Notícias FMUL
Biomonitorização humana à escala europeia. Descrição e resultados de dois Projectos Europeus
Biomonitorização humana à escala europeia
Descrição e resultados de dois Projectos Europeus em que Portugal participou
M. Fátima Reis1, Sónia Namorado1, Francisca Valente1, C. Joana Sousa1, P. Aguiar2, A. Brito de Sá1, J. Veiga Maltez1, J. Pereira Miguel1
1 – Instituto de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina de Lisboa;
2 – Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa
Enquadramento e síntese dos Projectos
Ao contrário do que se verifica nos EUA já há vários anos1, na Europa não existem dados comparáveis sobre os níveis de substâncias químicas no organismo dos cidadãos, dificultando a adopção de medidas que contribuam para a prevenção dos efeitos que podem resultar da exposição humana a químicos ambientais. Segundo Angerer (2006)2, a biomonitorização humana (BMH) é o método de eleição para medir os níveis de químicos ambientais ou dos seus metabolitos, em fluídos e tecidos humanos facilmente acessíveis. Mais do que as medições no ar, água ou solo, a BMH confere à poluição um carácter ”pessoal“: fornece informações importantes sobre a exposição total, integrando todas as vias possíveis, e também sobre as possíveis relações com os hábitos e estilos de vida de cada indivíduo, contribuindo para uma maior sensibilização, com possíveis implicações positivas na perspectiva da prevenção. Neste contexto, o Plano de Acção Europeu Ambiente e Saúde 2004-20103 estabeleceu como prioridade a necessidade de harmonizar o desenvolvimento de BMH na Europa, de forma a possibilitar a comparação de dados entre países e a criação de ferramentas adequadas para identificar e seguir tendências espaciais e temporais na exposição das populações a estes químicos.
Os projectos COPHES4 e DEMOCOPHES5, financiados respectivamente pelo 7º Programa Quadro e pelo Programa Life+ da Comissão Europeia, reuniram 21 países Europeus, entre os quais Portugal, à volta deste objectivo, desenvolvendo acções complementares para medir a exposição ambiental de grupos populacionais da Europa, através dum estudo de biomonitorização humana à escala europeia: o COPHES desenvolveu o protocolo geral e definiu os biomarcadores de exposição a determinar, os grupos-alvo, a dimensão da amostra e as estratégias de recrutamento dos participantes; o DEMOCOPHES concretizou o estudo de viabilidade, implementando, em cada um de 17 países, o protocolo do COPHES, com as adaptações mínimas necessárias para melhor adequação às diferenças culturais e às especificidades nacionais, sem comprometer a comparabilidade dos resultados que se viessem a obter. Antes de se iniciar o estudo, os protocolos e a documentação de suporte foram aprovados pelas Comissões de Ética de cada país participante.
Os grupos-alvo foram crianças6, com idades entre os 6 e os 11 anos, e as respectivas mães, com idades até aos 45 anos. Foram recolhidas amostras de cabelo e urina em 120 pares mãe-filho por país7, num total de 3.688 voluntários no conjunto dos países participantes, metade proveniente de zonas urbanas e a outra metade de zonas rurais. A definição destas zonas baseou-se no grau de urbanização (grau máximo, grande cidade vs grau mínimo, zona rural), na condição de nenhuma das zonas incluir hot-spots e de serem independentes, significando isto que a zona “rural” não devia ser uma área da periferia da zona “urbana”. De acordo com este critério, em Portugal foi seleccionada como zona urbana a área geográfica definida pelas freguesias do centro de Lisboa e, como rural, o Município da Golegã.
Por entrevista face-a-face, as mães forneceram informações sobre estilos de vida, alimentação, hábitos tabágicos e outros, susceptíveis de contribuirem para explicar os níveis dos biomarcadores medidos no cabelo e na urina.
A partir das amostras recolhidas, foram analisados os mesmos 4 biomarcadores humanos em cada país: mercúrio no cabelo e cádmio, cotinina e alguns metabolitos de ftalatos na urina. As substâncias medidas constituem uma preocupação pública decorrente do respectivo impacte negativo na saúde, amplamente reconhecido. Os laboratórios responsáveis pela análise das amostras foram selecionados através de um processo rigoroso de garantia de qualidade, que incluiu ensaios de comparação interlaboratorial (Interlaboratory Comparison Investigations, ICI) e programas de avaliação externa da qualidade (External Quality Assessment Schemes, EQUAS). A análise estatística e a interpretação dos resultados foram efectuadas em cada país e a nível europeu, após a transferência das bases de dados nacionais previamente ”limpas“ para uma base de dados central europeia.
Salvo opção em contrário, os voluntários que participaram no estudo receberam os respectivos resultados individuais. Nos casos em que os valores medidos apontavam para possíveis riscos para a saúde, a mãe foi contactada, no sentido de se lhe explicar o que poderia ser feito para reduzir a exposição. Os resultados nacionais e globais foram divulgados à comunidade científica pelos meios habituais8 , aos decisores políticos, por informação directa, e ao grande público, através das páginas de internet europeia e nacional9 e dos meios de comunicação social.
Resultados e discussão No geral, os resultados do DEMOCOPHES demonstram que crianças com menos de 9 anos apresentam níveis superiores de exposição, quando comparadas com crianças mais velhas (= 9 anos), o que vem reforçar a importância de dedicar especial atenção à faixa etária dos mais novos. Os níveis dos biomarcadores variam consideravelmente, tanto em cada país como entre países. As informações reportadas pelos participantes relativamente ao seu ambiente e estilos de vida permitem identificar factores influentes e consequentemente possíveis estratégias de intervenção.
Globalmente, os níveis de exposição são francamente inferiores aos valores-guia para a saúde que foram utilizados10 , sendo poucos os participantes que apresentaram valores superiores a esses limites. Os níveis dos biomarcadores nas crianças estão fortemente relacionados com os níveis das respectivas mães, o que sugere uma exposição comum aos agentes ambientais. A condição social, determinada pelo nível de escolaridade da mãe, exerce uma influência significativa nos níveis de cada biomarcador, sendo que este facto pode ocultar factores subjacentes determinantes da exposição e ainda por identificar.
No que se refere a Portugal e especificamente a cada substância, os resultados mostram que as mães portuguesas têm cinco vezes mais mercúrio no organismo que a média dos 17 países participantes, ocupando o segundo lugar da lista, depois das espanholas. O consumo de certos tipos de peixe de mar (nomeadamente cação, tintureira, espadarte, tamboril e peixe-agulha, ou preparados culinários à base destes peixes) é o factor que mais influencia os níveis detectados, sendo de notar que, em países como Chipre, Dinamarca, Luxemburgo e Bélgica e à semelhança do que acontece em Portugal e em Espanha, é muito elevado o consumo de peixe, mas não destas espécies. Isto pode significar que aqueles peixes podem estar a ser consumidos em Portugal com grande frequência, eventualmente em detrimento do consumo de outros (como, por exemplo, cavala, sardinha, truta, ou salmão), cujo consumo não só não apresenta quaisquer problemas, como traz grandes benefícios para a saúde, uma vez que promove a ingestão de nutrientes protectores de certas doenças, designadamente as cardiovasculares. Numa perspectiva de saúde pública, seria útil que os consumidores pudessem ter acesso a resultados de monitorização regular do pescado, no que respeita aos teores em poluentes como o mercúrio, para poderem fazer as suas opções alimentares de forma fundamentada.
Relativamente à cotinina na urina (biomarcador para avaliação da exposição a fumo do tabaco), o estudo revela que: (i) os níveis nas crianças reflectem claramente os hábitos tabágicos dos adultos no agregado familiar; (ii) as crianças portuguesas estão incluídas no grupo das que apresentam níveis mais elevados no biomarcador, o que significa que se encontram entre as mais expostas a fumo de tabaco; (iii) é sobretudo em casa, junto de familiares fumadores, que a exposição é maior; (iv) as crianças que estão expostas diariamente ao fumo ambiental de tabaco apresentam valores cinco vezes superiores aos das crianças que não estão sujeitas a essa exposição; (v) a escolaridade da mãe relaciona-se inversamente com os níveis de cotinina das crianças, sendo que o nível educacional mais reduzido correspondeu a níveis de cotinina mais elevados. No geral e no que respeita às mães, as que fumam diariamente apresentam valores médios de cotinina 30 vezes superiores aos valores das que fumam ocasionalmente e 700 vezes superiores aos das que deixaram de fumar ou nunca fumaram.
No tocante às restantes substâncias, cádmio, com exposição mais relevante por via dos alimentos, e ftalatos, igualmente presentes nos produtos alimentares e também nos cosméticos, registam-se níveis de exposição inferiores aos da média europeia, quer para as crianças, quer para as mães.
Conclusões Através do desenvolvimento dos Projectos COPHES e DEMOCOPHES, 17 países europeus testaram uma abordagem comum a estudos de biomonitorização humana desenvolvida pelo COPHES e produziram dados relativos à distribuição de biomarcadores específicos e sobre estilos de vida associados nas populações de estudo definidas, dados esses que, pela primeira vez, são comparáveis à escala europeia, representando um passo rumo à obtenção de valores europeus de referência11 .
Em termos globais, com a realização destes Projectos demonstrou-se que é possível produzir dados comparáveis na Europa sobre os níveis de poluentes que as pessoas têm nos seus organismos, quando são utilizados protocolos harmonizados e normalizados e quando a garantia da qualidade é assegurada interna e externamente. Embora se tenham vindo a realizar, principalmente nos últimos anos, muitos estudos na Europa envolvendo BMH, esses estudos viram o seu interesse limitado à região ou país em que foram realizados, visto que os resultados não se podiam comparar entre países, nem mesmo entre regiões no mesmo país. Com as metodologias agora desenvolvidas e testadas, criou-se uma ‘ferramenta’ de trabalho que possibilita ultrapassar estas limitações.
Por outro lado, o DEMOCOPHES abriu caminho para desenvolvimentos futuros. Graças a este estudo piloto, os custos de futuros estudos de BMH à escala europeia, com um conjunto mais amplo de biomarcadores, podem ser reduzidos e simultaneamente alargados os benefícios que lhes são inerentes. A BMH pode ser utilizada para avaliar e detectar tendências, tanto a nível temporal como espacial, em termos de nível de exposição da população aos poluentes ambientais, mas pode também ser utilizada para informar e monitorizar medidas políticas com impacto na saúde pública. Com o desenvolvimento destes Projectos ficou demonstrado que os programas de BMH bem concebidos são ferramentas científicas que podem fornecer a evidência de base para a formulação de recomendações e avaliações relevantes em termos de decisão política. O estudo levou à criação de capacidade para fundamentar decisões políticas a nível Europeu e nacional, que podem ajudar a definir prioridades ambientais, tendo em vista a protecção da saúde pública.
Agora que a exequibilidade de uma abordagem harmonizada foi demonstrada a nível da UE, os decisores políticos têm condições para implementar um programa europeu a longo prazo, com base nos ensinamentos colhidos. A mesma evidência mostra também a necessidade de mais avanços no desenvolvimento de biomarcadores adequados e de estruturas e métodos analíticos, com vista a aumentar a utilização da BMH em todas as políticas e medidas pertinentes12 , na óptica de prevenção do risco e consequentemente de protecção da saúde humana na Europa.
