Espaço Aberto
Exposição de um Futuro Ensaio. Transformação, Criatividade e Arte
- Paula Rego e o Crime do Padre Amaro -
Analisar a obra de Paula Rego em O Crime do Padre Amaro constitui o início de um desafio, em analogia à grandiosidade e dimensão da sua antológica obra. Pensar a transformação da obra plástica a partir da literária - romance que inaugura o Realismo em Portugal - e articular com a dimensão psicológica da autora, será um outro desafio de carácter infindo e heurístico.
Como poderá a arte contribuir e inscrever o desenvolvimento humano e social no âmbito da saúde mental? Como pode a arte falar a linguagem de uma experiência e vivência diferente, como poderá representar a diferença qualitativa na sua forma de expressão? Como pode evocar imagens e necessidades de libertação e transformação que habitam na mais profunda dimensão da existência humana, como pode ela articular e dar voz não só a um grupo particular mas a todos os homens? O carácter afirmativo da arte, entre outros, tem a sua origem na afirmação profunda dos instintos de vida, na sua luta contra a opressão instintiva e social, (Marcuse, 2007). A verdade da arte reside no facto de o mundo, para o autor, ser na realidade tal como aparece na obra de arte. A sua acusação da realidade existente e da bela aparência da libertação constituem-se nas dimensões em que a arte transcende a sua determinação social e se emancipa a partir do universo real do discurso e do comportamento, preservando a sua presença esmagadora. Igualmente, o mundo formado pela arte é reconhecido como uma realidade reprimida e distorcida da realidade existente. Esta experiência espelha-se em situações extremas de amor, alegria, gratidão, mas também de morte, agressividade, sexualidade, culpa, frustração e dor mental, que explodem numa realidade existente em nome de uma verdade ignorada. A realidade existente é sublimada e transformada em obra de arte, libertando e validando os sonhos de felicidade e tristeza da infância e idade adulta (Marcuse, 2007).
A definição de sublimação dada por Freud em 1914 refere que a sublimação é um processo que concerne a líbido de objecto e consiste no facto de a pulsão se dirigir para um outro objectivo, distante da satisfação sexual, ou seja, a capacidade de o sujeito investir em actividades artísticas, intelectuais, ideológica e científicas, como referia Freud, “actividades superiores”. A sublimação será então o mais eficaz dos mecanismos de defesa que canaliza os impulsos libidinais. Aqui cessa o impulso original, a energia é retirada em benefício da catexia do seu substituto.
A obra de arte figura assim a realidade, ao mesmo tempo que a acusa (Marcuse, 2007). Em concordância com o pensamento do autor, a função crítica da arte e a sua contribuição para a libertação reside na forma estética. Uma obra de arte é autêntica ou verdadeira, não pelo seu conteúdo, não pela pureza da sua forma, mas pela forma tornada conteúdo. A arte comunica então verdades não comunicáveis, interditas e reprimidas noutra linguagem, dando luz à realidade escondida. A arte não reproduz assim o visível, mas torna visível (Klee, 2001).
E quem é o artista? É quem representa a obra, sendo esta, simultaneamente, a sua origem. É uma relação constituída numa dialéctica, reciprocidade em que um não existe sem o outro, nenhum dos dois se sustenta isoladamente. É a obra que possibilita os criadores na sua essência e que, a partir da sua essência, necessita dos que a salvaguardam e, se arte é a origem da obra, logo deixa surgir na sua essência a co-pertença essencial na obra dos que criam e dos que salvaguardam (Heidegger, 2007).
Paula Rego é uma extraordinária contadora de histórias, utilizando uma linguagem não verbal como forma de expressão. Ao invés da linguagem verbal, usa uma linguagem universal representativa do mais profundo e oculto que existe na condição humana. Com a sua arte, a pintura e desenho, a autora diz fazer justiça. Sublima o sofrimento sentido na sua infância e, mais tarde, a revolta face a questões político-sociais, transformando em arte os seus aspectos mais sofridos. Através dos seus núcleos da personalidade mais criativos, desde muito cedo, pensa-se, que transforma parte da sua infância sofrida, atribuindo-lhe uma dimensão estética. As pinturas de Rego são prova de uma vitalidade criadora, é uma pintura narrativa e inquietante que reconstrói o poder das imagens e ilusão, promove o espaço da fantasia, do simbólico, da narrativa, do sonho e da realidade, reencontrando-se na realidade espelhada uma forma dura, crua e primária, sendo a sua obra ilustrativa do mais genuíno, mas também assustador e fantasmático da condição humana e social, como se observa nas temáticas dos seus quadros, estes inscrevem um enredo de significantes culturais distintos, como a ordem, o poder, a autoridade, a repressão, a humilhação, obediência e subversão. É, segundo Bessa–Luís (2008), uma escrita que se aprende e cresce na solidão, um mundo artístico que inscreve o lugar do prolongamento da infância e seus medos.
