Maria do Céu Santo é médica ginecologista e obstetra há mais de 30 anos. Formou-se na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa e, desde então, o Hospital de Santa Maria é a sua segunda casa. Curiosa, empreendedora e sempre disponível para novos desafios, viu na medicina uma profissão compatível com a sua personalidade. A especialidade acabou por juntar tudo o que mais amava na saúde: a parte médica, a cirúrgica e a magia da obstetrícia. “Cada nascimento de um bebé é sempre uma alegria partilhada com a família. Passar de um bebé virtual para um bebé real é um momento mágico” conta.
No liceu, era uma das melhores alunas a filosofia e o professor aconselhou-a a seguir psiquiatria. Mas bastaram-lhe uns dias no Júlio de Matos e no Miguel Bombarda para perceber que aquela não
era a sua vocação. “À medida que vamos fazendo o curso vamos percebendo as áreas que gostamos mais e foi assim, nesse caminho, que descobri a ginecologia e a obstetrícia."
Mais tarde e como alicerce fundamental para as suas consultas, fez uma pós-graduação em medicina sexual e, depois, uma pós-graduação em antienvelhecimento, formação relevante num país onde existem atualmente cerca de dois milhões de mulheres em menopausa. Todas estas áreas se complementam para dar respostas às pacientes que a procuram.
As mulheres passam por três fases muito marcantes: a adolescência, a idade fértil e a menopausa. Em todas elas é difícil analisar a patologia de forma isolada e, por isso, as ferramentas de que se foi munindo ao longo da vida, têm dado frutos para perceber a evolução da sociedade. A internet e a comunicação social provocaram grandes alterações no papel da mulher na sociedade.
Maria do Céu Santo publicou diversos livros com linguagem acessível para melhorar a qualidade de vida das mulheres e dos casais. É presença assídua na comunicação social.
Quisemos saber como tem sido a evolução sexual feminina nas últimas décadas.
Quais as mudanças em termos de sexualidade que sente na consulta atualmente?
Maria do Céu Santo: Houve uma grande mudança. A questão sexual ganhou dimensão e eu assisti a isso. Raramente a mulher ia ao ginecologista por causa de um problema sexual. Hoje há mais abertura para falar e assumir a sexualidade.
Qual era a principal motivação da consulta?
Maria do Céu Santo: Dependia da fase da vida em que estavam, porque a mulher passa por três fases distintas, com características muito particulares. Por exemplo, as adolescentes não falavam na questão sexual, apenas dismenorreia, tensão pré-menstrual e contraceção. Na idade fértil o motivo é essencialmente planeamento familiar, infeções genitais e diminuição da líbido.
Na menopausa os afrontamentos, a incontinência urinária e dispareunia, secura da vagina e também diminuição ou ausência de desejo.
Ou seja, o sexo e a sexualidade não eram abordados?
Maria do Céu Santo: Só passado algum tempo e depois de estabelecida uma relação de confiança e alguma intimidade é que revelavam a sexualidade do casal. Havia também a questão de que a partir da menopausa, o sexo ser secundário. Hoje em dia não é assim, as pessoas estão mais informadas e disponíveis e a sexualidade tornou-se também um fator importante da vida das mulheres nesta fase da vida.
Como é que se explica essa abertura?
Maria do Céu Santo: Várias causas contribuíram. Na minha opinião, a comunicação social teve um papel extremamente importante nessa área, porque desmistificou o assunto e mostrou às mulheres que não eram as únicas a ter problemas e que há terapêuticas que resolvem as situações e melhoram a relação do casal.
Desde que comecei a fazer programas de televisão notei uma mudança na procura de outro tipo de consulta de ginecologia.
De que mudanças está a falar?
Maria do Céu Santo: Um aumento da afluência às consultas, tendo como único motivo os problemas sexuais, embora a palavra “sexualidade” ainda seja constrangedora. As mulheres têm vergonha de chegar à receção e dizer que querem uma consulta de sexualidade.
Como se resolve essa questão?
Maria do Céu Santo: Tem de ser menos direto, com outro título, por exemplo, uma consulta de ginecologia e medicina sexual.
Mas nos últimos cinco anos tenho sido surpreendida pela presença de alguns homens cujo principal objetivo é informação de como podem aumentar o desejo das parceiras.