_________________________________________________
1 Por exemplo, através do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), programa de estudos concebido para avaliar o estado nutricional e de saúde de adultos e crianças nos Estados Unidos. http://www.cdc.gov/nchs/nhanes.htm
2 Angerer J, Bird MG, Burke TA, et al. Strategic biomonitoring initiatives: moving the science forward. Toxicol Sci 2006; 93:3-10.
3http://europa.eu/legislation_summaries/public_health/health_determinants_environment/l28145_en.htm
4 COPHES (Consortium to Perform Human Biomonitoring on a European Scale)
5 DEMOCOPHES (DEMOnstration of a study to COordinate and Perform Human biomonitoring on a European Scale)
6 O Plano de Acção Ambiente e Saúde 2004-2010 da CE centra-se nas crianças, dado que estas são particularmente vulneráveis à exposição a químicos, no seu ambiente e na sua alimentação. As mães foram incluídas porque (i) servem de indicadores da exposição fetal e infantil e representam um grupo-alvo para prevenção; (ii) co-habitam com as crianças, podendo fornecer informações adicionais sobre fontes e vias de exposição; (iii) representam um alargamento do estudo, levando a que seja possível não só recolher mais informações sobre a população global, mas também fomentar um maior interesse por parte do público em geral.
7 À excepção de Chipre e Luxemburgo, que recrutaram apenas 60 pares, devido à menor dimensão destes países.
8 Por exemplo, na Conferência DEMOCOPHES-COPHES da Presidência do Chipre, http://www.cy2012.eu/index.php/en/political-calendar/areas/employment-social-policy-health-consumer-affairs/conference-on-human-biomonitoring-hbm---linking
9 http://www.eu-hbm.info/ e http://www.fm.ul.pt/democophesportugal/
10 Referências relativas aos valores-guia para a saúde que foram utilizados:
- Joint Expert Committee on Food additives. Summary and conclusions. Sixty-seventh meeting of the joint FAO-WHO Expert Committee on Food Additives held in Rome, 20-29 June 2006. 2006.
- Guidance for identifying populations at risk from mercury exposure. UNEP DTIE Chemicals Branch and WHO Department of Food Safety, Zoonoses and Foodborne Diseases. 2008, Geneva, Switzerland. http://www.who.int/foodsafety/publications/chem/mercuryexposure.pdf
- Riboli E, Haley NJ, Trédaniel J, Saracci R, Preston-Martin S, Trichopoulos D. Misclassification of smoking status among women in relation to exposure to environmental tobacco smoke. Eur Respir J 1995; 8(2):285-290. http://erj.ersjournals.com/content/8/2/285.abstract
- Schulz C, Wilhelm M, Heudorf U, Kolossa-Gehring M. Reprint of "Update of the reference and HBM values derived by the German Human Biomonitoring Commission". Int J Hyg Environ Health 2012; 215:150-158.
- Hays SM, Nordberg M, Yager JW, Aylward LL. Biomonitoring Equivalents (BE) dossier for cadmium (Cd) (CAS No. 7440-43-9). Regul Toxicol Pharmacol 2008; 51:S49-S56.
- Aylward LL, Hays SM, Gagne M, Krishnan K. Derivation of Biomonitoring Equivalents for di-n-butyl phthalate (DBP), benzylbutyl phthalate (BzBP), and diethyl phthalate (DEP). Regul Toxicol Pharmacol 2009; 55:259-267.
11 Valores que indicam, num determinado momento, a margem superior da exposição corrente de fundo da população geral, em relação a um determinado químico ambiental.
12 Por exemplo, o Regulamento REACH, o novo regulamento relativo aos biocidas, o regulamento relativo aos POPs [Regulamento (CE) n.º 850/2004 de 29 de abril de 2004 (alterado)], a Directiva 2009/128/CE de 21 de outubro de 2009, que estabelece um quadro de acção, a nível comunitário, para uma utilização sustentável dos pesticidas, a regulamentação relativa a cosméticos, medicamentos e géneros alimentícios e a Directiva 1998/128/CE.
Descrição e resultados de dois Projectos Europeus em que Portugal participou
M. Fátima Reis1, Sónia Namorado1, Francisca Valente1, C. Joana Sousa1, P. Aguiar2, A. Brito de Sá1, J. Veiga Maltez1, J. Pereira Miguel1
1 – Instituto de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina de Lisboa;
2 – Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa
Enquadramento e síntese dos Projectos
Ao contrário do que se verifica nos EUA já há vários anos1, na Europa não existem dados comparáveis sobre os níveis de substâncias químicas no organismo dos cidadãos, dificultando a adopção de medidas que contribuam para a prevenção dos efeitos que podem resultar da exposição humana a químicos ambientais. Segundo Angerer (2006)2, a biomonitorização humana (BMH) é o método de eleição para medir os níveis de químicos ambientais ou dos seus metabolitos, em fluídos e tecidos humanos facilmente acessíveis. Mais do que as medições no ar, água ou solo, a BMH confere à poluição um carácter ”pessoal“: fornece informações importantes sobre a exposição total, integrando todas as vias possíveis, e também sobre as possíveis relações com os hábitos e estilos de vida de cada indivíduo, contribuindo para uma maior sensibilização, com possíveis implicações positivas na perspectiva da prevenção. Neste contexto, o Plano de Acção Europeu Ambiente e Saúde 2004-20103 estabeleceu como prioridade a necessidade de harmonizar o desenvolvimento de BMH na Europa, de forma a possibilitar a comparação de dados entre países e a criação de ferramentas adequadas para identificar e seguir tendências espaciais e temporais na exposição das populações a estes químicos.
Os projectos COPHES4 e DEMOCOPHES5, financiados respectivamente pelo 7º Programa Quadro e pelo Programa Life+ da Comissão Europeia, reuniram 21 países Europeus, entre os quais Portugal, à volta deste objectivo, desenvolvendo acções complementares para medir a exposição ambiental de grupos populacionais da Europa, através dum estudo de biomonitorização humana à escala europeia: o COPHES desenvolveu o protocolo geral e definiu os biomarcadores de exposição a determinar, os grupos-alvo, a dimensão da amostra e as estratégias de recrutamento dos participantes; o DEMOCOPHES concretizou o estudo de viabilidade, implementando, em cada um de 17 países, o protocolo do COPHES, com as adaptações mínimas necessárias para melhor adequação às diferenças culturais e às especificidades nacionais, sem comprometer a comparabilidade dos resultados que se viessem a obter. Antes de se iniciar o estudo, os protocolos e a documentação de suporte foram aprovados pelas Comissões de Ética de cada país participante.
Os grupos-alvo foram crianças6, com idades entre os 6 e os 11 anos, e as respectivas mães, com idades até aos 45 anos. Foram recolhidas amostras de cabelo e urina em 120 pares mãe-filho por país7, num total de 3.688 voluntários no conjunto dos países participantes, metade proveniente de zonas urbanas e a outra metade de zonas rurais. A definição destas zonas baseou-se no grau de urbanização (grau máximo, grande cidade vs grau mínimo, zona rural), na condição de nenhuma das zonas incluir hot-spots e de serem independentes, significando isto que a zona “rural” não devia ser uma área da periferia da zona “urbana”. De acordo com este critério, em Portugal foi seleccionada como zona urbana a área geográfica definida pelas freguesias do centro de Lisboa e, como rural, o Município da Golegã.
Por entrevista face-a-face, as mães forneceram informações sobre estilos de vida, alimentação, hábitos tabágicos e outros, susceptíveis de contribuirem para explicar os níveis dos biomarcadores medidos no cabelo e na urina.
