturas de bactérias, sujeitas a diferentes condições. Aqui a vontade de querer saber um pouco mais através da “experiência” continuava a manifestar-se. Um ano depois ingressei nesta faculdade, e o trabalho árduo começou.
Aqui senti, de certa forma, que tive que me submeter à investigação feita por outros. Não digo submeter como se de uma ditadura se tratasse, muito pelo contrário. Digo isto porque desde então o meu papel nesta faculdade tem sido grande parte composto pelo estudo e pelo tempo que isso envolve, onde aprendo a evidência construída ao longo de centenas de anos por milhares de pessoas que gastaram o seu tempo, a sua carreira, a sua vida a achar algo novo, a tentar perceber o “porquê”. Mas na altura não tinha bases científicas que me permitissem continuar nalgum tipo de desafio. Foquei-me então nos estudos, e aguardei.
Encarei o quinto ano como “a oportunidade”, porque em boa verdade já tinha terminado os anos básicos, já tinha feito um clínico, e teria que apresentar, no próximo ano, o trabalho final de Mestrado. “É agora” – pensei. A área da Reumatologia sempre me despertou algum interesse, não tanto pela clínica em si, mas pela patologia – pelos mecanismos que se escondem por detrás das doenças. Depois de ter contactado o Prof. Dr. João Eurico Fonseca e de ter tido uma reunião com a Prof. Drª Helena Canhão, onde me foram apresentados alguns projetos que estavam a decorrer na UIR (Unidade de Investigação em Reumatologia), no IMM (Instituto de Medicina Molecular), decidi então ingressar num trabalho que visa estudar a relação entre a doença aterosclerótica e a remodelação óssea e identificar mecanismos comuns às duas entidades, contribuindo para a identificação de novos biomarcadores e potenciais alvos terapêuticos de doença vascular e óssea, no contexto da tese de doutoramento da Diana Fernandes, MSc. Concluí, após alguma discussão com a minha tutora, a Prof. Drª Maria José Santos, que me iria focar num mecanismo mais específico, tendo em conta diversas limitações óbvias de conhecimentos, tempo e recursos, surgindo então a vitamina D no papel principal deste meu trabalho. Toda a equipa da UIR me recebeu muito bem, e desde já o meu grande obrigado por isso. Confesso que tinha algum receio de me envolver num projeto assim, pelo medo de tudo, particularmente por não conhecer ninguém, nem como funcionava um laboratório. Nunca me faltou qualquer suporte, e isso foi uma grande ajuda no início, fase em que me estava ainda a adaptar ao desafio que tinha acabado de aceitar. Surgiu então o projeto com o nome “Vitamina D em doentes com aterosclerose – um elo entre aterosclerose e massa óssea?”, que foi posteriormente submetido ao 16.º Programa “Educação pela Ciência”, aceite e financiado pelas bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian/FMUL.
A vitamina D é um importante interveniente no metabolismo ósseo. Contudo, novas funções têm sido atribuídas a esta proteína, nomeadamente na proteção do sistema cardiovascular e na fisiopatologia de doenças autoimunes, diabetes mellitus tipo 2 e obesidade.
Uma das vias pela qual se pensa que a vitamina D seja protetora do sistema cardiovascular é a aterogénese, onde o papel desta vitamina não está ainda completamente esclarecido. Pensa-se então que este efeito benéfico ocorra por inibição da calcificação vascular através do bloqueio da produção de citocinas inflamatórias e de moléculas de adesão. Existe evidência que baixos níveis de vitamina D se associam a uma maior espessura de placas ateromatosas e da IMT (intima-media thickness) nas artérias carótidas, apesar de noutros estudos este facto não se verificar. Foi também demonstrada uma melhoria na rigidez arterial em doentes a quem foi administrado um suplemento de vitamina D comparativamente ao grupo placebo, bem como um envolvimento da vitamina D no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), na regulação do sistema imunitário e na interferência do músculo cardíaco, traduzindo-se indiretamente na morbilidade e mortalidade cardiovasculares.
