No passado dia 5 de abril, a Organização Mundial de Saúde foi notificada para o diagnóstico de 10 casos de uma nova estirpe de hepatite aguda, na Escócia.
A origem desta nova variante é desconhecida. Levámos o tema a Rui Tato Marinho, Professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), Médico Gastroenterologista e Diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN). Tato Marinho é ainda o Diretor do Programa Nacional Prioritário das Hepatites Virais.
“Foi criado um grupo nacional multidisciplinar chamado Task-Force ainda antes de aparecer o primeiro caso em Portugal”, refere Rui Tato Marinho, membro daquela Task Force, que “além de ter a força da multidisciplinaridade com especialistas em saúde pública, pediatras, enfermagem, jornalistas, etc, tem contactos muito estreitos com a OMS e o ECDC (European Centre for Disease Prevention and Control), o que é uma mais-valia”, acrescenta.
Em Portugal “apenas há 9 casos suspeitos em investigação, à cadência de um em cada dois dias. Há pouco mais de 300 casos no mundo inteiro. Não ocorreu a tal explosão de casos que poderíamos estar à espera”, conta-nos Rui Tato Marinho. A situação está “calma e controlada, e segundo os conceitos atuais podemos falar numa doença rara”, refere.
Como é que se caracteriza este tipo de hepatite?
RTM: Caracteriza-se por afetar de forma predominante crianças com menos de 5 anos, sendo média de idades de cerca de 3 anos.
Outras das características é que em cerca de 6-10% dos casos, pode evoluir para hepatite fulminante e ser necessária a realização de um transplante hepático. Por outro lado, ocorreram vários casos na mesma região em curto espaço de tempos (algumas semanas) predominantemente nalguns países do Reino Unido.
Não é habitual hepatites agudas, em cerca de 70% dos casos com icterícia, em crianças de 3 anos.
Já existem informações sobre a transmissão desta estirpe?
RTM: Há uma hipótese de estar relacionada com o Adenovírus do tipo F41, mas necessita-se de evidência científica mais robusta.
Qual o espetro de idades em risco de contrair a doença?
RTM: Por definição são crianças e adolescentes até aos 16 anos.
Cerca de 65% têm menos de 5 anos e a mediana são os 3 anos. Mas, também há crianças com menos de 1 ano.
Porque são afetadas apenas as crianças?
RTM: Não se tem a certeza, é uma das tais particularidades.
Especula-se que poderá estar relacionado com o facto de ser um grupo etário com particularidades do foro imunológico. É a idade das múltiplas infeções nos infantários, nas escolas, quando a criança começa a sua vida na sociedade fora de casa. É uma forma de imunização natural, progressiva e necessária. Devido à pandemia Covid-19, isso não veio a acontecer devido ao confinamento e uso frequente e diário das máscaras. As crianças estiveram numa redoma, numa bolha imunológica, é uma das hipóteses.
Haverá risco para os adultos em coabitação?
RTM: Não parece existir, por definição da OMS e da DGS só afeta crianças e adolescentes com menos de 16 anos.
Não há registo de um aumento de casos de hepatites agudas com elevação das aminotransferases em valores superiores a 500 UI em adultos nos cerca de 20 países afetados.
Poderemos estar perante uma situação em que, com a utilização máscaras em seu redor, as crianças perderam parte da imunidade que teriam em ambientes “normais”?
RTM: Sim, viver em casa, não sair para festas, restaurantes, espaços comerciais, jardins, espaços escolares.
Quem nos criou não nos idealizou com máscara a tapar o nariz e boca. Mas foi uma estratégia para salvar vidas, uma das mais eficazes decerto. Salvaram-se muitas vidas com o uso das máscaras e com o distanciamento social.