Reportagem / Perfil
Entrevista com o Prof. Doutor João Martin Martins - Clínica Universitária Endocrinologia
news@fmul: Gostaríamos que nos falasse da génese da clínica, ou seja, quando foi fundada, os seus fundadores, principais acontecimentos e marcos históricos que gostaria de realçar?
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia em Santa Maria resulta da fusão, por um lado, do Centro de Endocrinologia que na altura era dirigido pelo Professor Galvão Teles, e por outro lado, pelo Centro de Diabetes dirigido pelo Professor Pedro Lisboa. Pessoas de enorme competência e sobretudo de um enorme prestígio científico e também médico e social.
A Endocrinologia tem assim antecedentes ilustres. A questão agora é dar continuidade ao trabalho por eles desenvolvido.
Trata-se de uma especialidade que nos últimos anos ganhou uma enorme importância, sobretudo, porque a patologia a este nível é muito frequente, basta pensar na obesidade, na diabetes, na hipertensão arterial e na osteoporose. No entanto, a Endocrinologia mantém as características essenciais, é uma especialidade médica com uma enorme base bioquímica e genética e com um carácter eminentemente experimental e de investigação. E, vai ser precisamente a capacidade de manter a investigação e, sobretudo, a capacidade de criar um componente moderno da actividade médica, baseada em dados de diferentes patologias que serão determinantes no futuro, no desenvolvimento da especialidade em termos médicos e na prática assistencial.
news@fmul: Referiu a importância da investigação, gostaríamos precisamente que nos falasse das vossas actividades ao nível da investigação, do ensino e da comunidade.
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia no Hospital de Santa Maria e na Faculdade tem a responsabilidade no ensino pré-graduado, ao nível do 3.º ano. Quem está responsável especificamente por essa área é o Professor Mário Mascarenhas, e ao nível do 5.º ano, sou eu o responsável. Essa responsabilidade começa no início da introdução à clínica, no 3.º ano, e quando termina o curso médico, no 5.º ano.
Nós somos responsáveis pelo ensino dos alunos no último ano do curso de medicina e o que tentamos fazer é o desenvolvimento e o tratamento exaustivo dos grandes temas da patologia endocrina, que é a patologia hipotálamo-hipofisária, a tiróide, a diabetes, a patologia das supra-renais, da hipertensão arterial, a obesidade, a patologia mineral e a osteoporose, a patologia do crescimento, a andrologia e a ginecologia endocrona.
Esta é uma componente fundamental, na qual se inclui também o ensino pós-graduado dos internos da especialidade, cujo o número em Santa Maria, por razões que não compreendemos, é reduzido e está mal distribuído a nível regional e nacional. A Endocrinologia em Santa Maria precisa de um maior número de internos da especialidade. Dentro da formação pós-graduada, outra responsabilidade fundamental é a formação continuada dos médicos de família, sobretudo da área de referência do hospital. A este respeito a Professora Isabel do Carmo editou um manual de endocrinologia para o clínico geral em que intervieram todos os membros do serviço e que é de uma grande importância.
Além disso, a Endocrinologia participa continuamente em múltiplas acções de formação a nível de outras especialidades médicas e também a nível da comunidade, sobretudo nas grandes áreas, como a obesidade, a diabetes, a hipertensão arterial e a osteoporose.
Por outro lado, a Endocrinologia sempre teve um grande componente de investigação. Esse componente centra-se em grandes temas que são, por um lado, a endocrinologia do comportamento, por outro lado, a patologia hipotálamo-hipofisária, a diabetes mielus, a hipertensão arterial e a patologia supra-renal, a patologia mineral e a osteoporose. A esse respeito a Endocrinologia tem técnicas complementares de diagnóstico que são inovadoras e especificamente nossas, nomeadamente, a velocidade da onda de pulso. Conta com o apoio recente do GenoMed, no que diz respeito ao estudo de base genética de doenças endocrinas comuns, mas sempre teve protocolos de investigação próprios que hoje em dia voltamos a realizar, contando com a excelente colaboração do Centro de Estudos da Genética, dirigido pelo Professor Manuel Bicho.
A Endocrinologia tem assim um componente de ensino muito importante, um componente de investigação e tem um componente cada vez mais importante de divulgação da área noutras áreas médicas e na comunidade.
news@fmul: A Endocrinologia acaba por ser transversal a outras especialidades, como é a investigação a esse nível, quando existem equipas multidisciplinares e parcerias?
