O mês que hoje encerramos celebrou a Criança. E a nossa equipa quis evidenciá-la, esmiuçando conteúdos que ganhariam caminhos que ao início não tinham sido planeados.
Percebemos que falar de crianças implicaria falar da conceção da vida, do processo gestacional, da vida dentro do útero, da morte clínica dentro dele, da morte de um bebé em luta absoluta pela sobrevivência já fora da barriga da mãe. Do nascimento diante de um percurso frágil e mais duro, mas com vida. Só no fim de todas as etapas percorridas, como um extenso tabuleiro de jogos com obstáculos e surpresas, se chegará então à vitória do nascimento. A vitória que é a vida.
Percebemos a fórmula exata para o resultado perfeito (assumindo que é essa a vontade), conseguir engravidar e levar até ao fim a gravidez, com saúde e bem-estar para a mãe e o bebé. Para os progenitores. Que podem ou não sobreviver à chegada de um bebé, ou a perda dele. Sim, o casal também se finda quando o grande sonho de um bebé chega. Ou vai.
Seja qual for o desfecho, seja qual for o conteúdo neste mês retratado, falamos de projetos, projetos semeados como uma semente que, se o processo der todo certo, dará flor e vida, crescerá. Mas passe ou não da terra, fure ou não a vida e se erga no céu, a semente será sempre o legado que conta algo de alguém. Que conta algo de quem a semeou, e da semente que seguiu ou não vida.
Pelo caminho, até chegar à Faculdade de Medicina pensei pela primeira vez o que “sentirão” os bebés quando os perdemos e deixamos de os falar para silenciar o escuro da dor da perda. O que sentem os bebés que criaram ligação química na barriga que não nasceram? O que diria um bebé que não passou do virtual para o real? E o que dirão os bebés que vieram para os braços dos progenitores, ou dos seus cuidadores?
E as crianças que tendo nascido frágeis, o que sentem elas do seu processo de semente que foi crescendo com mais obstáculos ao vento, passando as etapas do tempo?
Pelo jardim acima, no possível silêncio de uma manhã de Lisboa e entre aviões que passam, coloquei os auscultadores. Um áudio do som que o bebé ouve na barriga enquanto está dentro do útero. Foi o que procurei. Um som aquático como se estivesse mergulhado numa redoma de um espaço próprio, sem demasiada interferência da luz, de outros sons, do toque e da visão… e se tudo isso se acabasse subitamente?
A semente também separa. Percebemos isso de forma clara numa descomplicada conversa com a Ginecologista / Obstetra Maria do Céu Santo. A semente também se planta de forma química e programada, como nos explicou a Diretora da Unidade de Medicina da Reprodução, Ana Aguiar.
A semente também dá frutos, alguns frágeis e que precisam de ficar em repouso, protegidas para se formarem fora do seu mais precioso espaço de proteção, a barriga materna. André Mendes da Graça é o diretor da Neonatologia e falou-nos desses gigantes que se vão fortalecendo, outras vezes não aguentam o caminho. Os bebés prematuros.
Falamos ainda de caminhos vazios, quando o colo fica vazio e sem bebé. Responsável da Consulta de Medicina Fetal e da Urgência de Obstetrícia e Ginecologia do CHULN, Susana Santo conta da gravidez sem esperança.
Falamos da brava pequena Eloá e da Mimi Castro, a sua super mãe.
E contamos os caminhos de sucesso, cujo projeto não falhou, plantando sementes de um legado absoluto para os que com eles conviveram, para os que com eles seguirão. São o Professor António Gonçalves Ferreira e o João Martins.
Legado que cultivará outras sementes é o caso de Centro de Estudos Egas Moniz; ou a sala do bebé para que as mães possam amamentar tranquilamente.
Esta newsletter é dedicada a todas as sementes que não vingaram aos olhos do mundo, mas que para as suas mães existiram, criaram rituais de vida em interação com as suas mães, dando a ouvir o pulsar do coração diante de um exame médico, ou dançando na barriga para fugir às cócegas da sonda da ecografia.
Chama-se Olívia e não chegou ao colo da mãe com vida. Ainda assim foi no colo da mãe a sua doce despedida.
Por todas as sementes que se espalham e ensinam outros e fortalecem laços, por todas as que vivem com mais dificuldade e esperneiam por vingar.
Por todas as que perderam o fôlego antes do tempo.
Por todos os que nunca contaram a sua história de dor e perda. Este é o mês da nossa homenagem.
Que o silêncio que guardam não esqueça a vossa dor.
Nota final – para a Olívia e para o Henrique, que nunca serão esquecidos e foram os nossos primeiros filhos.
Joana Sousa
Equipa Editoral