Mais e Melhor
"O Livro do Coração"
O pedido/proposta que me foi apresentado pela Editora “Oficina do Livro”, na pessoa de Dra. Liliana Valpaços, para eu escrever um livro sobre as Doenças do Coração, foi imediatamente agradecido com um sorriso e uma negativa: “Tenho muita pena mas … para uma entrevista tudo OK, estou sempre pronto, agora um livro?? Dar-me-ia imenso trabalho e eu já não tenho idade para isso!”
Quinze minutos depois estava a dizer que sim e a combinar pormenores. Com um sorriso ternurento a Dra. Liliana dizia-me: “Se o Sr. Prof. convence as pessoas pela maneira como lhes fala e pelas coisas que lhes diz, porque não escrever-lhes? O vento não levará as palavras, os seus conselhos ficarão escritos e ao dispor de todos, e o livro poderá até ser usado nas Escolas ou até ser enviado para outros países de língua oficial portuguesa!”
Resultado: durante três meses escrevi, escrevi, escrevi, sem parar, coisas que dizia aos meus alunos nas aulas ou aos meus doentes no consultório, ou aos meus leitores nos Jornais e ouvintes na rádio ou na TV. Os outros seis foram para alinhavar melhor as frases, cortar redundâncias, consultar alguns livros ou artigos, ou … amputar aquilo que a Dra. Liliana censurava: “Li algumas páginas aos meus colegas da tipografia e da introdução todos gostaram, mas … das arritmias ninguém entendeu nada! Se as pessoas interromperem a leitura porque não percebem o que estão a ler, deixam o livro de lado e lá se foi o objectivo - conquistar o leitor para que siga os seus conselhos”.
A partir daí o meu objectivo tornou-se muito mais ambicioso: um livro que servisse para todos, desde os mais jovens até aos mais idosos, desde a elite mais culta até ao man in the street mais iliterato - o “nós, povo miúdo”, que um dia me disse na rua “Precisamos muito de si e dos seus conselhos”. Isto foi nos tempos em que ainda parecia mal um médico falar nos media sobre doenças ou diagnósticos e eu falava com frequência na televisão. Sofri, sofri mesmo, quando me senti mal entendido por muitos leigos, e sofri quando percebi que os colegas não compreendiam, nem aceitavam, que eu me atrevesse a simplificar e falar para o público, para o público entender.
Do mesmo modo, ao longo de toda a confecção e revisão do livro prevaleceu sempre o que, no meu melhor entendimento e no dos colaboradores mais próximos - nos quais englobei a Dra. Liliana e a Cristina, da casa Editora - me parecia mais aceitável em termos de compreensão e ajuda concreta para os que me lessem (“Você que me lê” escrevia eu nos jornais de há 40 anos).
Quis também disponibilizar aos meus leitores aquilo que sempre mostrei aos meus alunos – os maravilhosos desenhos do Dr. J. Netter, que me acompanharam ao longo de 45 anos a dar aulas. Sem essas imagens (quem disse que valem mais que mil palavras?) o valor pedagógico do livro seria drasticamente reduzido. A exigência revelou-se caríssima e quase nos impediu a publicação. Foi a Merck Sharp and Dohme quem logo se ofereceu para pagar essas gravuras – veja-se por ex., ao final do livro, a fig.8, a mais conhecida de todas as gerações de médicos em todo o mundo: a dor da angina de peito! Um homem, com excesso de peso, a subir escadas à saída do restaurante, transportando uma maleta e chocando com o frio e o vento (nevava), aperta com a mão em garra o peito dorido, e até deixa cair o cigarro! Ao lado um esquema explicita a irradiação da dor para o braço esquerdo.
Noutra figura, agora nossa (no inicio do livro, pág. 18), mostramos o que a prevenção conseguiu em termos de redução da mortalidade padronizada, com uma melhoria mais rápida de início, nos anos em que dei verdadeiras lições pela TV ao país inteiro (ainda havia um só canal) e, desde aí, foi sempre sempre a descer a mortalidade, até hoje. Ainda recordo a inveja dos meus colegas americanos, que citavam o que pagavam por uma mensagem de um minuto, e eu tinha “direito” a meia hora, grátis, na nossa televisão estatal.
Finalmente o esquema do Programa CINDI (Fig. 7, nas páginas finais), de que fiz bandeira na Fundação Professor Fernando de Pádua, com que procuramos manter a promoção da saúde nas populações (adaptado de Pekka Puska, na Finlândia). Na coluna da direita estão as doenças não contagiosas, ou não transmissíveis, as que mais nos matam, enchem os hospitais e bloqueiam as urgências; e à esquerda a lista dos riscos e atitudes ou comportamentos errados, que são a sua principal “base de apoio” – isto é, as verdadeiras causas primordiais dessas doenças – e é aí que é preciso agir antes do aparecimento das doenças clínicas: suprimir o tabaco, corrigir a alimentação (sal, gorduras, fibras, açúcar), reduzir o consumo de álcool e o stress da vida diária, e aumentar decisivamente a actividade física de todos os dias, tudo a começar no ensino básico (já Cid dos Santos dizia que: em Portugal “Tudo começa na instrução primária”!).
A adopção de estilos de vida mais saudáveis pode reduzir muito substancialmente a obesidade, a hipertensão, a diabetes, os AVC, os enfartes do miocárdio, a síndrome metabólica e as demais doenças não transmissíveis com idênticos factores de risco, que preenchem toda a coluna da direita (e esgotam a capacidade dos nossos Hospitais).
A minha grande esperança é, que para lá dos adultos que já são doentes reconhecidos ou para lá caminham, a população Sub 20 (isto é, desde a concepção até aos 19 anos de idade), nela destacando os jovens (e sobretudo os jovens estudantes de Medicina), possa e queira interiorizar estas noções, e inclusive transmiti-las às crianças, muito mais jovens, das suas famílias (e porque não também aos seus familiares adultos?) contribuindo assim para menor sofrimento, menor morbilidade e menos mortes precoces, entre os seus pares, e os seus familiares.
Inclusive ajudarão a corrigir, se sobreviverem todos, a actual pirâmide etária em Portugal, que mostramos ao começo deste Livro (pág. 27), e que tem mais o perfil duma árvore do que duma pirâmide (o caule são os poucos jovens do tempo presente).
Para lá de transmitir conhecimentos médicos, de utilidade directa, à população em geral, é pois esperança minha que os alunos de medicina, farmácia, enfermagem e demais estudantes em preparação de outras profissões ligadas à saúde (psicossociais, ou pedagogos, mesmo os do ensino básico e secundário), vejam neste livro um auxilio (que, por imodéstia, penso poder ser precioso), para o alargamento do seu campo de visão de estudantes numa fase ainda inicial das suas vidas, ou das suas profissões.
Assim seja!
Prof. Fernando de Pádua
Janeiro 2009
fernando.padua@incp.pt
Quinze minutos depois estava a dizer que sim e a combinar pormenores. Com um sorriso ternurento a Dra. Liliana dizia-me: “Se o Sr. Prof. convence as pessoas pela maneira como lhes fala e pelas coisas que lhes diz, porque não escrever-lhes? O vento não levará as palavras, os seus conselhos ficarão escritos e ao dispor de todos, e o livro poderá até ser usado nas Escolas ou até ser enviado para outros países de língua oficial portuguesa!”
Resultado: durante três meses escrevi, escrevi, escrevi, sem parar, coisas que dizia aos meus alunos nas aulas ou aos meus doentes no consultório, ou aos meus leitores nos Jornais e ouvintes na rádio ou na TV. Os outros seis foram para alinhavar melhor as frases, cortar redundâncias, consultar alguns livros ou artigos, ou … amputar aquilo que a Dra. Liliana censurava: “Li algumas páginas aos meus colegas da tipografia e da introdução todos gostaram, mas … das arritmias ninguém entendeu nada! Se as pessoas interromperem a leitura porque não percebem o que estão a ler, deixam o livro de lado e lá se foi o objectivo - conquistar o leitor para que siga os seus conselhos”.
A partir daí o meu objectivo tornou-se muito mais ambicioso: um livro que servisse para todos, desde os mais jovens até aos mais idosos, desde a elite mais culta até ao man in the street mais iliterato - o “nós, povo miúdo”, que um dia me disse na rua “Precisamos muito de si e dos seus conselhos”. Isto foi nos tempos em que ainda parecia mal um médico falar nos media sobre doenças ou diagnósticos e eu falava com frequência na televisão. Sofri, sofri mesmo, quando me senti mal entendido por muitos leigos, e sofri quando percebi que os colegas não compreendiam, nem aceitavam, que eu me atrevesse a simplificar e falar para o público, para o público entender.