O calcitriol, forma ativa da vitamina D, é um regulador negativo da renina, interferindo no SRAA e limitando a produção de angiotensina II, uma citocina inflamatória e aterogénica implicada no desenvolvimento de placas ateroscleróticas em ratinhos apoE-/-. Ainda neste mesmo modelo animal de aterosclerose, o tratamento com baixas doses de calcitriol diminuiu significativamente os valores tensionais e a progressão de placas ateroscleróticas nos seios de Valsava, sugerindo desta forma uma eventual importância da tensão arterial como mediador entre a vitamina D e a aterosclerose. Estudos epidemiológicos mostram que existe uma correlação entre a prevalência da osteoporose e aterosclerose, independente da idade, índice de massa corporal e outros fatores de risco cardiovasculares, sugerindo a existência de mecanismos subjacentes comuns. A minha hipótese é que a vitamina D poderá representar um elo de ligação entre estas duas patologias. Assim, com este trabalho pretende-se identificar a relação entre os níveis sérios de vitamina D, a aterosclerose e a massa óssea. A importância da tensão arterial e da inflamação como mediadores da relação entre a vitamina D e a aterogénese será também explorada.
No que se refere à prática, têm sido incluídos neste estudo os doentes que são submetidos a endarterectomia no serviço de Cirurgia Vascular do CHLN – Hospital de Santa Maria. Juntamente com a Sofia Barreira e o António Nicolau Fernandes, meus colegas de curso também envolvidos no mesmo projeto “raíz”, temos aplicado o protocolo clínico aos doentes, recolhendo assim as informações e valores necessários, após obtenção do seu consentimento informado. É aqui que o trabalho me dá “mais gozo”, perdoem-me a expressão – na altura em que me sento e vejo a informação e os dados aumentarem. É ter falado com os doentes, ter gasto tempo e ter tido algumas preocupações que se traduzem na obtenção de dados para daqui a algum tempo analisar, refletir e tirar conclusões.
Tenho hipóteses formuladas, mas não sei se os resultados serão semelhantes, uma vez que são muitos os fatores que os condicionam. Todavia creio que o importante, além de compreender o porquê de os ter ou não os ter obtido, é ter aprendido o “método” que qualquer trabalho científico exige, é ter lidado com um verdadeiro rigor, é ter percebido e ter estado mais próximo do que é “a investigação”, particularmente a investigação clínica e translacional. É isto que quero levar para a minha futura profissão, que se aproxima cada vez mais: a noção de que o exercício da profissão médica é possível graças a muito trabalho prático que o possa fundamentar, e sobretudo a vontade para continuar a participar ativamente em projetos que visem dar um passo à frente no que diz respeito à ciência e educação médicas.
Os feijoeiros podem ter dado poucos feijões na altura, mas deram um fruto que para mim é o corolário de toda a história: vontade de experimentar e descobrir sempre algo novo. Nada disto teria sido possível sem toda a equipa da UIR, incluindo todos aqueles que já referi, nem sem o apoio do GAPIC e do financiamento pela bolsa Fundação Calouste Gulbenkian/FMUL. Aconselho vivamente todos aqueles que tenham oportunidade de fazer algum tipo de trabalho de investigação, seja clínica ou laboratorial, que não a percam – sairão dela muito mais ricos com uma perspetiva mais sólida sobre o mundo académico, mais capacitados e melhores profissionais.