Não era comum os homens irem a consultas?
Maria do Céu Santo: À consulta de ginecologia, não. As mulheres é que iam à consulta, e, por vezes, referiam os sintomas dos parceiros. Agora já tenho vários homens que vão à consulta só para pedir ajuda e informação de como é que podem melhorar a sexualidade em relação às parceiras.
Quais as queixas mais frequentes deles em relação às parceiras?
Maria do Céu Santo: A generalidade dos homens tem menos relações sexuais do que as que desejaria, e, por isso, reclamam da falta de líbido das parceiras para a prática sexual.
Mas porque é que os homens têm maior apetência sexual?
Maria do Céu Santo: Isso tem a ver com os níveis de androgénios e estrogénios que, nos homens e nas mulheres são diferentes. Se eu pedir análises aos dois na mesma faixa etária e os resultados vierem iguais um dos dois está doente. A testosterona é a principal hormona implicada no aumento do desejo e é mais elevada nos homens do que nas mulheres, o que leva ao aumento da líbido nos homens. Embora não nos podemos esquecer dos diferentes fatores que interferem com a sexualidade: fisiológicos, psicológicos e socioculturais.
As mulheres queixam-se frequentemente da falta de diálogo e os homens do excesso dele por parte das mulheres.
Na minha opinião, o problema não é a falta de diálogo, mas a falta de ação. Há muitas formas de comunicar sem palavras e muitas vezes até mais desafiantes, como o olhar, o toque ou aquele momento mágico antes do beijo.
Mas se os homens têm níveis mais elevados que as mulheres, como é que se chega a um entendimento?
Maria do Céu Santo: É preciso chegar a um equilíbrio. Homens e mulheres são diferentes. Não existe igualdade de género o que tem de existir é igualdade de oportunidades.
Como refere o psiquiatra espanhol, Enrique Rojas, “O grande erro do século XX foi acharmos que o amor era só um sentimento, que vai e vem. Na realidade é um ato de vontade e inteligência”.
Mas a vida agitada e os filhos condicionam o desejo...
Maria do Céu Santo: Claro. As exigências do dia-a-dia, tanto profissional como familiar e, no caso de existir um bebé que não se desliga à noite e impede de dormir, o aumento da prolactina em quem está a amamentar e os métodos contracetivos hormonais, contribuem para a diminuição do desejo nas mulheres.
Os filhos geralmente complicam a prática sexual.
Uma das principais causas de divórcio nos países ditos civilizados é a diminuição da atividade sexual.
As férias podem ser um momento de recuperação na vida sexual do casal?
Maria do Céu Santo: O período pós-férias e o final do ano são os períodos em que há picos de divórcios. Nas férias as mulheres sonham que vão ter um namorado e os homens pensam que nessa altura vão voltar a fazer amor como quando eram namorados. Como geralmente nada disto acontece, então vêm os dois insatisfeitos.
No fim do ano há um balanço de vida e percebem que não estão em sintonia o que pode levar à separação do casal.
Que conselhos dá nestas situações?
Maria do Céu Santo: Os homens devem ser mais afetivos na rua porque em casa a mulher pensa que é sempre com segunda intenção. Para a maioria das mulheres, os carinhos na rua são mais românticos. As iniciativas para a relação sexual devem partir umas vezes do homem, outras da mulher.
Não sempre do mesmo (é o que aconselho ás minhas pacientes). É muito importante sentirmo-nos desejados tanto os homens como as mulheres.
Não esquecer: quando queremos damos um jeito, quando não uma desculpa.
Quer partilhar?
Maria do Céu Santo: As pessoas têm de investir nas relações. Antigamente casavam com mais ou menos amor e iam construindo a relação. Agora não, quando acaba a paixão muitas vezes termina a relação. A paixão dura entre seis meses a três anos, e depois vira amor ou vira pesadelo.
E nas relações mais longas é difícil manter o desejo?
Maria do Céu Santo: O sexo nas relações de longa duração (como alguém referiu e concordo), não é química inesperada, é intenção valorizada pela imaginação.
Porque o proibido é tão erótico? E porque a transgressão torna o desejo tão potente?
Maria do Céu Santo: O desejo quer imprevisibilidade e aventura, o amor quer estabilidade e compromisso, queremos no mesmo parceiro elementos aparentemente contrários.
