Financiado no âmbito do programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia, o eMOTIONAL Cities – Mapping the cities through the senses of those who make them, teve início em 2021, é um projeto com duração de 4 anos, e um orçamento total de 5 milhões de Euros (mais de 2 milhões de Euros para entidades portuguesas). Conta com 12 parceiros, 11 europeus e 1 americano, e está a ser desenvolvido “para melhorar a saúde urbana, diminuir as desigualdades e tentar ajudar a criar políticas que fomentem espaços urbanos mais potenciadores de bem-estar”. As palavras são do investigador Bruno Miranda, da FMUL e iMM, (Mamede Carvalho Lab.) um dos coordenadores do projeto que conta com vários parceiros dos quais se destacam a FMUL, o IGOT, a SPI e algumas empresas. “É uma bolsa de investigação e de inovação em que a investigação é feita pela academia com parceiros. Há um grupo de urbanismo e outro ligado às neurociências e à medicina. “Na parte da inovação estão as empresas que vão fazer a gestão de dados espaciais e de satélite depois as empresas que vão ajudar a interpretar esses sinais. “Em termos de urbanismo temos um grupo de Cambridge dedicado à gestão do espaço urbano e outro em Copenhaga dedicado à mobilidade. O IGOT tem a visão de integrar estes grupos. A FMUL tem um papel holísticos na área da medicina e das neurociências e vai ser o centro das atenções uma vez que as experiências vão ser realizados quase todas aqui.”
Já se sabe que os espaços degradados e sujos não fomentam momentos agradáveis, essas evidencias já fazem parte daquilo a que se chama o BIG DATA e que foi construído graças aos ramos da psicologia ambiental, saúde pública e até da epidemiologia. “O que não se sabe é se os espaços vão ao encontro de novos desafios como é o caso da sustentabilidade, adaptação à vida digital e a questão da poluição. Tudo isto precisa de novos dados.”
Na realidade o que aqui se está a fazer é a desfragmentar um grande bolo. “Este projeto avança no sentido de uma abordagem inovadora em vez de nos focarmos nas abordagens clássicas. Nós precisamos de perceber as ligações entre os vários fatores aqui envolvidos, perceber as características para melhorar as particularidades.”
Uma das características que torna este projeto inovador é o de se ter acrescentado o contexto das neurociências. “Existe um cérebro que é o da pessoa que interage com o ambiente e, dessa interação vão resultar mecanismos cerebrais. Ao sabermos mais detalhes conseguimos prever o que vai acontecer e o que está por trás destas relações de bem-estar.”
Embora o enfase desta experiência recaia sobre a parte mental, há um impacto físico que também vai ser abordado. “Se o nosso cérebro está em stress há uma resposta cardíaca, consequentemente a parte física está envolvida.”
Fase de transição
Depois de feito um glossário para que todos os intervenientes falassem a mesma linguagem, ter sido feita uma revisão da literatura e a criação de protocolos finais, “que foi o que demorou mais,” o projeto vai finalmente arrancar para as experiências, e estas, vão recrutar dois grupos de voluntários um deles doentes com pequeno défice cognitivo porque “geralmente estes doentes manifestam dificuldades de orientação espacial e podemos tentar melhorar vários pormenores para que futuramente seja um dos aspetos a melhorar.”
As experiências vão desenvolver-se em ambientes indoor, com atividades laboratoriais mais convencionais e em ambiente outdoor “que são experiências de vida real.”
Vão ser usados vários suportes que vão permitir ter acesso às reações biológicas dos voluntários e ir fazendo esse registo. O recurso a ressonância magnética, eletroencefalograma, registo cardíaco e respiratório são possíveis consoante a experiência é feita em laboratório ou na rua, mas para ambos os grupos, existe um conjunto de perguntas que terão de responder. Começa aqui a primeira triagem. Perceber os gostos, à partida, das pessoas para que quando saem à rua a experiência seja mais ou menos controlada.
Uma das maneiras de saber se um espaço é agradável é fazer uma experiência que vai para além de questionários. “Isso já foi feito com músicas,” explica Bruno Miranda, que se refere a um estudo anteriormente feito para saber se determinadas músicas teriam potencial para ser um êxito. As pessoas ouviam a música e ao mesmo tempo era feito o registo da atividade cerebral. Respondiam a um questionário para avaliar o quanto tinham gostado da música e depois cruzavam os dados com o número de downloads. “Chegou-se à conclusão que as respostas não eram tão boas para prever o número de downloads, como a atividade cerebral verificada. Temos propriedades que são comuns entre todos e isto tem a ver com a forma como o cérebro funciona.” Este princípio vai ser aplicado aos espaços públicos. “Usamos uma plataforma de fotografias o Flickr. Vamos mostrar algumas das fotos lá publicadas aos nossos voluntários, partindo do pressuposto que as zonas fotografadas são agradáveis e cruzamos com o número de “gostos.” Registamos a atividade cerebral e vamos analisar os dados. Quando as pessoas saírem para a rua para fazerem percursos por nós definidos, onde fatores como humidade, calor, poluição entre outros, vão ser medidos, nós já tenhamos uma ideia de como vai ser a reação a esse espaço.” Os voluntários terão de usar alguns dispositivos para permitir fazer uma leitura do que o seu corpo em termos físicos vai sentindo, bem como a interpretação do cérebro. “Mas estes fatores vão também condicionar o desempenho do voluntário e não sabemos exatamente o quanto isso afeta a experiência em si. Há sempre condicionantes.”
Talvez futuramente quando estiver a escolher uma rota no google, assim como podemos optar entre trajetos mais curtos ou com menos trânsito haja a possibilidade de escolher trajetos em função das emoções que quer viver.
Esta nova ciência o neurourbanismo está a dar os primeiros passos, mas tem potencial para se tornar numa ciência importante uma vez que mexe com os locais e com as pessoas e isso abrange muito da vida. Construir bairros dedicados a determinadas faixas etárias, tornar os espaços mais harmoniosos de acordo com os que dele usufruem e ao mesmo tempo diminuir desigualdades pode ser uma realidade para um futuro não muito distante. É nesse trabalho que o investigador Bruno Miranda está a trabalhar afincadamente. “Para mim tem sido interessantíssimo esta abordagem, porque as pessoas adoram ouvir falar deste assunto, talvez por se tratar de uma área nova. Quanto a mim, percebi parte do trabalho que se faz no urbanismo e tenho aprendido imenso. Pode ser muito interessante em termos académicos lançar uma nova disciplina que une o urbanismo e as neurociências e fazer parte desse projeto está a ser muito gratificante,” concluiu.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial
