Graciete Jesus Dias é o rosto da Casa de Santa Maria. Um espaço com 18 000 m2 de terreno e cerca de 6 000m2 de construção com capacidade para acolher 153 pessoas em Residência. O universo de utilizadores deste espaço são os trabalhadores do Hospital de Santa Maria, da Faculdade de Medicina, da Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian, do Hospital Pulido Valente e população em geral na valência Cuidados Continuados
Este sonho, cujas primeiras paredes foram erguidas em 2010, nasceu da vontade de um grupo de funcionários do hospital na qual a enfermeira Graciete é o rosto principal. Vamos conhecer esta mulher.
A Estória de Graciete
Nasceu em 1945, na freguesia de Maceira, em Leiria. Era a filha do meio de 7 irmãos. Quatro rapazes e três raparigas. “Apesar de termos passado a infância no pós-guerra e sabendo que era uma época de dificuldades, só tenho boas recordações dessa época,” diz com uma voz determinada e um pouco nostálgica. “Todos estudámos. O meu pai era operário na Fábrica de Cimentos Liz e a minha mãe estava em casa a tomar conta de nós."
A fábrica onde o pai trabalhava já tinha algumas políticas sociais que, anos mais tarde, viriam a ser aplicadas noutras empresas, mas que na década de 40 e 50 não eram usuais, por exemplo, Graciete conta, “a fábrica disponibilizou uma parteira para fazer os partos à minha mãe e lembro-me de no verão ir para a praia, para as colónias de férias da empresa. As prendas no natal eram roupa, que era o que precisávamos. Não havia brinquedos, mas era dado pela fábrica que pertencia ao Champalimaud pessoa que sempre admirei por essa preocupação de criar boas condições.”
Estes 6 irmãos que foram criados numa casa cheia de amor, começaram a crescer e a seguir o seu caminho. Dois rapazes foram para a marinha de guerra “Um deles tornou-se comandante de marinha de guerra e o outro sargento. Uma irmã minha tornou-se, como eu, enfermeira. Mas todos tiraram cursos. Tenho muito orgulho neles porque fizeram o seu caminho,” diz orgulhosa do esforço que todos fizeram e que revela uma família empreendedora. Ela, não foi exceção. “Fui estudar para Coimbra com apenas17 anos, para tirar o Curso de Auxiliar de Enfermagem em 1962. Trabalhou nos Hospitais da Universidade de Coimbra até 1972 ano em que veio para Lisboa para tirar o curso de economia e trabalhar no Hospital de Santa Maria. Já em Lisboa completou o curso de enfermagem na EECGL e fez várias especializações, obstetrícia, cardiologia, psiquiatria, mas a pediatria foi aquela que lhe deixou um gostinho mais especial, porque tratar de bebés e crianças é muito “bonito e gratificante,” diz com um sorriso maternal. E a propósito disso, conta que foi mãe de quatro filhos, mas apenas dois sobreviveram. “Partos complicados. Os dois primeiros filhos, ambas as meninas, nasceram exatamente com 1 ano de diferença, morreram pouco depois do nascimento.” Ainda hoje Graciete tenta perceber se o universo lhe quer dizer alguma coisa ao tê-la tornado protagonista de uma terrível coincidência que é de ter perdido duas filhas. Uma no dia 3 setembro de 1976 e a outra exatamente no mesmo dia, mas de 1977. “Foi muito difícil recuperar destas mortes, mas eu queria muito ser mãe.” E conseguiu! Em 1979 nasceu o David e em 1980 a Catarina. Hoje já são adultos independentes, mas foram criados por esta mãe que contrariou os números das estatísticas que determinavam que às mulheres cabia cuidar da casa e dos filhos. Graciete cuidou da sua casa, dos seus filhos, estudou, trabalhou, sonhou e concretizou. É mulher determinada, mas sabe que não basta sonhar para que as coisas aconteçam. É necessário “saber” e ter um plano. E foi isto que fez toda a sua vida. Adquirir conhecimento, para pôr em marcha os seus objetivos pessoais e sociais. Divorciou-se com os miúdos ainda pequenos, mas nunca deixou de estudar. A seguir ao curso de enfermagem, licenciou-se em economia (ISEG, 1978), mais tarde em 2002 tirou o mestrado em economia social (ISEG), Ainda em 2002 terminou a licenciatura em Psicologia Social e das Organizações (ISCTE), tendo iniciado, nessa data, também no ISCTE, a investigação sobre representação social de pessoa idosa, género e percurso de vida investigação esta no âmbito do doutoramento em Psicologia Social. Estava aqui a dar os primeiros passos para uma causa maior, que ainda iria demorar alguns anos até se concretizar.

Um percurso eclético
No Hospital de Santa Maria desempenhou 11 anos funções como Enfermeira, tendo sido membro da Comissão de Prevenção da infeção Hospitalar. De seguida, muda-se para o Ministério da Saúde e, de imediato, arregaça as mangas. Fez parte do grupo de trabalho na área da informática. “Ajudou a organizar o ficheiro do medicamento, os ficheiros médicos e de farmácia e foi também instituído a leitura ótica dos medicamentos, com a implementação do código de barras.” Uma revolução que permitiu otimizar os serviços de forma inequívoca.
Regressa ao Hospital de Santa Maria como Técnica Superior no serviço de Aprovisionamento e Estatística e torna-se diretora do Serviço de Informática, que ajudou a criar. Estávamos em 1996. “Nessa altura consegui ligar todo o hospital em rede informática utilizando a cablagem fibra ótica.” Foi um grande feito que veio revolucionar o modo de funcionamento de toda a imensa estrutura operacional que um hospital desta dimensão tem.
Com formação na área social e na área económica, estava a formar-se, ainda sem saber, para vir a tornar-se na gestora da Casa de Santa Maria cuja ideia viria a nascer em 2002, dando origem à criação da Associação de Apoio a Profissionais do Hospital de Santa Maria (AAP_HSM) em consequência da forma como foram tratados alguns ex-trabalhadores durante uma reunião na administração do hospital quando manifestavam descontentamento face às dificuldades que tinham no acesso ao Hospital. “Uma casa onde tinham trabalhado tantos anos, onde tinham ainda tantos colegas e recordações, de um dia para o outro deixou de os reconhecer e o ambiente tornou-se hostil.” Achando que isto não fazia sentido, “decidimos unirmo-nos e criar um espaço que onde pudéssemos estar juntos, num momento de fragilidade, que é a velhice ou em outros momentos de dificuldades. Criar um espaço onde possamos envelhecer junto daqueles com quem partilhámos o nosso dia, dá um sentimento de pertença”, explica Graciete. Depois de muito trabalho, projetos, reuniões e todo um desbravar de caminho, foi possível começar a edificar o projeto de acolhimento aos profissionais destas 4 instituições. Um projeto ambicioso, uma visão alargada aliados a uma firmeza de carácter e estrutura física robusta que são condições sine qua non para empreender numa aventura assim. Falamos de milhões de investimento, de um dinheiro que não têm e que teve de provir de um empréstimo bancário. É ficar com uma dívida brutal às costas. Esta dívida é assumida não só por Graciete, claro está, mas por um grupo de gente que ousou quebrar as barreiras daquilo que é tido como comum. Mas é desses que reza a história, dos que deixaram obra feita.


Uma casa de afetos
A Casa de Santa Maria tem 153 camas, neste momento com 77 Utentes de Residência e 76 em Cuidados Continuados, 40 na tipologia de Média Duração e Reabilitação, e 36 camas de tipologia de Longa Duração. O Projeto também tem a valência de Cresce e Pré-escolar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário bem como uma valência de Reabilitação e Manutenção. O projeto foi pensado como um espaço onde as diferentes gerações se cruzassem e interagissem, um espaço de convívio para promover experiências entre gerações. A casa apresenta um espaço amplo, arejado, onde os afetos marcam as relações entre colegas de profissão que, se encontram ali, numa fase mais tranquila da vida, onde a paz é muito importante.
Quando ser feliz é estar em paz
Estará Graciete feliz com o que percurso da sua vida? “O meu conceito de felicidade é estar em paz. Quando nada corre mal, já me sinto bem”, diz esta “filha rebelde de coração de ouro” segundo as palavras da mãe, mas sendo assim que também se define, uma espécie de rebeldia e humanidade com afeto que passa nos genes e já tocou uma das netas. É uma avó presente e não dispensa os almoços ao sábado com os filhos e os netos. Com o resto da família, “embora não estejamos sempre juntos, encontramo-nos todos os anos no primeiro sábado de setembro, desde 2002.” O local onde se reúnem, é o berço, a casa de família na freguesia de Maceira, em Leiria. Foi lá que Graciete nasceu e deu os primeiros passos rumo ao seu futuro.
Esta mulher tem hoje uma grande preocupação que é o receio de que a Casa que ajudou a criar, se perca para os profissionais das Instituições referidas e seja vendida a um grupo privado. Fazendo um apelo de alma a todos os potenciais Sócios “Ajudem a Casa de Santa Maria que um dia Vos poder ajudar ou ajudar os Vossos colegas. Inscrevam-se como Sócios só assim darão força a esta equipamento de apoio social”.
Recentemente uma das utentes foi homenageada e a festa reuniu amigos e colegas. O Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, também esteve presente para cantar os parabéns e homenagear a Enfermeira Maria de Lurdes Sales Luís, enquanto fundadora da Enfermagem de Reabilitação, homenagem essa organizada pela APER, na celebração do 1º Dia Nacional da Enfermagem de Reabilitação.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial
