Tiago Branco é Neurocientista, Investigador e Professor em Londres, sendo o primeiro português a receber uma Francis Crick Medal, uma distinção de prestígio, atribuída por uma das mais antigas instituições de cientistas do mundo. Estudou em Almada, fez o mestrado na FMUL e rumou para as terras de sua Majestade para o doutoramento, com um valente empurrão do Professor Domingos Henrique. “Ele foi muito, muito importante”, sublinha com profundo reconhecimento. Hoje é ele quem recebe estudantes de vários países no seu laboratório, inserido num centro com condições únicas no mundo. Mas, Portugal é Portugal, garante este Investigador, que continua apaixonado pelas coisas simples que o nosso país oferece, por exemplo, ir à Praça comprar salmonetes.
Pedia que se apresentasse e nos dissesse como é que esta aventura começou?
Tiago Branco: Sou Neurocientista e Professor de Neurociências do comportamento na University College London (UCL) e group lider no Sainsbury Wellcome Centre.
Estudei na Escola Secundária de Cacilhas (Almada), de 1996 a 2002 fui aluno na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e vim fazer o meu Doutoramento e o Pós-Doutoramento aqui em Londres, na UCL. O meu primeiro laboratório começou em 2013 em Cambridge, mas mudei-me para o Sainsbury Wellcome Centre em 2016, quando este abriu.
O que é que o trouxe para esta área?
Tiago Branco: Eu sempre quis ser cientista, mas nos anos 90 não havia muitas oportunidades de o ser, em Portugal. A melhor hipótese era fazer Ciências Biomédicas. Por isso, fiz o curso na FMUL e acabei por ir parar à Neurociência, um bocadinho por acaso. Estava sempre a trabalhar em laboratórios, em part-time, primeiro no da Professora Carmo Fonseca e depois, durante cinco anos, no laboratório do Professor Domingos Henrique. E foi aí que tive o contacto com as Neurociências.
Há qualquer coisa no comportamento que o intriga?
Tiago Branco: Passei por várias áreas da Neurociência. Quinze anos a estudar neurónios, para saber como funcionam e como falam uns com os outros. Agora no meu laboratório tento perceber como é que essas propriedades todas do cérebro são usadas para gerar comportamento. O foco da minha investigação é esse, tentar perceber como é que os neurónios se organizam e falam todos, para gerar um determinado comportamento. Estudo principalmente o da sobrevivência, mas como modelo, porque tem todos os elementos que os outros comportamentos têm. Por exemplo, o ratinho tem de usar os sentidos, para perceber o que é bom e o que é mau. Depois tem de escolher o que vai fazer. Este é um comportamento relativamente simples, mas que tem a complexidade suficiente para fazer perguntas que são importantes para todo o tipo de comportamentos mais complexos.
Em que medida é que estes estudos podem ser aplicados em termos práticos nas nossas vidas?
Tiago Branco: O foco principal é tentar perceber o cérebro. Quando alguma coisa corre mal é preciso saber como funciona. Os circuitos neuronais com que trabalhamos estão presentes em casos de ansiedade generalizada e em stress pós-traumático nos humanos. Uma aplicação potencial é, depois de perceber como é que esta região funciona, pensar como é que podemos controlar a sua atividade através da Farmacologia, por exemplo, para tratar a ansiedade.
Há alguém na faculdade que tenha uma maior responsabilidade neste seu trajeto?
Tiago Branco: Sim, o professor Domingos Henrique. Quando estava na FMUL ele abriu-me as portas do laboratório, permitiu-me fazer experiências e participar nos projetos. Trabalhava no laboratório todos os dias e aprendi imensas coisas – como pensar, como fazer ciência, como analisar dados de maneira crítica… Ele foi muito, muito importante. E foi ele que me encorajou a fazer o doutoramento aqui. Estava indeciso e ele insistiu, “candidata-te e vai!”. E eu lá me candidatei-me no último dia. Estou convencido que se tivesse feito o internato geral teria sido muito diferente. Foi mesmo um empurrão. Acabei a Faculdade numa sexta-feira e comecei aqui [Londres] na segunda. O Doutoramento até começava um mês antes do nosso fim de aulas e o Professor João Lobo Antunes, na época presidente do Concelho Científico, conseguiu que acabasse o curso mais cedo para vir para cá.
Como é que é o seu dia-a-dia?
Tiago Branco: O meu papel principal agora é tratar de burocracias, tentar arranjar dinheiro, escrever artigos, preparar apresentações, analisar dados, desenhar experiências. Há dias chatos, mas tenho fases muito engraçadas. Num bom dia posso fazer uma ou duas experiências de comportamento, conversar com estudantes, pós-docs…
As pessoas que trabalham consigo têm muitas origens?
Tiago Branco: Sim, é muito internacional o laboratório. Trabalham entre 10 a 15 pessoas no laboratório e há perto de 10 nacionalidades diferentes.
Essa riqueza pode fazer a diferença?
Tiago Branco: Sim e não é só a visão cultural, é o backround que as pessoas têm. Há pessoas que vêm de Física ou de Ciências ou de Biologia. Todos têm uma maneira de pensar diferente e isso é muito importante. Se não há diversidade, corremos o risco de pensar todos da mesma maneira e não há ideias novas. É importante ter pessoas mais jovens que vêm cheias de ideias e que fazem uma data de coisas que eu não sei fazer.
Tem portugueses consigo no grupo?
Tiago Branco: Sim, temos uma pós-doc que chegou agora e trabalha em dois laboratórios aqui do instituto. E um dos meus primeiros estudantes é português, também é de Almada, veio da Escola Secundária de Cacilhas e fez o mestrado na FMUL e o doutoramento no meu laboratório.
Recebeu uma distinção da Francis Crick Medal. Que distinção é esta e porque é que lhe foi atribuída?
Tiago Branco: É dado pela Royal Society – uma instituição muito antiga e prestigiada de cientistas do Reino Unido – todos os anos atribui medalhas, de vários níveis. A Francis Crick Medal é dada a Investigadores numa fase inicial da carreira independente, que tenham feito algum progresso na área das Neurociências, com componente celular e molecular.
Foi o primeiro Português a receber esta medalha. Como é que recebeu essa notícia?
Tiago Branco: Nem sabia que tinha sido nomeado. Foi uma surpresa grande. Pelo que percebo, há alguém que nomeia e depois há uma série de pessoas que discutem. O principal é saber que há um conjunto de seniores que acham que o que estamos a fazer é interessante e importante. E esse reconhecimento é o mais importante e é ótimo.
Voltar para Portugal está completamente fora de questão?
Tiago Branco: Não. Mas o Instituto onde estamos é ótimo, o financiamento é muito bom e as condições são magníficas. Há muitos poucos sítios no mundo com estas condições. Se houvesse este sítio em Portugal, estava lá amanhã! E também já tenho aqui raízes, a minha mulher é de cá e a minha filha já nasceu cá também.
Como é que é a relação delas com Portugal?
Tiago Branco: Elas adoram vir a Portugal. A minha filha diz que é o melhor país do mundo. Mas ela quando vai a Portugal é sempre uma festa. A minha mulher também adora. Estamos a tentar que ela tenha nacionalidade portuguesa. E falamos muito em voltar para Portugal.
Vem cá muitas vezes? Do que é que sente mais falta?
Tiago Branco: Vou a Portugal de dois em dois meses. Não perdi a ligação de maneira nenhuma. A qualidade de vida é melhor aí. Quando chego, a primeira coisa que gosto de fazer é ir a uma Praça de Peixe comprar Salmonetes. Vou à de Setúbal porque os meus pais agora moram em Azeitão. Vou várias vezes à Fundação Champalimaud, onde tenho amigos. Eles fazem vela e eu aí também fazia. Mas cá não consigo. Essas coisinhas pequeninas fazem diferença.
Margarida Leal
Equipa Editorial