Pensar a vida e a obra da autora em O Crime do Padre Amaro, sendo autora no mundo de hoje, pós-contemporâneo, uma das artistas mais imaginativas, talentosas e influentes que exprime uma arte muito pessoal, figurativa, intensa e profundamente vivida, é nosso objectivo.
Para compreender e entender a obra de Paula Rego é indispensável, a nosso ver, toda a análise, reflexão e trabalho que Ruth Rosengarten tem desenvolvido acerca da pintora.
O futuro ensaio terá como objectivo a análise e interpretação da temática O Crime do Padre Amaro a partir das telas criadas por Paula Rego. O impulso narrativo e o regressar à infância, são características omnipresentes na obra de Paula Rego, associados a mulheres contadoras de historias mas, também a seu pai, pois este fora o primeiro a ler-lhe Eça. A artista ao homenagear o pai, na sua série, O Crime do Padre Amaro, atreve-se reexaminar a ordem patriarcal, por um lado, através da cisão de leis que suportam a concepção tradicional tida pelo oriente da arte, por outro, através da ironia e humor representado pelo quebrar de regras, rebeldia e transgressão da ordem. Desde muito cedo, numa clara desconsideração pelas origens dos cânones da arte erudita, deixa emergir uma posição revolucionária estilística e iconográfica no que respeita às figuras de autoridade. A artista utiliza assim a comédia como forma de libertação. Em termos Freudianos encontramo-nos perante o triunfo da rebeldia do ego e do princípio do prazer. A subversão iconográfica e inversão das representações tradicionais dos papéis sexuais são representativas de um conjunto de armas contra a ordem patriarcal. A subversão toma uma dimensão mais expressiva na obra da artista, atingindo um excesso, segundo Rosengarten (1999), no conjunto de pinturas que constituem o corpo do texto que utilizam o romance de Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro. Segundo a autora, a virtuosidade da artista é uma espécie de acesso a distintos meios de representação mimética, através dos quais circula na expressão por si escolhida, utilizando os meios técnicos como forma de operacionalizar a intenção narrativa e a autenticidade psicológica, como se fosse um tipo de loucura em cobrir enormes extensões em pastel. Paula Rego utiliza como fonte a obra de um autor que pertence à grande tradição literária: Eça de Queiroz, um dos heróis da literatura portuguesa. O Crime do Padre Amaro, publicado em 1875, uma obra fortemente anticlerical, retrata de forma mordaz as fraquezas da comunidade pequeno-burguesa da cidade de Leiria, inscreve a história de um amor ilícito, entre um padre católico e uma jovem, uma intriga de clérigos e de beatas. Com um argumento dramático, a famosa ironia corrosiva de Eça e a sua crua narrativa apelam à desordem e acrescentam a ideia da gargalhada infame e corrupta. Eça retrata a separação entre os dois sexos e a divisão entre o racionalismo e crença. Os temas de Eça são íntimos da artista: a legitimidade e a paternidade; o amor e o conflito, a dignidade e humilhação que a paixão pode suscitar, os vínculos que ligam homens e mulheres às desigualdades entre sexos, gerações e classes sociais, a ordem e desordem, a obediência e vexame, a indagação da verdade. A procura na sociedade das suas batalhas, sofrimentos, labores e vida íntima é, à luz do Realismo de Eça, a matéria da arte – a verdade nua e crua. O Realismo é a crítica do homem, é a arte que nos pinta a nós mesmos. O seu processo é a análise, o seu propósito, a verdade absoluta. O realismo é o ideal de verdade e justiça, a arte deverá ter como fim a moral e ética que inscreve esse próprio ideal.
