Investigação e Formação Avançada
Oncologia e Cancro - Unidade de Angiogénese | Prof.ª Susana Constantino

foto: site IMM
Susana Constantino
Diretora da Unidade de Angiogénese, IMM-FMUL
Professora, FMUL
A Unidade de Angiogénese do Instituto de Medicina Molecular (IMM) pretende desenvolver conhecimento científico que permita limitar ou promover a formação de novos vasos sanguíneos, propondo assim, estratégias terapêuticas inovadoras em doenças relacionadas com o crescimento excessivo de vasos, como o cancro, ou em doenças relacionadas com insuficiência vascular, como a doença arterial periférica.
Angiogénese é o processo de formação e crescimento de novos vasos sanguíneos a partir de vasos pré-existentes. Em condições fisiológicas é essencial no desenvolvimento embrionário, no crescimento dos tecidos, na ovulação, na formação do corpo lúteo e no processo de cicatrização e regeneração. Este processo é regulado por fatores pró- e antiangiogénicos, encontrando-se estes em equilíbrio dinâmico num adulto, em situações normais. Perturbações neste equilíbrio, conduzem ao crescimento ou à regressão dos vasos existentes e podem contribuir para o desenvolvimento de diversas doenças. A angiogénese patológica é, desta forma, caracterizada por uma neovascularização ineficaz ou excessiva e, assim sendo, estratégias terapêuticas que interfiram com a formação da vasculatura são consideradas de extrema importância na clínica.
A ideia de que a progressão tumoral seria dependente de neovascularização iniciou-se na década de 60. Algumas experiências demonstraram que, a sobrevida das células neoplásicas dos tumores sólidos não seria possível a partir do diâmetro de 2 a 3 mm se não fosse acompanhada da formação de novos vasos. Até este diâmetro os tumores recebem oxigénio e nutrientes por difusão simples, não sendo necessária irrigação por vasos sanguíneos próprios. A partir deste tamanho, na ausência de vascularização neoformada, o tumor deixa de crescer e ocorre morte celular.
Em 1971, o investigador Judah Folkman, considerado o “pai” da angiogénese tumoral, publicou um artigo no New England Journal of Medicine sobre a necessidade de os tumores induzirem angiogénese para obtenção de oxigénio e nutrientes que lhes possibilitem crescer e disseminar-se no organismo. Assim, Folkman propõe que o crescimento tumoral e a formação de metástases são dependentes de angiogénese, e o seu bloqueio será uma estratégia eficaz para parar o crescimento tumoral e tratar o cancro.
Desde 1971, muitos investigadores se dedicaram à compreensão dos mecanismos moleculares e celulares que regulam o processo de angiogénese. A partir deste conhecimento, inibidores angiogénicos foram usados em ensaios pré-clínicos e clínicos com o intuito de revolucionarem a oncologia clínica e serem uma realidade no tratamento do cancro por erradicação da vasculatura tumoral.
Hoje, a experiência clínica mostra que esta terapia antiangiogénica prolonga a vida de alguns doentes oncológicos, mas apenas em meses, sem que resulte numa cura. Alguns trabalhos em investigação fundamental vêm mesmo alertar para a possibilidade destas terapias, eficazes no tratamento do tumor primário, poderem promover a formação de metástases. Muitas são as questões que, pertinentemente, a ciência levanta em relação ao uso de agentes antiangiogénicos no tratamento do cancro.
Assim, cabe-nos a nós aproveitarmos todo o conhecimento já existente de modo a contribuirmos de forma inovadora para o desenvolvimento de novo conhecimento que possa ser relevante no tratamento do cancro.
Demonstrámos recentemente que baixas doses de radiação ionizante promovem angiogénese e, através deste processo, verificámos que poderia haver uma maior progressão tumoral e desenvolvimento de metástases. Diferentes modelos animais foram utilizados neste trabalho, assim como modelos in vitro.
De forma a entendermos a relevância dos resultados obtidos, será importante compreendermos o que são estas baixas doses de radiação ionizante. Durante a radioterapia, um dos tratamentos de eleição no cancro, para que um volume tumoral seja exposto diariamente a uma dose de radiação ionizante que contribuirá para a morte celular, os tecidos saudáveis que rodeiam a área tumoral são também obrigatoriamente expostos a radiação ionizante, a doses inferiores às doses terapêuticas. Assim, um dos objetivos, ao elaborar o planeamento dosimétrico específico para cada doente, é atingir o melhor compromisso entre a dose terapêutica a que o volume tumoral deverá ser exposto e as baixas doses de radiação ionizante a que os tecidos saudáveis também serão expostos devendo estas baixas doses não ter nenhuma, ou terem a menor toxicidade possível.
São exatamente estas baixas doses de radiação que foram alvo da nossa investigação. Verificámos que doses inferiores a 0.8Gy são promotoras de angiogénese, induzindo a expressão de fatores pró-angiogénicos e a ativação de alguns dos seus recetores em células endoteliais. Assim, este trabalho vem propor, pela primeira vez, um novo mecanismo que poderá ser extraordinariamente importante para compreender o efeito pró-metastático da radiação ionizante, assim como da recidiva tumoral após radioterapia.
Este trabalho foi unicamente possível devido a uma forte colaboração da Unidade de Angiogénese com o Serviço de Radioterapia do Hospital de Santa Maria (HSM). Ao falarmos deste Serviço personalizamo-lo na sua diretora, Prof. Doutora Isabel Monteiro Grillo, na Unidade de Física Médica e em toda a equipa técnica, reconhecendo que o empenho de todos tem sido crucial no sentido de assegurar rigor nos resultados obtidos.
É agora fundamental validá-los no Homem. Com este objetivo, estamos a analisar a expressão de importantes fatores angiogénicos em células endoteliais removidas de tecido de doentes com cancro de reto que tenham sido sujeitos a radioterapia pré-operatória, mediante consentimento informado dos mesmos. Três tipos de tecidos serão recolhidos no momento da cirurgia, de acordo com a dose a que foram expostos e, por meio de microscopia de microdissecção a laser, a nossa investigação centrar-se-á nas células endoteliais. Até ao momento em que as amostras chegam ao nosso laboratório, o trabalho prévio de vários colaboradores é indispensável e realço, no Serviço de Radioterapia, particularmente a Prof.ª Doutora Isabel Monteiro Grillo, Doutora Filomena Pina e Doutora Esmeralda Poli; no Serviço de Cirurgia, o Prof. Doutor Henrique Bicha Castelo e Doutor João Malaquias; e no Serviço de Anatomia Patológica a Doutora Madalena Ramos, Doutora Emília Vitorino e Pedro Rodrigues.
Estamos certos de que os resultados que iremos obter no decurso deste projeto serão muitíssimo relevantes pois, pela primeira vez, será descrito o efeito das baixas doses de radiação ionizante, sempre presentes no decorrer da radioterapia, na vasculatura e no processo de angiogénese. Este conhecimento será de extrema importância para a oncologia médica, de forma a poder equacionar a relevância destas baixas doses na recidiva tumoral ou na metastização após radioterapia. O conhecimento dos mecanismos moleculares e celulares subjacentes permitirá ainda a otimização dos protocolos oncológicos.
Uma vez que demonstrámos que certas doses de radiação ionizante são pró-angiogénicas, é tambem nosso objetivo entender a sua contribuição em angiogénese terapêutica. Assim, desenvolvemos um modelo de isquémia de membro inferior em ratinho e o nosso objetivo é investigar se podemos propor a utilização de baixas doses como uma nova estratégia terapêutica para promover neovascularização em doença isquémica.
Como professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) e diretora de uma Unidade de Investigação do IMM que colabora diariamente com Serviços Clínicos do HSM, reconheço que o Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML) é uma realidade e indispensável para fazer aquilo que fazemos, da forma como fazemos.
Na Unidade de Investigação, alunos de mestrado e doutoramento, assim como investigadores de pós doutoramento, contribuem nos resultados científicos obtidos. Uma equipa multidisciplinar, tendo biólogos, bioquímicos e médicos na sua constituição, com diferentes visões e modos de agir perante um desafio científico, incentiva discussões dinâmicas. A colaboração diária com Serviços Clínicos do HSM permite que a evolução do nosso trabalho se faça com o objetivo de os nossos resultados científicos terem relevância na Saúde Humana e aplicabilidade no tratamento de doenças que representam ainda um desafio na Medicina.