A partir das amostras recolhidas, foram analisados os mesmos 4 biomarcadores humanos em cada país: mercúrio no cabelo e cádmio, cotinina e alguns metabolitos de ftalatos na urina. As substâncias medidas constituem uma preocupação pública decorrente do respectivo impacte negativo na saúde, amplamente reconhecido. Os laboratórios responsáveis pela análise das amostras foram selecionados através de um processo rigoroso de garantia de qualidade, que incluiu ensaios de comparação interlaboratorial (Interlaboratory Comparison Investigations, ICI) e programas de avaliação externa da qualidade (External Quality Assessment Schemes, EQUAS). A análise estatística e a interpretação dos resultados foram efectuadas em cada país e a nível europeu, após a transferência das bases de dados nacionais previamente ”limpas“ para uma base de dados central europeia.
Salvo opção em contrário, os voluntários que participaram no estudo receberam os respectivos resultados individuais. Nos casos em que os valores medidos apontavam para possíveis riscos para a saúde, a mãe foi contactada, no sentido de se lhe explicar o que poderia ser feito para reduzir a exposição. Os resultados nacionais e globais foram divulgados à comunidade científica pelos meios habituais8 , aos decisores políticos, por informação directa, e ao grande público, através das páginas de internet europeia e nacional9 e dos meios de comunicação social.
Resultados e discussão No geral, os resultados do DEMOCOPHES demonstram que crianças com menos de 9 anos apresentam níveis superiores de exposição, quando comparadas com crianças mais velhas (= 9 anos), o que vem reforçar a importância de dedicar especial atenção à faixa etária dos mais novos. Os níveis dos biomarcadores variam consideravelmente, tanto em cada país como entre países. As informações reportadas pelos participantes relativamente ao seu ambiente e estilos de vida permitem identificar factores influentes e consequentemente possíveis estratégias de intervenção.
Globalmente, os níveis de exposição são francamente inferiores aos valores-guia para a saúde que foram utilizados10 , sendo poucos os participantes que apresentaram valores superiores a esses limites. Os níveis dos biomarcadores nas crianças estão fortemente relacionados com os níveis das respectivas mães, o que sugere uma exposição comum aos agentes ambientais. A condição social, determinada pelo nível de escolaridade da mãe, exerce uma influência significativa nos níveis de cada biomarcador, sendo que este facto pode ocultar factores subjacentes determinantes da exposição e ainda por identificar.
No que se refere a Portugal e especificamente a cada substância, os resultados mostram que as mães portuguesas têm cinco vezes mais mercúrio no organismo que a média dos 17 países participantes, ocupando o segundo lugar da lista, depois das espanholas. O consumo de certos tipos de peixe de mar (nomeadamente cação, tintureira, espadarte, tamboril e peixe-agulha, ou preparados culinários à base destes peixes) é o factor que mais influencia os níveis detectados, sendo de notar que, em países como Chipre, Dinamarca, Luxemburgo e Bélgica e à semelhança do que acontece em Portugal e em Espanha, é muito elevado o consumo de peixe, mas não destas espécies. Isto pode significar que aqueles peixes podem estar a ser consumidos em Portugal com grande frequência, eventualmente em detrimento do consumo de outros (como, por exemplo, cavala, sardinha, truta, ou salmão), cujo consumo não só não apresenta quaisquer problemas, como traz grandes benefícios para a saúde, uma vez que promove a ingestão de nutrientes protectores de certas doenças, designadamente as cardiovasculares. Numa perspectiva de saúde pública, seria útil que os consumidores pudessem ter acesso a resultados de monitorização regular do pescado, no que respeita aos teores em poluentes como o mercúrio, para poderem fazer as suas opções alimentares de forma fundamentada.
Relativamente à cotinina na urina (biomarcador para avaliação da exposição a fumo do tabaco), o estudo revela que: (i) os níveis nas crianças reflectem claramente os hábitos tabágicos dos adultos no agregado familiar; (ii) as crianças portuguesas estão incluídas no grupo das que apresentam níveis mais elevados no biomarcador, o que significa que se encontram entre as mais expostas a fumo de tabaco; (iii) é sobretudo em casa, junto de familiares fumadores, que a exposição é maior; (iv) as crianças que estão expostas diariamente ao fumo ambiental de tabaco apresentam valores cinco vezes superiores aos das crianças que não estão sujeitas a essa exposição; (v) a escolaridade da mãe relaciona-se inversamente com os níveis de cotinina das crianças, sendo que o nível educacional mais reduzido correspondeu a níveis de cotinina mais elevados. No geral e no que respeita às mães, as que fumam diariamente apresentam valores médios de cotinina 30 vezes superiores aos valores das que fumam ocasionalmente e 700 vezes superiores aos das que deixaram de fumar ou nunca fumaram.
No tocante às restantes substâncias, cádmio, com exposição mais relevante por via dos alimentos, e ftalatos, igualmente presentes nos produtos alimentares e também nos cosméticos, registam-se níveis de exposição inferiores aos da média europeia, quer para as crianças, quer para as mães.
Conclusões Através do desenvolvimento dos Projectos COPHES e DEMOCOPHES, 17 países europeus testaram uma abordagem comum a estudos de biomonitorização humana desenvolvida pelo COPHES e produziram dados relativos à distribuição de biomarcadores específicos e sobre estilos de vida associados nas populações de estudo definidas, dados esses que, pela primeira vez, são comparáveis à escala europeia, representando um passo rumo à obtenção de valores europeus de referência11 .
Em termos globais, com a realização destes Projectos demonstrou-se que é possível produzir dados comparáveis na Europa sobre os níveis de poluentes que as pessoas têm nos seus organismos, quando são utilizados protocolos harmonizados e normalizados e quando a garantia da qualidade é assegurada interna e externamente. Embora se tenham vindo a realizar, principalmente nos últimos anos, muitos estudos na Europa envolvendo BMH, esses estudos viram o seu interesse limitado à região ou país em que foram realizados, visto que os resultados não se podiam comparar entre países, nem mesmo entre regiões no mesmo país. Com as metodologias agora desenvolvidas e testadas, criou-se uma ‘ferramenta’ de trabalho que possibilita ultrapassar estas limitações.
Por outro lado, o DEMOCOPHES abriu caminho para desenvolvimentos futuros. Graças a este estudo piloto, os custos de futuros estudos de BMH à escala europeia, com um conjunto mais amplo de biomarcadores, podem ser reduzidos e simultaneamente alargados os benefícios que lhes são inerentes. A BMH pode ser utilizada para avaliar e detectar tendências, tanto a nível temporal como espacial, em termos de nível de exposição da população aos poluentes ambientais, mas pode também ser utilizada para informar e monitorizar medidas políticas com impacto na saúde pública. Com o desenvolvimento destes Projectos ficou demonstrado que os programas de BMH bem concebidos são ferramentas científicas que podem fornecer a evidência de base para a formulação de recomendações e avaliações relevantes em termos de decisão política. O estudo levou à criação de capacidade para fundamentar decisões políticas a nível Europeu e nacional, que podem ajudar a definir prioridades ambientais, tendo em vista a protecção da saúde pública.
Agora que a exequibilidade de uma abordagem harmonizada foi demonstrada a nível da UE, os decisores políticos têm condições para implementar um programa europeu a longo prazo, com base nos ensinamentos colhidos. A mesma evidência mostra também a necessidade de mais avanços no desenvolvimento de biomarcadores adequados e de estruturas e métodos analíticos, com vista a aumentar a utilização da BMH em todas as políticas e medidas pertinentes12 , na óptica de prevenção do risco e consequentemente de protecção da saúde humana na Europa.
_________________________________________________
1 Por exemplo, através do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), programa de estudos concebido para avaliar o estado nutricional e de saúde de adultos e crianças nos Estados Unidos. http://www.cdc.gov/nchs/nhanes.htm
2 Angerer J, Bird MG, Burke TA, et al. Strategic biomonitoring initiatives: moving the science forward. Toxicol Sci 2006; 93:3-10.
3http://europa.eu/legislation_summaries/public_health/health_determinants_environment/l28145_en.htm
4 COPHES (Consortium to Perform Human Biomonitoring on a European Scale)
5 DEMOCOPHES (DEMOnstration of a study to COordinate and Perform Human biomonitoring on a European Scale)
6 O Plano de Acção Ambiente e Saúde 2004-2010 da CE centra-se nas crianças, dado que estas são particularmente vulneráveis à exposição a químicos, no seu ambiente e na sua alimentação. As mães foram incluídas porque (i) servem de indicadores da exposição fetal e infantil e representam um grupo-alvo para prevenção; (ii) co-habitam com as crianças, podendo fornecer informações adicionais sobre fontes e vias de exposição; (iii) representam um alargamento do estudo, levando a que seja possível não só recolher mais informações sobre a população global, mas também fomentar um maior interesse por parte do público em geral.
7 À excepção de Chipre e Luxemburgo, que recrutaram apenas 60 pares, devido à menor dimensão destes países.
8 Por exemplo, na Conferência DEMOCOPHES-COPHES da Presidência do Chipre, http://www.cy2012.eu/index.php/en/political-calendar/areas/employment-social-policy-health-consumer-affairs/conference-on-human-biomonitoring-hbm---linking
9 http://www.eu-hbm.info/ e http://www.fm.ul.pt/democophesportugal/
10 Referências relativas aos valores-guia para a saúde que foram utilizados:
- Joint Expert Committee on Food additives. Summary and conclusions. Sixty-seventh meeting of the joint FAO-WHO Expert Committee on Food Additives held in Rome, 20-29 June 2006. 2006.
- Guidance for identifying populations at risk from mercury exposure. UNEP DTIE Chemicals Branch and WHO Department of Food Safety, Zoonoses and Foodborne Diseases. 2008, Geneva, Switzerland. http://www.who.int/foodsafety/publications/chem/mercuryexposure.pdf
- Riboli E, Haley NJ, Trédaniel J, Saracci R, Preston-Martin S, Trichopoulos D. Misclassification of smoking status among women in relation to exposure to environmental tobacco smoke. Eur Respir J 1995; 8(2):285-290. http://erj.ersjournals.com/content/8/2/285.abstract
- Schulz C, Wilhelm M, Heudorf U, Kolossa-Gehring M. Reprint of "Update of the reference and HBM values derived by the German Human Biomonitoring Commission". Int J Hyg Environ Health 2012; 215:150-158.
- Hays SM, Nordberg M, Yager JW, Aylward LL. Biomonitoring Equivalents (BE) dossier for cadmium (Cd) (CAS No. 7440-43-9). Regul Toxicol Pharmacol 2008; 51:S49-S56.
- Aylward LL, Hays SM, Gagne M, Krishnan K. Derivation of Biomonitoring Equivalents for di-n-butyl phthalate (DBP), benzylbutyl phthalate (BzBP), and diethyl phthalate (DEP). Regul Toxicol Pharmacol 2009; 55:259-267.
11 Valores que indicam, num determinado momento, a margem superior da exposição corrente de fundo da população geral, em relação a um determinado químico ambiental.
12 Por exemplo, o Regulamento REACH, o novo regulamento relativo aos biocidas, o regulamento relativo aos POPs [Regulamento (CE) n.º 850/2004 de 29 de abril de 2004 (alterado)], a Directiva 2009/128/CE de 21 de outubro de 2009, que estabelece um quadro de acção, a nível comunitário, para uma utilização sustentável dos pesticidas, a regulamentação relativa a cosméticos, medicamentos e géneros alimentícios e a Directiva 1998/128/CE.