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia sempre foi uma especialidade médica com um componente de bioquímica e de genética que são absolutamente fundamentais e que requerem investigação. A investigação real e concreta é quando de facto é feita pelos próprios, os ingleses têm uma expressão para isso que é “hands on work”, ou seja, é o próprio indivíduo que faz a experiência. Os médicos têm muitas vezes conhecimento próprio das técnicas laboratoriais e realizam-nas, mas não têm disponibilidade de tempo. Portanto, vai ser necessário um apoio técnico de laboratório muito grande no âmbito do Instituto de Medicina Molecular, como tem sido até agora no âmbito do Centro de Estudos de Genética, do Professor Manuel Bicho, que permita que o médico faça ele próprio os projectos de investigação, mas com o apoio de pessoal do laboratório e com elementos de outras áreas, sobretudo da área da Genética.
news@fmul: Ao falar de colaborações da Clínica com o Instituto de Medicina Molecular e Hospital de Santa Maria vemos retratado o Centro Académico de Medicina. Essas parcerias realizam-se ao nível da investigação, mas também se reflectem no ensino e noutras acções? Como é a relação da Clínica de Endocrinologia com o Centro Académico de Medicina?
Prof. Doutor João Martin Martins: O Hospital de Santa Maria e o Centro de Estudos de Endocrinologia têm uma característica fundamental que é única a nível nacional, têm um enorme número de doentes assistidos mesmo com a patologia mais rara, mais estranha. Até porque o hospital consegue uma coisa que jamais algum hospital consegue no país - tem um serviço próprio, garantindo a assistência continuada aos doentes 24 horas.
Nós temos, constantemente no serviço, patologias extremamente complicas, sofisticadas e até bastante raras que só um grande Centro Académico é que pode ter estes doentes e que consegue reunir o número suficiente de doentes com essas patologias. Essas patologias requerem uma investigação aturada a nível clínico e a nível laboratorial, nas quais nós somos bastante competentes, mas depois requer uma investigação a nível de outras áreas, nomeadamente a nível da Genética, para a qual necessitamos sempre da colaboração de outros elementos e de outros institutos dentro do Instituto de Medicina Molecular e do centro de excelência do Hospital de Santa Maria. Tem sido fundamental a colaboração do Professor Manuel Bicho, do Centro de Genética e é importante a colaboração da Bioquímica.
Mas, é fundamental que os médicos da Endocrinologia não tenham um papel passivo, mas um papel activo, no sentido de definirem eles próprios os protocolos de investigação e de os realizarem in locu. Há vários endocrinologistas no serviço que têm competências e experiência de realização de trabalho de investigação próprio, de bancada, de laboratório, que é bom que não se perca.
news@fmul: No futuro como vê a relação da Faculdade, Hospital e Instituto de Medicina Molecular?
Prof. Doutor João Martin Martins: Será absolutamente fundamental que esse projecto vá avante. Aliás tem ido, porque de facto a medicina é uma actividade cada vez mais sofisticada e que tem esses componentes todos, o componente assistencial, o componente de investigação e o componente de ensino. Se faltar qualquer um desses elementos é a prática clínica que fica mais pobre e, portanto, é necessário que exista um Centro Académico de excelência, que permita a conjugação desses factores.
A investigação é fundamental e o que é importante é que os próprios médicos a realizem. Actualmente, acontece, por vezes, a noção de que participar em estudos clínicos, em que a definição do projecto pertence a outras pessoas, a recolha de dados pertence a outras pessoas, a análise estatística pertence a outras pessoas, é investigação científica. Isso não é investigação científica. A investigação científica requer que o próprio médico tenha a ideia, defina o projecto para a investigação dessa ideia, realize o trabalho experimental, confirme ou infirme essa ideia e depois seja capaz de analisar os dados.
Os médicos andam muito assoberbados com a actividade clínica. É fundamental que isso aconteça, pois é só depois de se ver muitos doentes que se vêem os doentes raros. Mas, isso não é a única actividade médica, a actividade médica também é uma actividade de investigação que parte, precisamente, dessa prática assistencial e da actividade de ensino.
