Um mês depois da tomada de posse entrevistei o novo presidente da Associação de Estudantes, Duarte Graça. Tem 23 anos e será a voz, ao longo de um ano de mandato, de todos os estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).
Até ao nono ano o seu sonho profissional passava pelas artes performativas, nunca planeou seguir medicina, mesmo sendo filho de uma Psiquiatra e de um Enfermeiro. Nunca sentiu qualquer tipo de pressão, por parte dos pais, para seguir o curso de Medicina, sentindo sempre o apoio deles para fazer aquilo que mais o realizava.
Confessou que aprendeu a gostar de estudar com a mãe. Quando era mais jovem observava a mãe a estudar muito e sentava-se ao lado dela a fazer os seus desenhos, ou os trabalhos de casa, enquanto a mãe estava a estudar para o exame da sua segunda especialidade.
Teve aulas de teatro e música. Os seus dotes musicais passam pelo piano e o canto, participando em diversos espetáculos.
Em 2010, momento em que o país atravessava a crise financeira, sentiu o esforço dos pais relativamente aos seus estudos e foi nesse momento que ponderou a sua carreira para o futuro. Trocou as artes performativas pela medicina, de forma a construir uma carreira mais segura.
Participou em várias ações de voluntariado desde a adolescência, até que no ano anterior à sua candidatura à FMUL, realizou um Estágio de workshadowing na Champalimaud, durante 6 meses, que mudou a sua visão em relação à medicina.
A partir daqui dedicou-se muito ao estudo sempre focado no seu objetivo, entrar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Em 2017, foi a primeira tentativa. Nesse ano, não tendo conseguido entrar na FMUL, candidatou-se ao curso de Medicina Dentária. Ao longe observava o Hospital de Santa Maria e aí estava a sua esperança em não desistir do seu sonho. E assim foi, no ano a seguir estava e entrar na FMUL no curso que passou a ser o seu sonho. Nesse mesmo ano, como já estava a ficar sem esperanças para entrar no curso, fez uma audição numa escola de atores e foi aceite. Depois acabou por ter de, novamente, escolher entre a representação e a medicina.
“A mudança de curso foi agridoce”
O seu objetivo não passava pela Medicina Dentária, mas criou uma grande ligação com os seus colegas, o que no primeiro ano da FMUL isso não aconteceu, explicando a razão, “como tinha várias equivalências do ano anterior ia menos vezes à Faculdade e, por isso, não tinha grande convívio com os colegas, sendo a adaptação e a integração mais lenta.”
O contacto com os novos colegas, quer do mesmo ano, quer colegas mais velhos, começou na praxe e nos vários projetos que se ia inserindo dentro da AEFML. Recorda o “Natal Diferente” como o primeiro projeto que lhe serviu de rampa para a sua integração na FMUL. A partir do momento em que estabeleceu contacto com a Associação de Estudantes, começou a sentir um maior gosto pela Faculdade e a ter um sentido de missão bem traçado, “fazer a diferença nas pessoas e ajudar quem mais precisa”.
Em 2019, surgiu o primeiro convite para pertencer à lista candidata desse ano para coordenar a AEFML. E aliado a este convite surgem as responsabilidades nas várias Comissões de Curso, na Comissão Organizadora da Noite da Medicina, entre outras.
“Desde a entrada na AEFML comecei a ter um núcleo forte de amigos e a sentir que pertenço a esta Faculdade”
O seu primeiro departamento e o que o mais o marcou foi o de Saúde Pública e Sexual, pelo facto de este ter uma grande intervenção na comunidade. Ao fim de três anos na Associação de Estudantes foi este departamento que acabou por coordenar.
Quando, efetivamente, escolheu o curso de medicina colocava de parte a ideia de constituir uma família porque sentiu que devia investir na sua formação para ajudar os outros e, por isso, tinha uma atitude mais individualistas, mas na sua vida o Duarte é tudo menos individualista, porque pensa nos outros sempre em primeiro lugar. A sua primeira ambição profissional dentro da medicina é a Cirurgia Geral, com o intuito de atuar em contexto de guerra, “quero sentir-me útil e fazer a diferença entre a vida e a morte”.
Como surge a ideia de criar uma lista na AEFML?
Duarte Graça: Foi uma decisão conversada com a Beatriz. A Beatriz entrou comigo no mesmo ano na Associação de Estudantes, fomos os únicos a entrar do primeiro ano. É a ela que eu devo ter agora o meu grupo de amigos, porque na altura não tínhamos muitos amigos e sentíamo-nos perdidos e, a partir daí, fomos trabalhando a nossa amizade. Ao fim do nosso terceiro ano na AEFML sentámo-nos os dois a conversar sobre o que faria sentido para os dois, continuar na AEFML ou não. E em conjunto decidimos criar uma lista. Nunca quis ficar com o lugar de presidente, apenas queria dar o meu contributo, como fiz desde o primeiro dia que entrei como membro da AEFML. Avaliando todos os cargos conseguiria encaixar-me em qualquer um.
Depois da tomada de decisão o que sentiste e o que sentes agora?
Duarte Graça: Nesse momento, senti um enorme peso, porque como não era muito próximo do antigo presidente da AEFML, João Martins, não sabia como ele ia receber a minha candidatura e, por isso, estava com esse receio. A aprovação dele era importante para mim. Ele poderia achar que havia alguém dentro da equipa mais qualificado para assumir o cargo, mas acabou por receber muito bem a minha candidatura e apoiou-me em tudo. Mas há outro receio que me acompanha desde o primeiro dia que assumi a AEFML, já tinha tido a experiência de coordenar um departamento com 3 pessoas, mas agora tenho uma equipa de 32 pessoas. Há um receio que me acompanha todos os dias: será que o contributo que eu quero dar é suficiente para também levar esta equipa mais longe? Todos os dias venho para a Associação e acabo por fazer um bocadinho de cada coisa e é normal que a minha equipa peça a minha intervenção. Pretendo que todos sintam o mesmo contributo da minha parte. Claro que há muitas alegrias e todos estes momentos são partilhados com a equipa.
Como pretendes conciliar a presidência da AEFML com o curso?
Duarte Graça: Esta é uma pergunta difícil de responder. Não tenho nenhuma formula mágica, penso que terei de começar a priorizar alguns assuntos, mas só a partir de setembro é que vou começar a pensar um pouco mais sobre esta questão. Ou talvez não, eu trabalho muito sobre pressão e tenho uma boa capacidade de resolução de problemas, por isso, em setembro vou deixar fluir e conciliar o estudo com a responsabilidade da AEFML.
O que ambicionas a nível pessoal?
Duarte Graça: Quando decidi que queria deixar as artes performativas e seguir medicina achei que devia continuar a aplicar o meu objetivo pessoal na minha carreira como médico, que é fazer o bem em prol dos outros. Esta foi a motivação que eu encontrei para me sentir bem com esta mudança drástica de área profissional. Logo, entrei em medicina com o objetivo de seguir Cirurgia Geral, com o intuito de seguir esta especialidade em contexto de guerra. Atualmente, a ideia de seguir Cirurgia Geral mantem-se, mas a ideia de ser em contexto de guerra está a diminuir, porque há outras necessidades no nosso país que eu posso corresponder e isso deve-se ao contacto que tive no departamento de saúde pública. Usufruí do privilégio de contactar de perto com certas comunidades e ver exatamente os défices que nós temos a nível nacional. Por isso, não preciso de ir para tão longe para sentir que estou a ter um grande contributo em relação ao bem dos outros, posso fazer isso no meu país.
Porquê o contexto de guerra?
Duarte Graça: A cima de tudo é sentir-me útil, ou seja, que teria uma intervenção que iria fazer a diferença entre a vida e a morte e isso é algo que me fascina em medicina. Sempre tive uma componente muito grande na minha formação ligada ao voluntariado. Agora penso na cirurgia geral, mas há uma outra área que desperta o meu interesse: a Medicina Intensiva. Atravessámos um contexto pandémico muito forte e a Medicina Intensiva ganhou uma visibilidade e investimento que antes não tinha, logo, isso também me fez mudar o pensamento. Já pensei em compatibilizar a medicina com Políticas de Saúde ou Gestão Hospitalar. Não tenho um plano ainda bem definido para o futuro, porque tenho várias hipóteses em cima da mesa, mas acredito que a AEFML veio ajudar-me a clarificar estas ideias.
Relativamente aos planos para a AEFML, o que pretendes atingir ao longo deste mandato?
Duarte Graça: Nós entramos num mandato que vem em seguimento de um contexto de pandemia, a Covid-19. Apesar do mandato anterior já ter sido a preparação para o regresso à normalidade, acreditamos que este será a normalidade total, por isso, é neste sentido que vamos contruir a AEFML para este mandato. O que sentimos também, é que os estudantes se distanciaram da Faculdade, mas também de alguns projetos da AEFML. Já não há tantas inscrições nos nossos projetos e tanta dedicação para a construção das ideias. Logo, aquilo que queremos concretizar neste mandato é: reaproximar os estudantes da Faculdade e da AEFML, que este espaço volte a ser visto como a sua casa; levar o nível de excelência que a AEFML tem e que é reconhecido a nível nacional para dentro da Faculdade, ou seja, nós trabalhamos muito para a Associação Nacional de Estudantes de Medicina, Associação Nacional de Estudantes de Nutrição, somos muito bons a trabalhar para instituições já consolidadas e só precisam que nós lá cheguemos com a nossa opinião fundamentada e acabamos por construir a diferença. A nível interno como não há estruturas bem pensadas, neste contexto, nós temos uma ação muito diminuta, a AEFML acaba por não corresponder muito às necessidades dos interesses dos estudantes, por exemplo, a situação da redução da taxa de matrícula, falamos com a direção e dizem-nos que não e ficamos por aí. Isto é algo que temos de mudar, os estudantes para se aproximarem da AEFML precisam de sentir que as suas opiniões e a sua forma de pensar chega mais longe, mesmo que não haja uma resposta positiva, saber que a AEFML defende exatamente isso até ao fim. Por isso, estamos a pensar estruturar a nossa forma de divulgação, a estruturar a nossa tomada de posição em certos aspetos, não vamos passar a ter uma postura reivindicativa, mas sim uma postura mais aberta em relação a todos os assuntos, para que haja mais oportunidade de identificação dos interesses dos estudantes.
Uma mensagem que eu trago da Saúde Pública é: as pessoas só vão aprender alguma coisa contigo se sentirem e, neste sentido, eu penso que as pessoas só se vão voltar a identificar com a AEFML quando voltarem a sentir esta chama. No meu primeiro ano aquilo que me fez sentir incluído na Faculdade e fez com que eu quisesse continuar a contribuir mais para esta casa é algo que só se ganha se nos sentirmos identificados e tivermos esta vivência. Vivência essa que se perdeu com a Covid e identificação essa que não tem sido trabalhada exatamente porque muitos estudantes têm preocupações que não são correspondidas.
Como será o Duarte a tomar as decisões enquanto presidente?
Duarte Graça: Há duas formas de seguir e são aquelas que eu acabo por usar. Uma é se for a decisão rápida, terei de ser eu a responder por todos, sempre partilhado a decisão com a equipa de gestão, e penso que a minha equipa revê em mim essa responsabilidade, que acaba, no fundo, por ser um dever que está intrínseco na minha posição dentro da Associação. Se for uma decisão a longo prazo vou conversar com toda a minha equipa e o objetivo aqui é introduzir o tópico, deixo que eles discutam e só no fim é que dou a perspetiva, como uma perspetiva agregadora de todas as opiniões dadas, para se obter um consenso conjunto.
Leonel Gomes
Equipa Editorial