Pedro Oliveira Santos
psantos1@campus.ul.pt
Os anos passaram, eu cresci, e estas experiências ficaram apenas na minha memória. Ainda assim, num projeto que desenvolvi na escola secundária, consegui fazer com que parte desse trabalho passasse por um laboratório de microbiologia (da Universidade Católica, em Caldas da Rainha), envolvendo simples experiências que naquela altura, no meu percurso académico, eram algo novo e bastante motivante. O meu grupo pretendia saber como seria um “Hospital Ideal”, e a higiene e controlo das infeções hospitalares não podiam ser descurados, pelo que desenvolvemos várias experiências em que as nossas mãos foram a fonte de diversas culturas de bactérias, sujeitas a diferentes condições. Aqui a vontade de querer saber um pouco mais através da “experiência” continuava a manifestar-se. Um ano depois ingressei nesta faculdade, e o trabalho árduo começou.
Aqui senti, de certa forma, que tive que me submeter à investigação feita por outros. Não digo submeter como se de uma ditadura se tratasse, muito pelo contrário. Digo isto porque desde então o meu papel nesta faculdade tem sido grande parte composto pelo estudo e pelo tempo que isso envolve, onde aprendo a evidência construída ao longo de centenas de anos por milhares de pessoas que gastaram o seu tempo, a sua carreira, a sua vida a achar algo novo, a tentar perceber o “porquê”. Mas na altura não tinha bases científicas que me permitissem continuar nalgum tipo de desafio. Foquei-me então nos estudos, e aguardei.
Encarei o quinto ano como “a oportunidade”, porque em boa verdade já tinha terminado os anos básicos, já tinha feito um clínico, e teria que apresentar, no próximo ano, o trabalho final de Mestrado. “É agora” – pensei. A área da Reumatologia sempre me despertou algum interesse, não tanto pela clínica em si, mas pela patologia – pelos mecanismos que se escondem por detrás das doenças. Depois de ter contactado o Prof. Dr. João Eurico Fonseca e de ter tido uma reunião com a Prof. Drª Helena Canhão, onde me foram apresentados alguns projetos que estavam a decorrer na UIR (Unidade de Investigação em Reumatologia), no IMM (Instituto de Medicina Molecular), decidi então ingressar num trabalho que visa estudar a relação entre a doença aterosclerótica e a remodelação óssea e identificar mecanismos comuns às duas entidades, contribuindo para a identificação de novos biomarcadores e potenciais alvos terapêuticos de doença vascular e óssea, no contexto da tese de doutoramento da Diana Fernandes, MSc. Concluí, após alguma discussão com a minha tutora, a Prof. Drª Maria José Santos, que me iria focar num mecanismo mais específico, tendo em conta diversas limitações óbvias de conhecimentos, tempo e recursos, surgindo então a vitamina D no papel principal deste meu trabalho. Toda a equipa da UIR me recebeu muito bem, e desde já o meu grande obrigado por isso. Confesso que tinha algum receio de me envolver num projeto assim, pelo medo de tudo, particularmente por não conhecer ninguém, nem como funcionava um laboratório. Nunca me faltou qualquer suporte, e isso foi uma grande ajuda no início, fase em que me estava ainda a adaptar ao desafio que tinha acabado de aceitar. Surgiu então o projeto com o nome “Vitamina D em doentes com aterosclerose – um elo entre aterosclerose e massa óssea?”, que foi posteriormente submetido ao 16.º Programa “Educação pela Ciência”, aceite e financiado pelas bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian/FMUL.
A vitamina D é um importante interveniente no metabolismo ósseo. Contudo, novas funções têm sido atribuídas a esta proteína, nomeadamente na proteção do sistema cardiovascular e na fisiopatologia de doenças autoimunes, diabetes mellitus tipo 2 e obesidade.
Uma das vias pela qual se pensa que a vitamina D seja protetora do sistema cardiovascular é a aterogénese, onde o papel desta vitamina não está ainda completamente esclarecido. Pensa-se então que este efeito benéfico ocorra por inibição da calcificação vascular através do bloqueio da produção de citocinas inflamatórias e de moléculas de adesão. Existe evidência que baixos níveis de vitamina D se associam a uma maior espessura de placas ateromatosas e da IMT (intima-media thickness) nas artérias carótidas, apesar de noutros estudos este facto não se verificar. Foi também demonstrada uma melhoria na rigidez arterial em doentes a quem foi administrado um suplemento de vitamina D comparativamente ao grupo placebo, bem como um envolvimento da vitamina D no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), na regulação do sistema imunitário e na interferência do músculo cardíaco, traduzindo-se indiretamente na morbilidade e mortalidade cardiovasculares.