Nós sempre fizemos actividade laboratorial de investigação, que sempre foi feita na Faculdade. Foi feita em grande parte no Instituto de Bioquímica, dirigido na altura pelo Professor Martins e Silva, depois por vicissitudes da vida restringiu-se mais ao hospital, com um outro componente da actividade de investigação que é a criação de bases de dados próprias, meticulosas e objectivas dos doentes que assistimos, que é uma responsabilidade médica. É de uma enorme riqueza a patologia que nós observamos e que tem de ser aproveitada para estudos de investigação. Cada doente é uma experiência e é possível aproveitar esses dados. Isto terá que ser necessariamente no âmbito do Centro Académico de excelência. O que é importante é que os médicos tenham uma intervenção muito activa na definição dos protocolos de investigação e na realização desses protocolos.
Nós não queremos ter uma participação passiva em projectos de investigação feitos por outras pessoas, nós queremos participar activamente em projectos de investigação. Ter participação activa quer dizer que nós queremos definir o projecto e que queremos realizá-lo experimentalmente, vamos precisar da colaboração de muita gente, mas quereremos ter uma participação activa.
news@fmul: Para além do Centro Académico, e uma vez que estamos numa sociedade global, a ciência é transmitida pelo mundo inteiro, como é que define a relação da clínica com outras entidades internacionais?
Prof. Doutor João Martin Martins: Em termos de Medicina, a componente fundamental da internacionalização do trabalho é, sem dúvida, sermos capazes de publicar regularmente artigos científicos em revistas de prestígio internacional. A internacionalização do nosso trabalho é avaliado em termos da publicação de artigos nessas revistas.
Temo-lo feito regularmente, não de uma forma extremamente exuberante, mas na medida em que as nossas capacidades assim o permitem, mas esse é o primeiro elemento fundamental.
O segundo elemento fundamental é que múltiplos elementos do serviço têm realizado estágios de curta, média e até longa duração em centros internacionais de referência, quer em investigação clínica, quer em investigação laboratorial.
Nós tivemos durante 2 anos em Nova Orleães, nos Estados Unidos da América, uma colega esteve em Espanha, em Santiago de Compostela, na Galiza, outra colega esteve em Pizza, na Itália, outra vai agora para Barcelona, pelo que mantemos o contacto com centros internacionais de excelência, sendo dessa outra forma que é feita a internacionalização.
Há ainda um terceiro elemento que se relaciona com a constante recepção de alunos do Programa Erasmus, de nacionalidades Europeias, nomeadamente Polacos, Alemães, Italianos, Espanhóis, Franceses, um pouco de toda a parte da Europa, o que nos trará resultados vindouros, até porque nenhum Português hoje em dia tem complexos de inferioridade, sentindo-se perfeitamente Europeu e integrado, estabelecendo, desde muito novo, contactos com elementos de outras nacionalidades, que lhe trarão certamente frutos no futuro.
É preciso não esquecer que o elemento fundamental da internacionalização é ser capaz de publicar artigos científicos em revistas de reconhecido prestígio.
news@fmul: O senhor Professor referiu várias vezes os seus colegas e a sua equipa, pelo que gostaríamos de perceber como é que a Clínica se organiza?
Prof. Doutor João Martin Martins: A Direcção do Serviço, pertence à Prof.ª Doutora Isabel do Carmo.
Todos os endocrinologistas do serviço são capazes de realizar todas as áreas da endocrinologia e é aliás isso que somos todos obrigados a fazer (e em parte ainda bem).
A Clínica tem componentes que nós nunca tivemos, como o serviço de urgência, com capacidade para prestarmos assistência de emergência aos nossos doentes 24 horas, assim como a realização de testes complementares de diagnóstico, nomeadamente no âmbito do hospital de dia.
Mas sem abdicar desse carácter geral que todos nós possuímos, cada um de nós tem desenvolvido interesses particulares. Temos elementos do serviço com interesse na endocrinologia do comportamento, no âmbito da hipertensão arterial e patologia das supra-renais, há elementos com diferenciação e com interesse há muitos anos no âmbito da osteoporose e da patologia mineral, nomeadamente o Prof. Doutor Mário Mascarenhas, a Prof. Doutora Isabel do Carmo no âmbito das doenças do comportamento alimentar, também no âmbito da patologia da tiroideia.
Este Centro tem igualmente tradição no âmbito da Diabetes, coordenado sobretudo pelo Prof. Doutor Pedro Lisboa e depois pelo Dr. Jorge Caldeira, que era uma autoridade a nível nacional no âmbito da Diabetologia.
Mesmo os elementos mais novos demonstram interesses particulares, os quais muitas vezes estão perfeitamente diferenciados, nomeadamente a Dr.ª Sónia do Vale, com interesses específicos sobretudo no âmbito da endocrinologia do comportamento.
O futuro está garantido, embora precisemos de mais internos.
Como é próprio do endocrinologista, mantemos uma actividade no âmbito da endocrinologia geral, mas depois temos a obrigação de cultivar interesses particulares, o que nos levará a sermos responsáveis pelo desenvolvimento dessa área, já que estamos particularmente interessado pela mesma.
news@fmul: Na sua opinião essa falta de internos dever-se-ia a uma má distribuição?
Prof. Doutor João Martin Martins: O Hospital de Santa Maria, por razões que não percebo muito bem sempre recebeu um pequeno número de internos de endocrinologia. No entanto, é o maior hospital do país e é o maior em termos de prática assistencial. Anualmente fazem-se cerca de 26.000 consultas, o que constitui um número perfeitamente brutal e o Serviço é responsável pelo internamento anual de cerca de 300 doentes com patologias extremamente grés, extremamente sofisticadas no âmbito desta especialidade. Este hospital faz ainda outras coisas que os outros já não fazem, como garantir a assistência aos doentes durante 24 horas por dia, no âmbito do próprio hospital mas também da comunidade, uma vez que é um serviço de urgência externa.
É uma actividade extraordinariamente cansativa, mas de extrema importância, uma vez que ninguém mais pode garantir a assistência dos doentes do foro endocrinológico que não o endocrinologista. Adicionalmente é o responsável técnico pelos exames complementares de diagnóstico, uma vez que somos nós que começámos a utilizá-los e posteriormente os tornamos gerais.
Há muito anos, o grupo a que pertencia foi responsável pela introdução em Portugal da técnica da hemoglobina glicada, a qual faz hoje em dia parte da rotina. Uns anos depois, numa outra instituição, fomos também pioneiros no nosso país de uma outra técnica, que foi a do doseamento de anticorpos anti-receptores de TSH, que hoje em dia faz parte da prática clínica. Agora fazemos nomeadamente a técnica da velocidade da onda de pulso, uma técnica rotineira.
O Hospital de Santa Maria é dos poucos que é capaz de oferecer a um interno em termos de especialidade e estudo, uma actividade assistencial riquíssima, com todos os componentes de consulta, de internamento, de provas funcionais, de hospital de dia e de serviço de urgência externo, pelo que deveria receber anualmente vários internos. Contudo há vários anos em que isso não acontece e muitas vezes o Serviço, quando recebe, é apenas um único interno, o que é francamente insuficiente.
Há outros hospitais em Lisboa, com uma muito menor actividade assistencial que recebem mais internos. Esta situação é coordenada superiormente, pelo que não sei se os hospitais em causa são, a esse nível, considerados mais carenciados, ou se haverá outra razão.
Até para efeitos de renovação das gerações, o Hospital de Santa Maria terá que receber um maior número de internos desta especialidade todos os anos.
news@fmul: E a terminar, gostaríamos que nos esclarecesse um pouco sobre a missão pedagógica da Clínica, na formação de futuros médicos.
Prof. Doutor João Martin Martins: A formação e o ensino são uma actividade encantadora e excelente.
A Medicina é uma ciência, pelo que somos obrigados a transmitir o conhecimento científico de uma forma clara e objectiva. Nunca se consegue transmitir todo o conhecimento, nem é isso que se pretende. O fundamental é transmitirem-se as bases do conhecimento e despertar nos alunos, por um lado, um gosto pela medicina enquanto ciência e enquanto prática clínica e, por outro lado, a necessidade constante da investigação.
As sociedades modernas são cada vez mais complexas e necessitam de gestores. Há muito a tendência para que um médico seja reduzido a uma dimensão puramente técnica, de cumprimento de eventuais guidelines. Um médico é mais do que isso. Todos nós devemos cumprir de facto guidelines, mas também devemos ser capazes de ultrapassar essa simples dimensão. É fundamental que o médico tenha sempre consciência do muito que não sabe e da necessidade que tem de investigar constantemente sobre aquilo que ainda não se sabe.
news@fmul: Deixamos agora à consideração do senhor Professor algumas palavras mais que veja oportunas dirigir aos nossos leitores.
Prof. Doutor João Martin Martins: A todas as pessoas que eventualmente leiam esta entrevista, as minhas últimas palavras vão no sentido de vos transmitir que a Endocrinologia é com certeza a área da medicina mais apaixonante e mais encantadora. Os conhecimentos nesta área têm vindo a desenvolver-se de uma forma explosiva, sobretudo em termos de Bioquímica e Genética. No futuro será com certeza uma área que vai continuar a ser deliciosa e excelente.