Do mesmo modo, ao longo de toda a confecção e revisão do livro prevaleceu sempre o que, no meu melhor entendimento e no dos colaboradores mais próximos - nos quais englobei a Dra. Liliana e a Cristina, da casa Editora - me parecia mais aceitável em termos de compreensão e ajuda concreta para os que me lessem (“Você que me lê” escrevia eu nos jornais de há 40 anos).
Quis também disponibilizar aos meus leitores aquilo que sempre mostrei aos meus alunos – os maravilhosos desenhos do Dr. J. Netter, que me acompanharam ao longo de 45 anos a dar aulas. Sem essas imagens (quem disse que valem mais que mil palavras?) o valor pedagógico do livro seria drasticamente reduzido. A exigência revelou-se caríssima e quase nos impediu a publicação. Foi a Merck Sharp and Dohme quem logo se ofereceu para pagar essas gravuras – veja-se por ex., ao final do livro, a fig.8, a mais conhecida de todas as gerações de médicos em todo o mundo: a dor da angina de peito! Um homem, com excesso de peso, a subir escadas à saída do restaurante, transportando uma maleta e chocando com o frio e o vento (nevava), aperta com a mão em garra o peito dorido, e até deixa cair o cigarro! Ao lado um esquema explicita a irradiação da dor para o braço esquerdo.
Noutra figura, agora nossa (no inicio do livro, pág. 18), mostramos o que a prevenção conseguiu em termos de redução da mortalidade padronizada, com uma melhoria mais rápida de início, nos anos em que dei verdadeiras lições pela TV ao país inteiro (ainda havia um só canal) e, desde aí, foi sempre sempre a descer a mortalidade, até hoje. Ainda recordo a inveja dos meus colegas americanos, que citavam o que pagavam por uma mensagem de um minuto, e eu tinha “direito” a meia hora, grátis, na nossa televisão estatal.
Finalmente o esquema do Programa CINDI (Fig. 7, nas páginas finais), de que fiz bandeira na Fundação Professor Fernando de Pádua, com que procuramos manter a promoção da saúde nas populações (adaptado de Pekka Puska, na Finlândia). Na coluna da direita estão as doenças não contagiosas, ou não transmissíveis, as que mais nos matam, enchem os hospitais e bloqueiam as urgências; e à esquerda a lista dos riscos e atitudes ou comportamentos errados, que são a sua principal “base de apoio” – isto é, as verdadeiras causas primordiais dessas doenças – e é aí que é preciso agir antes do aparecimento das doenças clínicas: suprimir o tabaco, corrigir a alimentação (sal, gorduras, fibras, açúcar), reduzir o consumo de álcool e o stress da vida diária, e aumentar decisivamente a actividade física de todos os dias, tudo a começar no ensino básico (já Cid dos Santos dizia que: em Portugal “Tudo começa na instrução primária”!).
A adopção de estilos de vida mais saudáveis pode reduzir muito substancialmente a obesidade, a hipertensão, a diabetes, os AVC, os enfartes do miocárdio, a síndrome metabólica e as demais doenças não transmissíveis com idênticos factores de risco, que preenchem toda a coluna da direita (e esgotam a capacidade dos nossos Hospitais).
A minha grande esperança é, que para lá dos adultos que já são doentes reconhecidos ou para lá caminham, a população Sub 20 (isto é, desde a concepção até aos 19 anos de idade), nela destacando os jovens (e sobretudo os jovens estudantes de Medicina), possa e queira interiorizar estas noções, e inclusive transmiti-las às crianças, muito mais jovens, das suas famílias (e porque não também aos seus familiares adultos?) contribuindo assim para menor sofrimento, menor morbilidade e menos mortes precoces, entre os seus pares, e os seus familiares.
Inclusive ajudarão a corrigir, se sobreviverem todos, a actual pirâmide etária em Portugal, que mostramos ao começo deste Livro (pág. 27), e que tem mais o perfil duma árvore do que duma pirâmide (o caule são os poucos jovens do tempo presente).
Para lá de transmitir conhecimentos médicos, de utilidade directa, à população em geral, é pois esperança minha que os alunos de medicina, farmácia, enfermagem e demais estudantes em preparação de outras profissões ligadas à saúde (psicossociais, ou pedagogos, mesmo os do ensino básico e secundário), vejam neste livro um auxilio (que, por imodéstia, penso poder ser precioso), para o alargamento do seu campo de visão de estudantes numa fase ainda inicial das suas vidas, ou das suas profissões.
Assim seja!
Prof. Fernando de Pádua
Janeiro 2009
fernando.padua@incp.pt