O calcitriol, forma ativa da vitamina D, é um regulador negativo da renina, interferindo no SRAA e limitando a produção de angiotensina II, uma citocina inflamatória e aterogénica implicada no desenvolvimento de placas ateroscleróticas em ratinhos apoE-/-. Ainda neste mesmo modelo animal de aterosclerose, o tratamento com baixas doses de calcitriol diminuiu significativamente os valores tensionais e a progressão de placas ateroscleróticas nos seios de Valsava, sugerindo desta forma uma eventual importância da tensão arterial como mediador entre a vitamina D e a aterosclerose. Estudos epidemiológicos mostram que existe uma correlação entre a prevalência da osteoporose e aterosclerose, independente da idade, índice de massa corporal e outros fatores de risco cardiovasculares, sugerindo a existência de mecanismos subjacentes comuns. A minha hipótese é que a vitamina D poderá representar um elo de ligação entre estas duas patologias. Assim, com este trabalho pretende-se identificar a relação entre os níveis sérios de vitamina D, a aterosclerose e a massa óssea. A importância da tensão arterial e da inflamação como mediadores da relação entre a vitamina D e a aterogénese será também explorada.
No que se refere à prática, têm sido incluídos neste estudo os doentes que são submetidos a endarterectomia no serviço de Cirurgia Vascular do CHLN – Hospital de Santa Maria. Juntamente com a Sofia Barreira e o António Nicolau Fernandes, meus colegas de curso também envolvidos no mesmo projeto “raíz”, temos aplicado o protocolo clínico aos doentes, recolhendo assim as informações e valores necessários, após obtenção do seu consentimento informado. É aqui que o trabalho me dá “mais gozo”, perdoem-me a expressão – na altura em que me sento e vejo a informação e os dados aumentarem. É ter falado com os doentes, ter gasto tempo e ter tido algumas preocupações que se traduzem na obtenção de dados para daqui a algum tempo analisar, refletir e tirar conclusões.
Tenho hipóteses formuladas, mas não sei se os resultados serão semelhantes, uma vez que são muitos os fatores que os condicionam. Todavia creio que o importante, além de compreender o porquê de os ter ou não os ter obtido, é ter aprendido o “método” que qualquer trabalho científico exige, é ter lidado com um verdadeiro rigor, é ter percebido e ter estado mais próximo do que é “a investigação”, particularmente a investigação clínica e translacional. É isto que quero levar para a minha futura profissão, que se aproxima cada vez mais: a noção de que o exercício da profissão médica é possível graças a muito trabalho prático que o possa fundamentar, e sobretudo a vontade para continuar a participar ativamente em projetos que visem dar um passo à frente no que diz respeito à ciência e educação médicas.
Os feijoeiros podem ter dado poucos feijões na altura, mas deram um fruto que para mim é o corolário de toda a história: vontade de experimentar e descobrir sempre algo novo. Nada disto teria sido possível sem toda a equipa da UIR, incluindo todos aqueles que já referi, nem sem o apoio do GAPIC e do financiamento pela bolsa Fundação Calouste Gulbenkian/FMUL. Aconselho vivamente todos aqueles que tenham oportunidade de fazer algum tipo de trabalho de investigação, seja clínica ou laboratorial, que não a percam – sairão dela muito mais ricos com uma perspetiva mais sólida sobre o mundo académico, mais capacitados e melhores profissionais.
Pedro Oliveira Santos
psantos1@campus.ul.pt