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia em Santa Maria resulta da fusão, por um lado, do Centro de Endocrinologia que na altura era dirigido pelo Professor Galvão Teles, e por outro lado, pelo Centro de Diabetes dirigido pelo Professor Pedro Lisboa. Pessoas de enorme competência e sobretudo de um enorme prestígio científico e também médico e social.
A Endocrinologia tem assim antecedentes ilustres. A questão agora é dar continuidade ao trabalho por eles desenvolvido.
Trata-se de uma especialidade que nos últimos anos ganhou uma enorme importância, sobretudo, porque a patologia a este nível é muito frequente, basta pensar na obesidade, na diabetes, na hipertensão arterial e na osteoporose. No entanto, a Endocrinologia mantém as características essenciais, é uma especialidade médica com uma enorme base bioquímica e genética e com um carácter eminentemente experimental e de investigação. E, vai ser precisamente a capacidade de manter a investigação e, sobretudo, a capacidade de criar um componente moderno da actividade médica, baseada em dados de diferentes patologias que serão determinantes no futuro, no desenvolvimento da especialidade em termos médicos e na prática assistencial.
news@fmul: Referiu a importância da investigação, gostaríamos precisamente que nos falasse das vossas actividades ao nível da investigação, do ensino e da comunidade.
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia no Hospital de Santa Maria e na Faculdade tem a responsabilidade no ensino pré-graduado, ao nível do 3.º ano. Quem está responsável especificamente por essa área é o Professor Mário Mascarenhas, e ao nível do 5.º ano, sou eu o responsável. Essa responsabilidade começa no início da introdução à clínica, no 3.º ano, e quando termina o curso médico, no 5.º ano.
Nós somos responsáveis pelo ensino dos alunos no último ano do curso de medicina e o que tentamos fazer é o desenvolvimento e o tratamento exaustivo dos grandes temas da patologia endocrina, que é a patologia hipotálamo-hipofisária, a tiróide, a diabetes, a patologia das supra-renais, da hipertensão arterial, a obesidade, a patologia mineral e a osteoporose, a patologia do crescimento, a andrologia e a ginecologia endocrona.
Esta é uma componente fundamental, na qual se inclui também o ensino pós-graduado dos internos da especialidade, cujo o número em Santa Maria, por razões que não compreendemos, é reduzido e está mal distribuído a nível regional e nacional. A Endocrinologia em Santa Maria precisa de um maior número de internos da especialidade. Dentro da formação pós-graduada, outra responsabilidade fundamental é a formação continuada dos médicos de família, sobretudo da área de referência do hospital. A este respeito a Professora Isabel do Carmo editou um manual de endocrinologia para o clínico geral em que intervieram todos os membros do serviço e que é de uma grande importância.
Além disso, a Endocrinologia participa continuamente em múltiplas acções de formação a nível de outras especialidades médicas e também a nível da comunidade, sobretudo nas grandes áreas, como a obesidade, a diabetes, a hipertensão arterial e a osteoporose.
Por outro lado, a Endocrinologia sempre teve um grande componente de investigação. Esse componente centra-se em grandes temas que são, por um lado, a endocrinologia do comportamento, por outro lado, a patologia hipotálamo-hipofisária, a diabetes mielus, a hipertensão arterial e a patologia supra-renal, a patologia mineral e a osteoporose. A esse respeito a Endocrinologia tem técnicas complementares de diagnóstico que são inovadoras e especificamente nossas, nomeadamente, a velocidade da onda de pulso. Conta com o apoio recente do GenoMed, no que diz respeito ao estudo de base genética de doenças endocrinas comuns, mas sempre teve protocolos de investigação próprios que hoje em dia voltamos a realizar, contando com a excelente colaboração do Centro de Estudos da Genética, dirigido pelo Professor Manuel Bicho.
A Endocrinologia tem assim um componente de ensino muito importante, um componente de investigação e tem um componente cada vez mais importante de divulgação da área noutras áreas médicas e na comunidade.
news@fmul: A Endocrinologia acaba por ser transversal a outras especialidades, como é a investigação a esse nível, quando existem equipas multidisciplinares e parcerias?