A obra de Paula Rego dá forma à ideia Freudiana no sentido do incesto como regresso do desejo reprimido. A artista, ao utilizar esta obra anti–trágica, sem punição e culpa, vira as costas à forma como utilizava a comédia e o grotesco primitivamente e adopta algo semelhante ao género trágico, pois se Eça se recusou a punir Amaro e vingar Amélia, a artista irá fazê-lo, para honrar e legitimar o seu desejo de mulher e não para restaurar a virtude cristã de Amélia Rosengarten (1999).
Por existir sempre uma intencionalidade consciente ou inconsciente na conduta do artista, tendo a actividade mental uma função intencional quando o autor escreve ou pinta, em conformidade com os modelos conceptuais psicanalíticos, psicológicos e sociológicos e porque a arte de Paula Rego é de uma riqueza psicológica extraordinária, em jeito de conclusão, propomos num futuro próximo, um ensaio que articule a arte e psicanálise, com o fim de estudar parte do funcionamento psicológico da pintora Paula Rego. Isto, porque a obra da autora é uma narrativa, assim como a psicanálise cresce nessa mesma narrativa, porque a psicanálise traz à consciência o que é inconsciente, inscreve o sonho, o obstáculo, desejo e verdade, assim como a obra de Rego habita o lugar do sonho, onde a narrativa povoa o lugar para a pintora, onde tudo é possível, onde a linguagem toma o lugar da verdade escondida.
Alexandra Sofia Santos Silva
Faculdade de Medicina de Lisboa
santossilva.alexandra@gmail.com
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Referencias Bibliográficas
Argan, G., & Fagiolo, M. (1994). Guia de História de Arte. Lisboa: Editorial Estampa.
Decobert, S., & Sacco, F. (2000). O desenho no trabalho psicanalítico com a criança. Lisboa: Climepsi.
Hess, W. (2001). Documentos para a compreensão da pintura moderna. Lisboa: Livros do Brasil.
Heidegger, M. (2007). A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70.
Marcuse, H. (2007). A dimensão estética. Lisboa: Edições 70.
Queiroz, E. (2000). Literatura e Arte - Uma Antologia. Lisboa: Relógio D’ Agua Editores
Klee, P. (2001). Escritos sobre arte. Lisboa: Edições Cotovia.
Rosengarten, R.(1999). Paula Rego e O Crime do Padre Amaro. Lisboa: Quetzal Editores.
Rego, P & Bessa–Luís, A. (2008). As Meninas. Lisboa: Guerra e Paz, Editores S.A.
Analisar a obra de Paula Rego em O Crime do Padre Amaro constitui o início de um desafio, em analogia à grandiosidade e dimensão da sua antológica obra. Pensar a transformação da obra plástica a partir da literária - romance que inaugura o Realismo em Portugal - e articular com a dimensão psicológica da autora, será um outro desafio de carácter infindo e heurístico.
Como poderá a arte contribuir e inscrever o desenvolvimento humano e social no âmbito da saúde mental? Como pode a arte falar a linguagem de uma experiência e vivência diferente, como poderá representar a diferença qualitativa na sua forma de expressão? Como pode evocar imagens e necessidades de libertação e transformação que habitam na mais profunda dimensão da existência humana, como pode ela articular e dar voz não só a um grupo particular mas a todos os homens? O carácter afirmativo da arte, entre outros, tem a sua origem na afirmação profunda dos instintos de vida, na sua luta contra a opressão instintiva e social, (Marcuse, 2007). A verdade da arte reside no facto de o mundo, para o autor, ser na realidade tal como aparece na obra de arte. A sua acusação da realidade existente e da bela aparência da libertação constituem-se nas dimensões em que a arte transcende a sua determinação social e se emancipa a partir do universo real do discurso e do comportamento, preservando a sua presença esmagadora. Igualmente, o mundo formado pela arte é reconhecido como uma realidade reprimida e distorcida da realidade existente. Esta experiência espelha-se em situações extremas de amor, alegria, gratidão, mas também de morte, agressividade, sexualidade, culpa, frustração e dor mental, que explodem numa realidade existente em nome de uma verdade ignorada. A realidade existente é sublimada e transformada em obra de arte, libertando e validando os sonhos de felicidade e tristeza da infância e idade adulta (Marcuse, 2007).
A definição de sublimação dada por Freud em 1914 refere que a sublimação é um processo que concerne a líbido de objecto e consiste no facto de a pulsão se dirigir para um outro objectivo, distante da satisfação sexual, ou seja, a capacidade de o sujeito investir em actividades artísticas, intelectuais, ideológica e científicas, como referia Freud, “actividades superiores”. A sublimação será então o mais eficaz dos mecanismos de defesa que canaliza os impulsos libidinais. Aqui cessa o impulso original, a energia é retirada em benefício da catexia do seu substituto.
A obra de arte figura assim a realidade, ao mesmo tempo que a acusa (Marcuse, 2007). Em concordância com o pensamento do autor, a função crítica da arte e a sua contribuição para a libertação reside na forma estética. Uma obra de arte é autêntica ou verdadeira, não pelo seu conteúdo, não pela pureza da sua forma, mas pela forma tornada conteúdo. A arte comunica então verdades não comunicáveis, interditas e reprimidas noutra linguagem, dando luz à realidade escondida. A arte não reproduz assim o visível, mas torna visível (Klee, 2001).
E quem é o artista? É quem representa a obra, sendo esta, simultaneamente, a sua origem. É uma relação constituída numa dialéctica, reciprocidade em que um não existe sem o outro, nenhum dos dois se sustenta isoladamente. É a obra que possibilita os criadores na sua essência e que, a partir da sua essência, necessita dos que a salvaguardam e, se arte é a origem da obra, logo deixa surgir na sua essência a co-pertença essencial na obra dos que criam e dos que salvaguardam (Heidegger, 2007).
Paula Rego é uma extraordinária contadora de histórias, utilizando uma linguagem não verbal como forma de expressão. Ao invés da linguagem verbal, usa uma linguagem universal representativa do mais profundo e oculto que existe na condição humana. Com a sua arte, a pintura e desenho, a autora diz fazer justiça. Sublima o sofrimento sentido na sua infância e, mais tarde, a revolta face a questões político-sociais, transformando em arte os seus aspectos mais sofridos. Através dos seus núcleos da personalidade mais criativos, desde muito cedo, pensa-se, que transforma parte da sua infância sofrida, atribuindo-lhe uma dimensão estética. As pinturas de Rego são prova de uma vitalidade criadora, é uma pintura narrativa e inquietante que reconstrói o poder das imagens e ilusão, promove o espaço da fantasia, do simbólico, da narrativa, do sonho e da realidade, reencontrando-se na realidade espelhada uma forma dura, crua e primária, sendo a sua obra ilustrativa do mais genuíno, mas também assustador e fantasmático da condição humana e social, como se observa nas temáticas dos seus quadros, estes inscrevem um enredo de significantes culturais distintos, como a ordem, o poder, a autoridade, a repressão, a humilhação, obediência e subversão. É, segundo Bessa–Luís (2008), uma escrita que se aprende e cresce na solidão, um mundo artístico que inscreve o lugar do prolongamento da infância e seus medos.
Pensar a vida e a obra da autora em O Crime do Padre Amaro, sendo autora no mundo de hoje, pós-contemporâneo, uma das artistas mais imaginativas, talentosas e influentes que exprime uma arte muito pessoal, figurativa, intensa e profundamente vivida, é nosso objectivo.
Para compreender e entender a obra de Paula Rego é indispensável, a nosso ver, toda a análise, reflexão e trabalho que Ruth Rosengarten tem desenvolvido acerca da pintora.
O futuro ensaio terá como objectivo a análise e interpretação da temática O Crime do Padre Amaro a partir das telas criadas por Paula Rego. O impulso narrativo e o regressar à infância, são características omnipresentes na obra de Paula Rego, associados a mulheres contadoras de historias mas, também a seu pai, pois este fora o primeiro a ler-lhe Eça. A artista ao homenagear o pai, na sua série, O Crime do Padre Amaro, atreve-se reexaminar a ordem patriarcal, por um lado, através da cisão de leis que suportam a concepção tradicional tida pelo oriente da arte, por outro, através da ironia e humor representado pelo quebrar de regras, rebeldia e transgressão da ordem. Desde muito cedo, numa clara desconsideração pelas origens dos cânones da arte erudita, deixa emergir uma posição revolucionária estilística e iconográfica no que respeita às figuras de autoridade. A artista utiliza assim a comédia como forma de libertação. Em termos Freudianos encontramo-nos perante o triunfo da rebeldia do ego e do princípio do prazer. A subversão iconográfica e inversão das representações tradicionais dos papéis sexuais são representativas de um conjunto de armas contra a ordem patriarcal. A subversão toma uma dimensão mais expressiva na obra da artista, atingindo um excesso, segundo Rosengarten (1999), no conjunto de pinturas que constituem o corpo do texto que utilizam o romance de Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro. Segundo a autora, a virtuosidade da artista é uma espécie de acesso a distintos meios de representação mimética, através dos quais circula na expressão por si escolhida, utilizando os meios técnicos como forma de operacionalizar a intenção narrativa e a autenticidade psicológica, como se fosse um tipo de loucura em cobrir enormes extensões em pastel. Paula Rego utiliza como fonte a obra de um autor que pertence à grande tradição literária: Eça de Queiroz, um dos heróis da literatura portuguesa. O Crime do Padre Amaro, publicado em 1875, uma obra fortemente anticlerical, retrata de forma mordaz as fraquezas da comunidade pequeno-burguesa da cidade de Leiria, inscreve a história de um amor ilícito, entre um padre católico e uma jovem, uma intriga de clérigos e de beatas. Com um argumento dramático, a famosa ironia corrosiva de Eça e a sua crua narrativa apelam à desordem e acrescentam a ideia da gargalhada infame e corrupta. Eça retrata a separação entre os dois sexos e a divisão entre o racionalismo e crença. Os temas de Eça são íntimos da artista: a legitimidade e a paternidade; o amor e o conflito, a dignidade e humilhação que a paixão pode suscitar, os vínculos que ligam homens e mulheres às desigualdades entre sexos, gerações e classes sociais, a ordem e desordem, a obediência e vexame, a indagação da verdade. A procura na sociedade das suas batalhas, sofrimentos, labores e vida íntima é, à luz do Realismo de Eça, a matéria da arte – a verdade nua e crua. O Realismo é a crítica do homem, é a arte que nos pinta a nós mesmos. O seu processo é a análise, o seu propósito, a verdade absoluta. O realismo é o ideal de verdade e justiça, a arte deverá ter como fim a moral e ética que inscreve esse próprio ideal.
A obra de Paula Rego dá forma à ideia Freudiana no sentido do incesto como regresso do desejo reprimido. A artista, ao utilizar esta obra anti–trágica, sem punição e culpa, vira as costas à forma como utilizava a comédia e o grotesco primitivamente e adopta algo semelhante ao género trágico, pois se Eça se recusou a punir Amaro e vingar Amélia, a artista irá fazê-lo, para honrar e legitimar o seu desejo de mulher e não para restaurar a virtude cristã de Amélia Rosengarten (1999).
Por existir sempre uma intencionalidade consciente ou inconsciente na conduta do artista, tendo a actividade mental uma função intencional quando o autor escreve ou pinta, em conformidade com os modelos conceptuais psicanalíticos, psicológicos e sociológicos e porque a arte de Paula Rego é de uma riqueza psicológica extraordinária, em jeito de conclusão, propomos num futuro próximo, um ensaio que articule a arte e psicanálise, com o fim de estudar parte do funcionamento psicológico da pintora Paula Rego. Isto, porque a obra da autora é uma narrativa, assim como a psicanálise cresce nessa mesma narrativa, porque a psicanálise traz à consciência o que é inconsciente, inscreve o sonho, o obstáculo, desejo e verdade, assim como a obra de Rego habita o lugar do sonho, onde a narrativa povoa o lugar para a pintora, onde tudo é possível, onde a linguagem toma o lugar da verdade escondida.
Alexandra Sofia Santos Silva
Faculdade de Medicina de Lisboa
santossilva.alexandra@gmail.com
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Referencias Bibliográficas
Argan, G., & Fagiolo, M. (1994). Guia de História de Arte. Lisboa: Editorial Estampa.
Decobert, S., & Sacco, F. (2000). O desenho no trabalho psicanalítico com a criança. Lisboa: Climepsi.
Hess, W. (2001). Documentos para a compreensão da pintura moderna. Lisboa: Livros do Brasil.
Heidegger, M. (2007). A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70.
Marcuse, H. (2007). A dimensão estética. Lisboa: Edições 70.
Queiroz, E. (2000). Literatura e Arte - Uma Antologia. Lisboa: Relógio D’ Agua Editores
Klee, P. (2001). Escritos sobre arte. Lisboa: Edições Cotovia.
Rosengarten, R.(1999). Paula Rego e O Crime do Padre Amaro. Lisboa: Quetzal Editores.
Rego, P & Bessa–Luís, A. (2008). As Meninas. Lisboa: Guerra e Paz, Editores S.A.