A ser cozinhado desde 2019 apresentou-se a 17 de maio deste ano um desafiante guia nutricional.
Comer para Prevenir e Enfrentar o Cancro - Um guia indispensável com base na evidência científica mais atual, é o novo livro que abre espaço para todos aqueles que queiram conhecer os melhores alimentos para quem vive com o cancro, para quem o quer prevenir, ou para quem já viveu com a doença e se quer manter o mais saudável possível.
E se livros de nutrição e dietas não faltam no mercado, ter um guia que se divide por temas e diferentes focos de preocupação alimentar, já é razão que justifique os três anos a cozinhar o projeto da forma mais informada.
Os números não negam a importância do tema. Sabendo que em 100, 30 % das causas de cancro se deve ao estilo de vida das pessoas, há pelo menos nessa percentagem a capacidade de poder influenciar o caminho que levará, ou não, à doença.
Mas há mais ingredientes a acrescentar à receita geral do próprio livro. “Em 2018, mais de 18 milhões de pessoas sofriam de cancro. A tendência é crescente: segundo as previsões dos especialistas, em 2040 teremos 30 milhões de doentes oncológicos em tudo o mundo.
Apesar dos números impressionantes, os avanços na ciência e na medicina têm-nos mostrado que podemos ter um papel determinante na prevenção e no tratamento da doença. Uma das nossas melhores armas? A alimentação.
Estava ainda em 2019 na Fundação Champalimaud, a exercer enquanto Nutricionista clínica, quando a Manuscrito Editora lhe lançava o convite para escrever um livro sobre Nutrição e Cancro. Assumindo a tempo inteiro a coordenação de Ciências da Nutrição na Faculdade de Medicina onde dá igualmente aulas, Catarina Sousa Guerreiro sabia não dispor de tempo suficiente para se empenhar no novo projeto como lhe é habitual.


Seria Marta Carriço que iria assumir o desafio, desde que o livro fosse preparado a 4 mãos e verificado a 4 olhos. A escolha das autoras não podia ser mais adequada. Se Marta dava o conhecimento como Nutricionista da Champalimaud, e enquanto responsável por acompanhar o doente oncológico internado, já Catarina, apesar das consultas de Nutrição, mantém as suas áreas de estudo e investigação centradas no impacto da Nutrição no risco e desenvolvimento de doenças crónicas inflamatórias como as intestinais, oncológicas e reumatológicas.
Mas como falar de alimentação e de cancro num mesmo livro? Era esse o real propósito. Como explicaria Catarina Sousa Guerreiro, o papel da nutrição como forma de prevenção do cancro é muito interessante para uma fatia dos leitores, mas no caso dos doentes já com cancro o que estes querem saber é como se devem alimentar durante o processo oncológico. "Esta é a grande diferença dos outros livros, há espaço para a nutrição na prevenção do risco de cancro, mas tem também a parte da nutrição durante os tratamentos". Para quem já está a ser submetido a tratamento, ou recupera de uma cirurgia, o livro aborda como pode a alimentação ajudar a lidar com os efeitos secundários dos tratamentos. Diarreia, boca seca, ou alterações de paladar são apenas algumas das complicações que os doentes poderão ter de lidar, que poderão ser atenuadas se a alimentação for uma aliada e não uma estranha. "Há ainda os cancer survivors, um grupo mais reduzido de pessoas que se questiona como se deve alimentar depois da experiência de terem passado por um cancro", explica a coordenadora de Ciências da Nutrição da FMUL.
"Perante a doença oncológica o doente sabe que naquele momento pouco está dependente dele. Sabe que deve cumprir aquilo que os profissionais clínicos lhe definem como tratamento mais adequado, mas depois, na fase seguinte ao tratamento, tudo o que puderem fazer para dar mais resistência e fortalecimento ao organismo (ex. deixar de fumar, fazer uma boa alimentação, praticar exercício físico) devem fazê-lo.
É precisamente neste momento de algum silêncio diante do futuro que o contrato moral de não-agressão pode ter eficácia, mote que inspirou igualmente as autoras deste livro para falarem das melhores dietas para acompanhar tal compromisso. "A dieta mediterrânea é uma das bases, mas depois também explicamos a razão de ser de muitos dos alimentos. É um livro que é um pouco mais denso para o senso comum, livro que nos deu a necessidade de o suportar muito bem do ponto de vista científico. Nada é dito sem termos a devida confirmação científica".
Esse foi um dos pilares de discussão saudável entre a editora e as autoras, por mais apelativa que pudesse ser a leitura, nada poderia estar pouco suportado ou sem validação evidente.
O leitor que não troque o foco, este não é o livro de cabeceira que poderá ler uns minutos antes de dormir. Exige tempo e dúvida, para se ir folheando à medida do tempo e quando o corpo pede respostas eficazes. "Para os meus colegas profissionais, nutricionistas, enfermeiros, médicos vai ser útil, porque os vai ajudar a esclarecer as dúvidas dos doentes, assim o espero. Mas para o leitor também, que sirva de guia mediante a fase em que o doente possa estar a viver".
Dois dias antes do lançamento do livro, falámos com a Professora Catarina Sousa Guerreiro sobre a tentação do paladar e a possível consequência de procurar apenas o prazer instantâneo.
Não olhará a nossa cultura ainda para a Nutrição saudável como um castigo? Como se o saudável fosse passar pela privação do prazer? Deixe-me explicar. Sabemos de um modo geral aquilo que nutricionalmente nos faz bem e mal, mas vamos comendo ao sabor da nossa vontade mais instintiva. Quantas vezes vamos buscar aos alimentos o conforto imediato emocional, o tal conforto que não encontramos noutro lugar? A parte alimentar é o castigo ou o aliado?
Catarina SG: Não sei quantas vezes mais teremos de nos fazer essa pergunta para mudar o nosso próprio chip. A rapidez, a facilidade no acesso aos alimentos processados é quase instantânea. Mas não conhecemos as implicações clínicas do consumo destes produtos mais aditivados na saúde do nosso organismo a médio/longo prazo. O instinto para procurarmos, não só esse rápido como o muito saboroso, está a levar-nos a consumir coisas cujo real impacto ainda desconhecemos. Sabemos que para manter a durabilidade de certos alimentos, estes são muito mais aditivados, para manterem o sabor têm de ser alterados, logo, o que têm de prazeroso, têm ainda de desconhecido. A dúvida é o que trazem eles à nossa vida para além desse prazer imediato? Uma das minhas áreas mais diretas de trabalho é a área da Gastrenterologia e sabemos que, nalgumas doenças inflamatórias do intestino (como a colite ulcerosa) começam a surgir estudos muito interessantes que referem um maior risco de doença em pessoas que consumiam mais aditivos alimentares específicos. Eu diria que no cancro chegaremos talvez um dia a alguns pontos de conclusão que podem ser semelhantes. Uma coisa é clara, o nosso estilo de vida reflete a nossa saúde. Se comermos demais e se formos sedentários, teremos consequências no risco e comportamento da doença. Então como me perguntava, por que razão não utilizamos nós desde logo a nutrição como aliado na prevenção? Precisamente pela busca do prazer e do imediato. Em várias áreas da nossa vida recorremos ao imediato, ao já “filtrado”, ao fácil. Nós somos cada vez mais isto, buscamos a sensação do rápido e do prazeroso, com consequências que não pensamos... mas depois vem mais açúcar, mais gordura, mais aditivos e isto reflete-se no excesso de peso, obesidade. E o resultado? Aumento do risco de cancro. A obesidade está, aliás, muito associada a um risco aumentado de cancro.
E então o que fazer para não chegar ao cancro?
Catarina SG: Ao contrário do que as pessoas esperam ouvir, não é preciso cortar alimentos como o leite e a farinha branca, por exemplo. Há nos doentes muito a ideia enraizada que para se tratarem precisam de deixar de comer vários alimentos. E não é verdade. Aquilo que as pessoas precisam é de se alimentarem com alimentos saudáveis e terem um peso e massa gorda, ajustados face à altura que têm.
E quando a pessoa já se depara com a situação de doença?
Catarina SG: Geralmente esse doente vem com a obstinação de tirar e tirar alimentos, pois julgam que isso vai tratar o seu cancro. Quando entram, vêm ter connosco e dizem-nos logo à partida que já sabem que é melhor cortar este e este alimento e descrevem-nos uma lista infindável de proibições. Na maioria das vezes não é nada disso. É legítimo que o pensem, que busquem uma solução. Mas se alguém com cancro pergunta se deve deixar de comer carne vermelha, a verdade é que muito provavelmente já deveria ter reduzido o seu consumo muito antes de ter chegado a um grau de doença. Mas existindo já a doença, é preciso ter consciência do peso da alimentação nesta fase. Neste caso, e o livro suporta bem isso, a grande mensagem é explicar como tolerar a fase mais dura da doença, a dos tratamentos, cujos “danos colaterais”, são muitas vezes altamente desgastantes.
Pode tirar-se prazer da alimentação, mesmo diante de um cancro?
Catarina SG: Claro! Deve aliás assumir esse papel prazeroso. Claro, que há situações e situações, e que por consequência dos tratamentos o doente pode não tolerar certos alimentos/confeções, mas caso não exista esse constrangimento a alimentação deve ser sinónimo de prazer, nesta fase. As pessoas chegam assustadas e desprovidas de qualquer prazer. Se leram na internet que devem beber sumo de beterraba vão fazê-lo todos os dias mesmo que detestem o sabor. E não é assim. Dar um caráter altamente punidor a alguns alimentos não é a mensagem mais correta a veicular. O papel dos familiares também é importante. Pela preocupação e cuidado que têm. Buscam imensa informação muitas vezes contraditória e falsa, "não pode comer isto, não faz bem aquilo". E no limite o que acontece é que os doentes, que por norma já apresentam pouco apetite, ficam exaustos de tanta informação e desinformação e comem cada vez menos… levando a que haja perda de peso, sendo o peso e o estado nutricional fatores de prognóstico para melhor tolerância dos tratamentos.
Há fundamento então que nos permita afirmar que é possível equilibrar o prazer com o saudável, e afirmar que daí podemos fazer alguma parte da prevenção contra a doença oncológica?
Catarina SG: Há uma fatia de 30%, referente aos estilos de vida que pode ser manipulada por nós, e essa fatia pode ser altamente prazerosa. Se fazer uma dieta restritiva, monótona e sem sabor conferisse proteção para o risco de cancro, ainda imaginaria que muitos de nós estivessem dispostos a pagar o preço, mas isso não acontece! Para minimizar o risco de cancro aquilo que se pede é apenas que consumam alimentos naturais, pouco aditivados, pouco processados e altamente diversificados. As exceções serão para momentos especiais, também de exceção!
Joana Sousa
Equipa Editorial