Prof. Doutor João Martin Martins: A Endocrinologia sempre foi uma especialidade médica com um componente de bioquímica e de genética que são absolutamente fundamentais e que requerem investigação. A investigação real e concreta é quando de facto é feita pelos próprios, os ingleses têm uma expressão para isso que é “hands on work”, ou seja, é o próprio indivíduo que faz a experiência. Os médicos têm muitas vezes conhecimento próprio das técnicas laboratoriais e realizam-nas, mas não têm disponibilidade de tempo. Portanto, vai ser necessário um apoio técnico de laboratório muito grande no âmbito do Instituto de Medicina Molecular, como tem sido até agora no âmbito do Centro de Estudos de Genética, do Professor Manuel Bicho, que permita que o médico faça ele próprio os projectos de investigação, mas com o apoio de pessoal do laboratório e com elementos de outras áreas, sobretudo da área da Genética.
news@fmul: Ao falar de colaborações da Clínica com o Instituto de Medicina Molecular e Hospital de Santa Maria vemos retratado o Centro Académico de Medicina. Essas parcerias realizam-se ao nível da investigação, mas também se reflectem no ensino e noutras acções? Como é a relação da Clínica de Endocrinologia com o Centro Académico de Medicina?
Prof. Doutor João Martin Martins: O Hospital de Santa Maria e o Centro de Estudos de Endocrinologia têm uma característica fundamental que é única a nível nacional, têm um enorme número de doentes assistidos mesmo com a patologia mais rara, mais estranha. Até porque o hospital consegue uma coisa que jamais algum hospital consegue no país - tem um serviço próprio, garantindo a assistência continuada aos doentes 24 horas.
Nós temos, constantemente no serviço, patologias extremamente complicas, sofisticadas e até bastante raras que só um grande Centro Académico é que pode ter estes doentes e que consegue reunir o número suficiente de doentes com essas patologias. Essas patologias requerem uma investigação aturada a nível clínico e a nível laboratorial, nas quais nós somos bastante competentes, mas depois requer uma investigação a nível de outras áreas, nomeadamente a nível da Genética, para a qual necessitamos sempre da colaboração de outros elementos e de outros institutos dentro do Instituto de Medicina Molecular e do centro de excelência do Hospital de Santa Maria. Tem sido fundamental a colaboração do Professor Manuel Bicho, do Centro de Genética e é importante a colaboração da Bioquímica.
Mas, é fundamental que os médicos da Endocrinologia não tenham um papel passivo, mas um papel activo, no sentido de definirem eles próprios os protocolos de investigação e de os realizarem in locu. Há vários endocrinologistas no serviço que têm competências e experiência de realização de trabalho de investigação próprio, de bancada, de laboratório, que é bom que não se perca.
news@fmul: No futuro como vê a relação da Faculdade, Hospital e Instituto de Medicina Molecular?
Prof. Doutor João Martin Martins: Será absolutamente fundamental que esse projecto vá avante. Aliás tem ido, porque de facto a medicina é uma actividade cada vez mais sofisticada e que tem esses componentes todos, o componente assistencial, o componente de investigação e o componente de ensino. Se faltar qualquer um desses elementos é a prática clínica que fica mais pobre e, portanto, é necessário que exista um Centro Académico de excelência, que permita a conjugação desses factores.
A investigação é fundamental e o que é importante é que os próprios médicos a realizem. Actualmente, acontece, por vezes, a noção de que participar em estudos clínicos, em que a definição do projecto pertence a outras pessoas, a recolha de dados pertence a outras pessoas, a análise estatística pertence a outras pessoas, é investigação científica. Isso não é investigação científica. A investigação científica requer que o próprio médico tenha a ideia, defina o projecto para a investigação dessa ideia, realize o trabalho experimental, confirme ou infirme essa ideia e depois seja capaz de analisar os dados.
Os médicos andam muito assoberbados com a actividade clínica. É fundamental que isso aconteça, pois é só depois de se ver muitos doentes que se vêem os doentes raros. Mas, isso não é a única actividade médica, a actividade médica também é uma actividade de investigação que parte, precisamente, dessa prática assistencial e da actividade de ensino.
Nós sempre fizemos actividade laboratorial de investigação, que sempre foi feita na Faculdade. Foi feita em grande parte no Instituto de Bioquímica, dirigido na altura pelo Professor Martins e Silva, depois por vicissitudes da vida restringiu-se mais ao hospital, com um outro componente da actividade de investigação que é a criação de bases de dados próprias, meticulosas e objectivas dos doentes que assistimos, que é uma responsabilidade médica. É de uma enorme riqueza a patologia que nós observamos e que tem de ser aproveitada para estudos de investigação. Cada doente é uma experiência e é possível aproveitar esses dados. Isto terá que ser necessariamente no âmbito do Centro Académico de excelência. O que é importante é que os médicos tenham uma intervenção muito activa na definição dos protocolos de investigação e na realização desses protocolos.
