O silêncio é predominante e nestes momentos assume sempre um ritmo pesado. É como se o pudéssemos ouvir a passar e no entanto se a adrenalina falasse, haveria tanto ruído.
Hoje é dia de melhoria de nota para o 5º ano. Os momentos mais frágeis e turbulentos já passaram, no entanto, o sistema nervoso acusa o mesmo grau de alerta como se fosse esta a primeira vez.
O plano da prova já segue a ritmo habitual, o exame que agora vão começar às 8h da manhã em ponto chama-se OSCE - Objective Structured Clinical Examination – e surgiu no passado ano de 2022 com o lançamento da nova reforma do ensino clínico. Começou apenas com mudanças no 4º ano de Medicina, este ano alargou para o 5º.
Aquilo que se pretende é avaliar as técnicas de colheita de história clínica, de exame objetivo, de capacidade diagnóstica e de decisão terapêutica. E se o conhecimento é muito relevante para chegar ao diagnóstico, conseguir transmitir a mensagem ao doente, é arte que um bom médico tem de saber desempenhar. A precisão de movimentos é outro dos focos de observação, movimentos que exigem treino e técnica, especialmente sob pressão. Este é o momento em que se avaliam todas as características sobre as competências médicas, até então avaliadas de uma forma muito menos estruturada.


De um lado e do outro do corredor simulam-se várias situações de consulta, com mais ou menos urgência. À espera em cada estação, ou seja, consultório, está um médico/professor e um ator com guião previamente estudado. Os alunos têm apenas 1 minuto para lerem o resumo do cenário que vão encontrar. Olhares atentos, uns estão irrequietos com as mãos, outros acenam seguros e tomam breves notas nos cadernos de bolso. Seguem-se 5 minutos de prova, nem um segundo a mais, nem outro a menos, porque da régie se cronometra cada fase do tempo com o mesmo grau de justiça para todos. Na gravação, ou na voz em direto, a rotina é sempre igual: “mude de estação, pode começar a ler, entre na estação, tem um minuto (para terminar)”. Cada uma das 72 pessoas que aqui chega hoje, terá de fazer 6 rondas, o mesmo que dizer assumir diferentes papéis e quadros clínicos.
Os alunos sabem, deste o início do ano letivo, quais serão as áreas que vão estar em avaliação, mas sobre os casos apresentados e a interação será uma incógnita até chegar o momento. Isso explica o sigilo com que tudo se processa e o cuidado para que os grupos nunca se cruzem sequer nas casas de banho, para que ninguém tenha troca de informação, ou acesso privilegiado. Ação a decorrer e os comportamentos denunciam uma vasta sequência de estados de espírito, os professores entreolham-se, mas não há um direcionamento para o aluno que presta prova. Nestas situações de maior tensão, o olhar não chega a tranquilizar ou a dar rumo ao caminho por vezes meio perdido. Na interação alguns alunos respiram fundo e tentam controlar a posição trémula, outros abanam freneticamente um dos pés, mal se sentam para simular a consulta.
O aparente estado de ansiedade é ainda assim menos grave do que na primeira prova, quem o explica é Olga, chamada como figurante, faz de doente em uma das estações. “Noto-lhes grande evolução e confiança do primeiro ano para este segundo, os que transitaram para o 5º ano já têm muito mais segurança nas ações”. Maria, outra das figurantes, acrescenta ainda que aqueles que vieram fazer melhoria “não bloqueiam com tanta facilidade e interagem de forma muito espontânea”.

Entre estações e sempre em rotatividade está Cristiano Tavares, engenheiro encarregue do Centro de Simulação e com ele o mentor desta forma de avaliação. Diogo Ayres de Campos coordenador da OSCE, Professor Catedrático da Faculdade e Diretor do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia está habituado ao sistema de avaliação que importou de Inglaterra, do Colégio Europeu de Obstetrícia e Ginecologia. Primeiro testado por ele em Portugal, em 2019, com médicos internos com 5 anos de especialidade, transpunha-o para os estudantes apenas em 2022, devido a contratempos pandémicos. Habituado ao rigor e perfecionismo anglo-saxónico, dos tempos em que estudou em Inglaterra, o atual Chair da European Association of Perinatal Medicine sabe que há ainda caminho e métodos a aperfeiçoar, mas não hesita por um segundo quando questionado perante algumas arestas por limar neste sistema de avaliação, “há que dar passos curtos, mas sólidos, a querer fazer tudo de uma só vez e depois falhar”.
O primeiro circuito terminou. Dos 5 elementos de colaboradores experientes, nada falha. Se apenas uma palavra pudéssemos usar para os descrever diríamos que são meticulosos e gestores da serenidade entre todas as partes que se conjugam para dar certo.
Longe de apontar falhas o João Baldo e a Irina Lourenço saem da prova, visivelmente mais leves, dão-nos alguns minutos, mesmo tendo chegado às 7h45 e podendo sair já para ir desanuviar.
É com eles que falamos para ter o feedback. Vinda de Itália, a Irina esteve em Erasmus, pelo que o seu 5º ano é na verdade o seu primeiro ano de OSCE. Quanto ao João já trazia a experiência do 4º ano.
Novo grupo está prestes a entrar na sequência das estações. Nenhuma impressão se troca, nós limitamo-nos a desejar sorte e bom trabalho e a ansiedade antes da prova traz algumas ideias mais críticas, como se soubessem que estão reunidas as condições para nada dar muito certo. No final de tudo afinal nem viria a ser assim tão mau.
João: Este é um exame que exige elevado nível de abstração, não só de uma estação para a outra, como para nos focarmos em díspares conceitos das diferentes áreas disciplinares. O registo de prova em si não nos permite demonstrar todo o conhecimento que adquirimos. O tempo e agitação de rotatividade desestabilizam. Um minuto entre estações é muito pouco, mal dá para respirar. Este exame incentiva-nos a melhorar sempre, queremos sempre aumentar o conhecimento e ganhar mais confiança. O equilíbrio entre conhecimento e comunicação oscilam consoante a cadeira, ajuda ter tido estágios prévios e isso prepara-nos melhor para a prova. Há aqui áreas em que não passámos pela experiência prática e depois isso reflete-se na interação na prova.
Ter atores não ajuda porque não estimulam o nosso pensamento da mesma forma, a comunicação não flui porque seguem a regra sem diálogo extra.
Em apenas 5 minutos não conseguimos perceber tudo, principalmente para pessoas comunicativas como eu. De qualquer forma os objetivos estão muito claros desde o começo da ação. Não é na rapidez que consigo ter o meu maior desempenho. O conhecimento foi todo bem transmitido, mas esta prova exige que façamos a passagem do que se aprendeu para a sua aplicação. A Pediatria ensinou-nos bem e com componente muito prática.
Irina: Este é um exame bastante ansiogénico. Requer uma preparação muito diferente daquela que se tem com um exame escrito, aqui sabemos que teremos de falar e nos expor. Depois há um doente que nada sabe e que nos pode prejudicar porque não tendo a doença real não sabe dar o feedback adequado e segue apenas e só um guião. Esta prova prepara-nos de forma robusta para o futuro, esta foi uma boa medida para estimular o raciocínio clínico. O peso desta prova é relativo e não anula o peso dos exames escritos. Em correspondência do que nos foi ensinado a OSCE acompanha bem.
Joana Sousa
Equipa Editorial
