O Prof. Diogo Telles Correia é o atual regente da cadeira de “Introdução à Medicina” e nesta entrevista explica quais os objetivos e as competências conferidas por esta disciplina aos alunos do 1º ano do Mestrado Integrado em Medicina, MIM.
Esta, que é uma área disciplinar autónoma que faz parte do plano curricular desde 1995 e que foi trazida pela mão do grande pedagogo, o Professor Gomes Pedro, tem a finalidade de sensibilizar os alunos para a prática de uma medicina mais humanizada, que os leve “a considerar de forma holística o conhecimento biomédico, atendendo às ciências do comportamento, da sociologia e psicologia,” diz Diogo Telles Correia regente da cadeira desde 2020, cargo que acumula com a direção da Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica e as regências de Psicologia Médica, Introdução à Saúde Mental, Psiquiatria e Comunicação com Doentes e Famílias e a coordenação do Mestrado de Doenças Metabólicas e Comportamento Alimentar, entre outras atividades letivas e não letivas na FMUL e CHULN.
Quando questionado se a especialidade em psiquiatria pode ajudar ao ensino desta disciplina, responde que a vertente do conhecimento da mente e de como lidar com as emoções humanas, pode à partida, ser uma mais valia, tanto que grande parte do corpo docente desta disciplina e da disciplina de comunicação com doentes e família serem docentes da Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica (o que acontece com muita frequência em outras faculdades de medicina). No entanto, explica, “a capacidade de comunicar e de se relacionar com a pessoa, é inerente a qualquer especialidade médica e é isso mesmo que os alunos aprendem nesta disciplina”.
Compreender o homem na sua totalidade, aceitando a diferença e eliminando o estigma e preconceito que pode condicionar a forma com o médico se relaciona, são premissas inevitáveis. “Ensinamos a ter uma visão mais ampla do Homem e da sua circunstância, nas sua semelhanças e diferenças respeitando o meio em que está inserido”, adianta.
“É uma disciplina que introduz o aluno nas competências da relação clínica, entre as quais, a aceitação incondicional, genuinidade e a empatia. A capacidade de compreensão e de se colocar no lado do outro, o que vulgarmente se conhece como empatia. Outra das mais importantes características da relação clínica é contratransferência (ou contra atitude). A contratransferência relaciona-se com o facto de ser inevitável que na sua relação ainda que clínica, o médico encontre alguns pontos com os quais se identifica. “Essas questões devem ser identificadas pelo médico que tem de impedir que elas influenciem a sua relação com o doente. Por exemplo, uma pessoa que tenha experiências negativas na sua família, com pessoas que tenham problemas com consumo de drogas, poderá estar mais sensível a essas questões. O médico deve identificar à partida o que se está a passar, e impedir que isso influencie negativamente a relação com um doente que padeça da mesma situação”, esclarece.
Nesta disciplina os alunos vão começar a aprender as competências de relação, que são diferentes das competências da comunicação. As competências de comunicação correspondem a técnicas que permitem que a mensagem do médico chegue ao doente e que a informação do doente chegue ao médico. A importância é tal que que Diogo Telles não só diz que têm de ser “ensinadas”, mas também “aperfeiçoadas” e essa necessidade nota-se porque, “cada vez mais em todos os cursos de medicina se dá importância ao seu ensino e treino. É a partir do estabelecimento de uma relação clínica que o médico pode comunicar com o seu doente. E é através da (boa) relação clínica e da comunicação, que o ato médico é feito. Sem relação clínica e sem comunicação não há ato médico”.
Na FMUL, o ensino das questões relacionadas com a relação clínica e competências de comunicação tem sido feito em várias disciplinas, como referido, e também em formações pós-graduadas, centralizado no Núcleo de Ensino e Investigação de Competências de Comunicação e Relação. Deste núcleo fazem parte vários docentes da disciplina de Introdução à Medicina e também de Psicologia Médica e Psiquiatria.
Outro tema recentemente introduzido na disciplina é a medicina baseada em valores. Com este tema relaciona-se, por exemplo a importância fulcral que é a do médico ter em conta as prioridades do doente, respeitando os valores, as crenças e o estilo de vida de forma a que com ele possa definir qual o tratamento mais adequado à pessoa que tem à sua frente. “Tem de haver compreensão do doente no seu contexto socioeconómico, na sua diversidade de crenças e hábitos”.
A vulnerabilidade é também um dos pontos fortes desta disciplina. É importante desde cedo que o aluno de medicina contacte com a vulnerabilidade do ser humano que vai tratar. E isto, nesta disciplina ensina-se na prática, com as visitas a instituições.
Um dos aspetos positivos e que muito agrada aos alunos nesta disciplina é exatamente a sua vertente mais prática. “Temos sessões de role play, onde começam a ser treinadas as questões relacionadas com a relação clínica e as competências de comunicação e fóruns de discussão onde são abordados, por exemplo, o estigma e o preconceito. Há ainda as visitas educacionais onde são levados a visitar instituições com pessoas mais vulneráveis, apoio a grupos de risco ou acompanhamento infantil, apenas como alguns exemplos”.
Esta é uma área que atribui competências basilares para o exercício da prática médica e que tem, desde que é administrada no MIM, merecido atenção e avaliação por parte de vários intervenientes. Alguns deles, deixam aqui o seu testemunho.
Falámos com o Professor José Fernandes e Fernandes, Cirurgião Vascular, Catedrático Jubilado de Cirurgia, Professor de Introdução à Medicina Clínica e antigo Diretor da FMUL. Quisemos saber a sua opinião sobre o percurso e a importância da disciplina.
Considera a disciplina Introdução à medicina uma mais valia na formação médica?
Prof. José Fernandes e Fernandes: A Introdução à Medicina foi uma área de interdisciplinaridade iniciada pelo Prof. Gomes Pedro logo no 1º ano do Curso. Procurava transmitir uma imagem da Medicina e da diversidade das suas áreas de intervenção, o que era muito importante para o/a recém-chegado faculdade e, simultaneamente, transmitir no princípio do curso, as regras e os valores que caracterizam a dimensão ética, moral e o espírito de serviço e de altruísmo que, no seu conjunto, configuram a dimensão humana irrecusável da Medicina.
Iniciava também o ensino das regras fundamentais da Comunicação Médico-Doente, um tema pouco debatido e ensinado na Faculdade.
Foi sem dúvida um marco e julgo que era muito apreciada pelos estudantes e mobilizava o entusiasmo e dedicação de todos os colaboradores que o Prof. Gomes Pedro reunia à sua volta.
Em que medida?
Prof. José Fernandes e Fernandes: Creio que as qualidades pedagógicas do Prof. Gomes Pedro e dos seus colaboradores, sem exceção, deixavam uma marca indelével nos estudantes e isso é algo que qualquer professor aspira conseguir.

Era uma continuação…
Prof. José Fernandes e Fernandes: Ajudávamos a consolidar conceitos e princípios cuja aprendizagem se iniciava na Introdução à Medicina. Neste sentido, a Introdução à Medicina era o começo duma longa, continuada e permanente aprendizagem que a Medicina contemporânea exige sempre ancorada nos valores de sempre da Medicina Hipocrática.
Importa recordar a ação do Prof. Gomes Pedro e também dos Professores António Barbosa e Madalena Folque Patrício é uma homenagem justa, merecida e que me apraz muito ter sido convidado para participar. E também desejar ao Prof. Diogo Telles e a toda a equipa docente os maiores sucessos nesta área de ensino tão importante.
“Um farol no meio da tempestade”
Quisemos saber o que pensam os alunos sobre esta disciplina e falámos com duas alunas do 1º ano do curso de medicina. São elas a Mariana Paulino e a Sofia Rita. Começam por destacar o lado prático da disciplina que proporciona aos alunos um contacto mais próximo com os doentes alertando-os para uma realidade mais humana. Mariana começa por dizer que esta disciplina é "um farol no meio da tempestade" por ser diferente e mais prática, do que as restantes. As visitas às instituições, que permitem o lado mais prático, “são ótimas, porque podemos lidar com as pessoas e criar empatia” disseram e lembraram “o curso é tão intenso e científico que corremos o risco de nos esquecermos da parte mais humana e esta disciplina tem esse papel.”
Para Mariana Paulino esta disciplina personaliza a medicina porque “olhamos para o doente integrado num contexto familiar e não apenas como doente”, despojado de identidade. “Ficamos com a noção de que há vida para além da doença,” acrescenta Sofia Rita destacando a importância de olhar para o doente de forma holística.
Outra questão muito importante “é a de que aprendemos a ver a rede que está à volta do doente. Por exemplo, estive numa instituição onde tive de falar com os familiares, perceber a dor deles e isso chamou a minha atenção, porque muitas vezes, nós enquanto médicos, esquecemo-nos dos cuidadores e eles também sofrem” continua a Mariana que acredita que esta disciplina torna os médicos mais próximos do doente e da realidade deste.
A relação gerada entre médico, doente e cuidadores pode ser tensa. Nunca se sabe quem entra pelo consultório dentro e para saber lidar com situações tensas e com as “personalidades fortes”, esta disciplina fornece ferramentas importantes. Sofia recorda uma história que lhe aconteceu; “uma senhora que não deixava o filho falar, apesar de ele ser adulto. A senhora insistia a cada pergunta que eu fazia, ser ela a responder, não permitindo ao filho dizer nada. Temos de aprender a contornar”. Estas situações são trabalhadas durante os role play que são interpretados pelos alunos que ora fazem de médico ora de pacientes. “Ficcionam-se várias situações que podem bem acontecer no dia a dia, quando estivermos a exercer.” Para além disso, “são já uma preparação para a OSCE” referem.
Mais dois exemplos de alunos de MIM; o Lourenço Silveira que frequenta o 1º ano e o Bernardo Alves que está no 5º ano. Ambos dão o seu testemunho quanto à relevância da disciplina para o exercício da vida profissional enquanto médicos.
Lourenço Silveira
“Num primeiro ano recheado de áreas disciplinares diretamente relacionadas com o conhecimento teórico, Introdução à Medicina é a primeira que nos incute os valores da Humanização da Medicina. Enquanto aluno do primeiro ano, foi aqui que percebi que um médico é muito mais do que um profissional que sabe de Medicina, mas sim que a vive com as pessoas que dela precisam. O plano curricular, as visitas às instituições ou até mesmo os seminários de partilha mostram-me o quão importante é para um (futuro) médico ter uma perspetiva global dos vários comportamentos da sociedade, sociedade esta cada vez mais multicultural e com comportamentos/princípios que temos de respeitar. É muito positivo que desde o primeiro ano tenhamos essa noção, a par de todos os conhecimentos teóricos e práticos que são igualmente importantes para a nossa formação médica.”
Bernardo Alves
“Encontrando-me atualmente no final do 5º ano, contactei com Introdução à Medicina há quatro anos. Embora confesse que desconheço como se encontra atualmente, testemunho o valor que esta representou para mim enquanto estudante de 1º ano nesta Casa. Num ano de impacto frontal com a realidade académica universitária e com o ritmo necessário para adquirir os inúmeros conhecimentos pré-clínicos necessários, Introdução à Medicina apresentou-se como um farol no meio de uma tempestade. Não só foi a Área Disciplinar com mais conteúdo aplicável diretamente à prática clínica como foi a primeira Área Disciplinar a realmente impactar a forma como vejo a vida e a profissão médica e como esta deve ser exercida, com respeito pelo Doente e pela nobre Profissão que, em princípio, irei exercer. Obrigado a todos os que, ao longo dos anos, moldaram esta Disciplina, mas um especial agradecimento ao Professor António Barbosa, o regente quando fui aluno, e que influenciou tão precocemente e de forma tão positiva o meu modo de estar ao longo dos próximos 4 anos e, espero eu, durante o exercício da profissão Médica," conclui.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa editorial