Nós não queremos ter uma participação passiva em projectos de investigação feitos por outras pessoas, nós queremos participar activamente em projectos de investigação. Ter participação activa quer dizer que nós queremos definir o projecto e que queremos realizá-lo experimentalmente, vamos precisar da colaboração de muita gente, mas quereremos ter uma participação activa.
news@fmul: Para além do Centro Académico, e uma vez que estamos numa sociedade global, a ciência é transmitida pelo mundo inteiro, como é que define a relação da clínica com outras entidades internacionais?
Prof. Doutor João Martin Martins: Em termos de Medicina, a componente fundamental da internacionalização do trabalho é, sem dúvida, sermos capazes de publicar regularmente artigos científicos em revistas de prestígio internacional. A internacionalização do nosso trabalho é avaliado em termos da publicação de artigos nessas revistas.
Temo-lo feito regularmente, não de uma forma extremamente exuberante, mas na medida em que as nossas capacidades assim o permitem, mas esse é o primeiro elemento fundamental.
O segundo elemento fundamental é que múltiplos elementos do serviço têm realizado estágios de curta, média e até longa duração em centros internacionais de referência, quer em investigação clínica, quer em investigação laboratorial.
Nós tivemos durante 2 anos em Nova Orleães, nos Estados Unidos da América, uma colega esteve em Espanha, em Santiago de Compostela, na Galiza, outra colega esteve em Pizza, na Itália, outra vai agora para Barcelona, pelo que mantemos o contacto com centros internacionais de excelência, sendo dessa outra forma que é feita a internacionalização.
Há ainda um terceiro elemento que se relaciona com a constante recepção de alunos do Programa Erasmus, de nacionalidades Europeias, nomeadamente Polacos, Alemães, Italianos, Espanhóis, Franceses, um pouco de toda a parte da Europa, o que nos trará resultados vindouros, até porque nenhum Português hoje em dia tem complexos de inferioridade, sentindo-se perfeitamente Europeu e integrado, estabelecendo, desde muito novo, contactos com elementos de outras nacionalidades, que lhe trarão certamente frutos no futuro.
É preciso não esquecer que o elemento fundamental da internacionalização é ser capaz de publicar artigos científicos em revistas de reconhecido prestígio.
news@fmul: O senhor Professor referiu várias vezes os seus colegas e a sua equipa, pelo que gostaríamos de perceber como é que a Clínica se organiza?
Prof. Doutor João Martin Martins: A Direcção do Serviço, pertence à Prof.ª Doutora Isabel do Carmo.
Todos os endocrinologistas do serviço são capazes de realizar todas as áreas da endocrinologia e é aliás isso que somos todos obrigados a fazer (e em parte ainda bem).
A Clínica tem componentes que nós nunca tivemos, como o serviço de urgência, com capacidade para prestarmos assistência de emergência aos nossos doentes 24 horas, assim como a realização de testes complementares de diagnóstico, nomeadamente no âmbito do hospital de dia.
Mas sem abdicar desse carácter geral que todos nós possuímos, cada um de nós tem desenvolvido interesses particulares. Temos elementos do serviço com interesse na endocrinologia do comportamento, no âmbito da hipertensão arterial e patologia das supra-renais, há elementos com diferenciação e com interesse há muitos anos no âmbito da osteoporose e da patologia mineral, nomeadamente o Prof. Doutor Mário Mascarenhas, a Prof. Doutora Isabel do Carmo no âmbito das doenças do comportamento alimentar, também no âmbito da patologia da tiroideia.
Este Centro tem igualmente tradição no âmbito da Diabetes, coordenado sobretudo pelo Prof. Doutor Pedro Lisboa e depois pelo Dr. Jorge Caldeira, que era uma autoridade a nível nacional no âmbito da Diabetologia.
Mesmo os elementos mais novos demonstram interesses particulares, os quais muitas vezes estão perfeitamente diferenciados, nomeadamente a Dr.ª Sónia do Vale, com interesses específicos sobretudo no âmbito da endocrinologia do comportamento.
O futuro está garantido, embora precisemos de mais internos.
Como é próprio do endocrinologista, mantemos uma actividade no âmbito da endocrinologia geral, mas depois temos a obrigação de cultivar interesses particulares, o que nos levará a sermos responsáveis pelo desenvolvimento dessa área, já que estamos particularmente interessado pela mesma.
news@fmul: Na sua opinião essa falta de internos dever-se-ia a uma má distribuição?
Prof. Doutor João Martin Martins: O Hospital de Santa Maria, por razões que não percebo muito bem sempre recebeu um pequeno número de internos de endocrinologia. No entanto, é o maior hospital do país e é o maior em termos de prática assistencial. Anualmente fazem-se cerca de 26.000 consultas, o que constitui um número perfeitamente brutal e o Serviço é responsável pelo internamento anual de cerca de 300 doentes com patologias extremamente grés, extremamente sofisticadas no âmbito desta especialidade. Este hospital faz ainda outras coisas que os outros já não fazem, como garantir a assistência aos doentes durante 24 horas por dia, no âmbito do próprio hospital mas também da comunidade, uma vez que é um serviço de urgência externa.
É uma actividade extraordinariamente cansativa, mas de extrema importância, uma vez que ninguém mais pode garantir a assistência dos doentes do foro endocrinológico que não o endocrinologista. Adicionalmente é o responsável técnico pelos exames complementares de diagnóstico, uma vez que somos nós que começámos a utilizá-los e posteriormente os tornamos gerais.
Há muito anos, o grupo a que pertencia foi responsável pela introdução em Portugal da técnica da hemoglobina glicada, a qual faz hoje em dia parte da rotina. Uns anos depois, numa outra instituição, fomos também pioneiros no nosso país de uma outra técnica, que foi a do doseamento de anticorpos anti-receptores de TSH, que hoje em dia faz parte da prática clínica. Agora fazemos nomeadamente a técnica da velocidade da onda de pulso, uma técnica rotineira.
O Hospital de Santa Maria é dos poucos que é capaz de oferecer a um interno em termos de especialidade e estudo, uma actividade assistencial riquíssima, com todos os componentes de consulta, de internamento, de provas funcionais, de hospital de dia e de serviço de urgência externo, pelo que deveria receber anualmente vários internos. Contudo há vários anos em que isso não acontece e muitas vezes o Serviço, quando recebe, é apenas um único interno, o que é francamente insuficiente.
Há outros hospitais em Lisboa, com uma muito menor actividade assistencial que recebem mais internos. Esta situação é coordenada superiormente, pelo que não sei se os hospitais em causa são, a esse nível, considerados mais carenciados, ou se haverá outra razão.
Até para efeitos de renovação das gerações, o Hospital de Santa Maria terá que receber um maior número de internos desta especialidade todos os anos.
news@fmul: E a terminar, gostaríamos que nos esclarecesse um pouco sobre a missão pedagógica da Clínica, na formação de futuros médicos.
Prof. Doutor João Martin Martins: A formação e o ensino são uma actividade encantadora e excelente.
A Medicina é uma ciência, pelo que somos obrigados a transmitir o conhecimento científico de uma forma clara e objectiva. Nunca se consegue transmitir todo o conhecimento, nem é isso que se pretende. O fundamental é transmitirem-se as bases do conhecimento e despertar nos alunos, por um lado, um gosto pela medicina enquanto ciência e enquanto prática clínica e, por outro lado, a necessidade constante da investigação.
As sociedades modernas são cada vez mais complexas e necessitam de gestores. Há muito a tendência para que um médico seja reduzido a uma dimensão puramente técnica, de cumprimento de eventuais guidelines. Um médico é mais do que isso. Todos nós devemos cumprir de facto guidelines, mas também devemos ser capazes de ultrapassar essa simples dimensão. É fundamental que o médico tenha sempre consciência do muito que não sabe e da necessidade que tem de investigar constantemente sobre aquilo que ainda não se sabe.
news@fmul: Deixamos agora à consideração do senhor Professor algumas palavras mais que veja oportunas dirigir aos nossos leitores.
Prof. Doutor João Martin Martins: A todas as pessoas que eventualmente leiam esta entrevista, as minhas últimas palavras vão no sentido de vos transmitir que a Endocrinologia é com certeza a área da medicina mais apaixonante e mais encantadora. Os conhecimentos nesta área têm vindo a desenvolver-se de uma forma explosiva, sobretudo em termos de Bioquímica e Genética. No futuro será com certeza uma área que vai continuar a ser deliciosa e excelente.