O que vou referir não é agradável, mas é eficaz.
Marquem na agenda os dias que vão fazer amor, como uma reunião importantíssima que não podemos faltar, mas não podem dizer ao parceiro. Há sempre o risco (como ele não sabe) ter marcado alguma coisa.
E nesse dia preocupem-se mais em investir na imagem e nos pormenores que também são condimentos que aumentam a satisfação sexual.
Surpreender é fundamental para manter o desejo.
Sair da Rotina.
Preocupamo-nos e inventamos ementas diferentes para o almoço e jantar, devemos tentar fazer o mesmo com a prática sexual.
Sexo e amor andam necessariamente juntos?
Maria do Céu Santo: Não. Pode-se desejar alguém que não se ama e pode-se amar alguém que não se deseja.
O sexo com penetração é fundamental numa relação?
Maria do Céu Santo: Não. Pode-se ter sexo gratificante sem coito.
Algumas mulheres referem ser mais satisfatório sem penetração.
E porquê?
Maria do Céu Santo: Por exemplo, na menopausa quando há atrofia vaginal, a penetração pode ser dolorosa, o que atualmente não é justificável, pois pode-se fazer prevenção usando cremes que o impeçam, ou mesmo terapêuticas que se têm desenvolvido muito e muitas são eficazes, nomeadamente, laser, radiofrequência, LEDs, injeção de ácido hialurónico, carboxiterapia e, plasma rico em plaquetas.
A vagina tem muitas rugas/ pregas que a permitem distender na altura do parto e costumo dizer “que com a idade as rugas saem da vagina e vão para a cara”.
É preciso fazer cosmética vulvovaginal como se faz a facial para prevenir a atrofia e secura.
Outra situação mais frequente do que parece é o vaginismo, que é a impossibilidade de penetração, geralmente por contratura dos músculos do pavimento pélvico. Tem várias causas, predominantemente psicológicas, mas temos sempre de excluir anomalias anatómicas, ou simplesmente um hímen com alterações, por exemplo um septo. Já consultei casais que coabitavam há muitos anos e que nunca tinham conseguido fazer a penetração e só procuraram ajuda quando quiserem ter filhos.
Mas uma situação é não fazer penetração por opção, outra é por dificuldade técnica.
Como é que se explica?
Maria do Céu Santo: Usam muito a imaginação. E a verdade é que estes casais raramente se divorciam. Partilham aquela situação e isso torna-os mais fortes, mais unidos. São muito compreensivos e têm um projeto difícil em comum que os ajuda a manter a relação.
Mas é sempre uma relação sexual não satisfatória.
Referem sempre que falta alguma coisa.
Vamos falar de assuntos cliché. Masturbação e fingir o orgasmo.
Maria do Céu Santo: As mulheres já assumem que se masturbam e é importante que o façam porque as ajuda a conhecer o corpo e a perceber como se chega mais facilmente ao orgasmo, ou seja, descobrem o seu mapa geográfico do prazer.
As mulheres continuam a fingir o orgasmo por várias razões, ou estão cansadas e atrasadas para dormir ou para os parceiros não se sentirem inseguros por não terem conseguido dar-lhes prazer.
Atenção, pode-se ter prazer na relação mesmo sem orgasmo.
Mas geralmente só consideram a relação sexual satisfatória com orgasmo.
Um conselho para manter o desejo…
Maria do Céu Santo: Uma ideia: Os engenheiros e arquitetos deviam repensar os projetos das casas. As habitações deveriam ter um quarto e duas casas de banho. Há momentos que não se devem partilhar, porque, em conjunto, podem estragar a sedução e o erotismo.
Pode-se partilhar a casa de banho por opção (um duche a dois).
Mas não por obrigação.
Numa relação podemos, de vez em quando, jogar damas ou xadrez.
O que quer dizer com isso?
Maria do Céu Santo: Quer dizer que podemos ser muito lineares, ou produzir algum desafio no outro. É fundamental surpreender e estimular o desejo com algumas situações imprevisíveis.
Mas nas poucas situações, que me recordo, em que o Reflexo de Pavlov não funciona é na sexualidade feminina.
Mesmo que o orgasmo tenha sido ótimo, se tiverem em relações de rotina, não estimula o início de nova relação sexual.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial