Manhã cedo. Alguns dos estudantes estão perdidos porque as aulas decorrem no Edf. Reynaldo dos Santos, o novo bloco da Faculdade que hospeda novos laboratórios e alguns dos mais recentes sonhos tecnológicos. A sala tem ainda poucos estudantes, os que já chegaram teimam o refúgio nas filas mais atrás. Há, no entanto, alguns que se destacam pela atividade de ideias, pela forma agitada como se movem nas cadeiras e interagem com a informação apresentada. Prestes a começar, Edson Oliveira, Professor de Medicina Aerospacial e de Anatomia da FMUL, assim como neurocirurgião, é o grande responsável pelo desenvolvimento da nova cadeira opcional, feita em protocolo com a Força Aérea Portuguesa.
Aqui fala-se em ambiente espacial. Mas vai-se mais longe que isso. Fala-se da Medicina aplicada às pessoas que vão para o Espaço. Lugar onde chegam depois 8 minutos 48 segundos, o tempo que se leva da Terra ao Espaço, entrando assim em microgravidade. E quem pode ir ao Espaço, haverá um novo perfil de turista? Ou terá a Medicina Aeroespacial adaptar-se a todos os perfis?
Haverá limites do passageiro comum se ele quiser ir a Marte? Estará o seu corpo apto para a falta de gravidade? Terão os medicamentos em Marte o mesmo efeito que têm no planeta Terra?
Ser aluno de Medicina Aeroespacial é ouvir estas perguntas. É pensar que respostas já existem e que outras tantas faltam responder.
Thais Russomano, professora e investigadora em Medicina Espacial, é a primeira a abrir a aula. Focada em estudar e lecionar sobre a fisiologia humana em simulações em terra da microgravidade, a Professora, que estudou Medicina Espacial nos EUA e Inglaterra, explicava dados que num primeiro contacto poderiam nada ter que ver com a saúde humana. “No espaço, o sol nasce e põe-se 16 vezes, num ciclo de 24 horas. Que consequências traz isso ao organismo humano?”. A dúvida era lançada não para obter resposta, mas para instigar à procura e à curiosidade. Numa aula inquieta, saber que cada planeta muda a condição da viagem de uma pessoa, assim como gera comportamentos diferentes ao corpo humano, era facto evidente diante dos primeiros dados. Nessa mesma aula sabia-se também que a gravidade varia entre o peso que temos na Terra e depois em Marte, ou na própria Lua.
E falar de tudo isto porquê? Poderia alguém perguntar. A resposta tem 4 letras. CEMA - o Centro de Estudos de Medicina Aeroespacial - nascia assim precisamente para vir dar resposta aos comportamentos do corpo humano diante das diferenças fisiológicas. Quanto à Professora Thais Russomano seria mais uma prova da importância deste Centro, razão pela qual hoje integra o quadro académico da FMUL e participa ativamente neste que é o único Centro Português e um dos mais promissores da Europa.
Talvez a querer vir mudar a regra existente de agora, em que dos 600 astronautas estudados apenas 12 são mulheres, centros como o CEMA prometem ser a resposta para as diferentes reações físicas e também psicológicas, precisando contudo de mais amostras femininas para que possam responder a questões ainda não encontradas. O tema da reprodução humana será um dos novos caminhos.
Seguir para o Espaço, mesmo sendo o astronauta mais experiente de todos, significa que essa pessoa vai revelar diferentes características, como a mudança da pressão arterial e o volume do sangue, ou a perda de massa óssea e muscular. Mas “como tratar alguém que está no Espaço a tanta distância da Terra?”, era a pergunta provocatória feita pelos Professores.
Despedidas feitas da primeira palestrante, seguia-se Edson Oliveira que circulava pela aula como elemento natural ao seu próprio meio ambiente. Depois de uma tese, cujo foco era a alteração da pressão intraocular, que mostra que no Espaço há uma perda de 2 a 3 dioptrias, a causa pode estar no achatamento do globo ocular. Com dados mostrados pelo Professor, observava-se que o Espaço podia ser o causador de hipermetropia. Sofrendo de hipertensão intracraniana haveria edema do disco ótico, o que significaria que, com edema, haveria risco de hipertensão. Todas características que se podem desencadear em pessoas saudáveis e em viagens de longa duração.
E como medir do Espaço a pressão intracraniana? A resposta ainda o Professor a procura, desenvolvendo estudos com técnicas não invasivas, no novo Centro da FMUL. Através de uma máquina com um sensor com um tamanho de uma moeda, quer medir o fluído de circulação cerebral, o que lhe dará respostas sobre a pressão intracraniana.
Na sua aula aprenderíamos não sou o foco da sua tese, como ficaríamos a saber os astronautas também passam mal. “Nas primeiras 72 horas há um conflito neuro sensorial e quem está no Espaço fica desorientado, maldisposto (causando mesmo vómitos), é o SMS – Space motion sickness”, explicava.
Dando o exemplo de Scott Kelly e do caso dos irmãos gémeos, que sofreram exercícios cognitivos, observou-se que um dos irmãos, após um ano no Espaço, perdeu parte do seu sistema imunitário e, contudo, os seus genes desaceleraram, não envelhecendo tanto como o previsível na Terra. Mostrou ainda que à distância também se podem resolver complicações de saúde, como foi o caso de uma trombose na jugular interna de um astronauta. Tratado pela telemedicina, uma vez que apenas 8 astronautas são médicos e não podem ir sempre, a melhor forma de comunicar é entre o médico da Terra e o Espaço, ou por contacto com robonautas.
Das imagens apresentadas na sala que os remetia para uma realidade não imaginada, eram os rapazes quem mais se agitavam nas cadeiras, acenando com a cabeça como se interagissem em silêncio com a informação dada.
As surpresas sucediam-se nas descrições do Professor. Ligados ao princípio do combate às oscilações emocionais dos astronautas, foram então criados jardins espaciais, sendo o próximo passo o desenvolvimento de sessões de mindfulness ou yoga. Mas não só no Espaço há a possível fragilidade emocional, na chegada à Terra também a melancolia e o isolamento podem ser traços gerais.
Seria tudo o que havia para absorver? Não.
De acordo com as previsões oficias, em 2027 haverá um hotel espacial para 400 pessoas. Nova pergunta surgia no horizonte. Então que médicos conseguirão assegurar que estas pessoas vão passar bem pela transição?
E novas perguntas continuarão a surgir.
Para já ficamos todos com algumas certezas. Que a união de forças entre a FMUL e a Força Aérea traduzem aquilo que a optativa quer ensinar, ou seja, o equilíbrio entre a aeronáutica, tudo o que é a fisiologia da altitude, e a área espacial, aquela que trata da ausência da gravidade.
E sabemos também o que alunos atuais, ou já passados, diante desta que é já a 4ª temporada da Medicina Aeroespacial, têm a dizer.
Francisco Santos – estudante do MIM 4°ano
A escolha foi fácil quando surgiu a nova optativa de Medicina Aeroespacial. É um tema cada vez mais falado na atualidade e despertou um enorme interesse em mim, tendo correspondido a todas as espectativas.
A Medicina Aeroespacial é uma área que tem um futuro muito promissor e com cada vez mais impacto e é, por isso, uma grande iniciativa por parte da faculdade de criar o Centro de Medicina Aeroespacial, para fomentar a investigação de alunos de Medicina nesta área de forma pioneira em Portugal. É uma grande oportunidade para mim poder participar num projeto nesta área e contribuir para um maior conhecimento na área humana no espaço e nada melhor que poder fazê-lo na minha faculdade, com todo o apoio necessário em qualquer altura.
Gabriela Rodrigues - Estudante do 5º ano do MIM
Vice-Presidente do Departamento Interno do Clube de Estudantes de Medicina e Ciências da Vida Aeroespacial (CEMCA)
Desde que me lembro que tenho uma paixão enorme por Medicina e, por isso, quando chegou a altura de escolher, esse foi o curso que decidi seguir. No entanto, também ainda muito nova, cresceu em mim um fascínio pelo Espaço, o que fez com que, enquanto já estudante de Medicina, aproveitasse todas as oportunidades para unir estas duas incríveis áreas.
Assim, juntei-me à direção do Clube de Estudantes de Medicina e Ciências da Vida Aeroespacial (CEMCA), de modo a poder ter um maior contato com alunos que partilhem a mesma paixão que eu. Para além disso, fiz parte de dois Cursos da European Space Agency (ESA), onde tive a oportunidade não só de desenvolver os meus conhecimentos sobre Medicina Aeroespacial, mas também conhecer profissionais incríveis na área. Por último, tenho agora a fantástica oportunidade de desenvolver a minha Tese de Mestrado nesta área e trabalhar com o Dr. Edson Oliveira.
A Medicina Aeroespacial é uma área em crescimento, com muito para oferecer, e, por isso, todo o trabalho e investimento na mesma são de extrema importância para a sua evolução. Deste modo, o Centro de Estudos de Medicina Aeroespacial (CEMA) da FMUL é um projeto que nos deve deixar a todos muito orgulhosos! Esta é agora uma oportunidade que nos fará ir mais longe nesta área e permitirá aos alunos terem um contato mais direto com a mesma, despertando neles a mesma paixão que fez nascer o CEMA."
Inês Amaro Catorze - Estudante do MIM 4º ano
“Quando era pequena, olhava para o céu e pensava de que seriam feitas as estrelas. Perguntava-me o quão pequenos ou grandes seriamos, como seria ver a Terra de fora e se algum dia poderia ter essa experiência.
Mas os anos foram passando, e estas questões foram ficando esquecidas. O espaço que outrora ocupavam foi sendo, a pouco e pouco, preenchido por todas as informações a que o nosso curso obriga.
No inicio deste ano, a cadeira de Medicina Aeroespacial trouxe-me à memória todas as inúmeras perguntas que fazia em criança. Tinha novamente um brilho no olhar!
Confesso que esta cadeira foi uma total surpresa para mim. Todos os dias era confrontada com informações e conceitos que achava distantes, juntando áreas de grande interesse meu, tais como a Fisiologia, a Reanimação e a Neurocirurgia.
Todos estes aspetos, juntamente com a oportunidade de trabalhar numa área inovadora de forma a poder contribuir para a comunidade cientifica, motivaram-me a alterar o tema do meu Trabalho Final de Mestrado, de forma a poder acomodar esta oportunidade.
O Centro de Estudos de Medicina Aeroespacial é um lugar pioneiro, que certamente abrirá muitas portas para pessoas que, como eu, talvez se tenham esquecido momentaneamente de olhar para cima e questionar.”
Hugo Mineiro Félix - Interno de Formação Específica de 1º ano de Doenças Infecciosas no Hospital de Santa Maria - a realizar estágio em Medicina Interna.
"No final do meu 9º ano escolar, fiz testes psicotécnicos para me ajudarem a escolher a minha área no secundário. A 1ª opção era na área de ciências e tecnologias e a 2ª era astronauta. Foi talvez presságio para que, quando me encontrei a decidir a minha tese de mestrado, tenha escolhido a área da Neurocirurgia - que era a minha escolha desde que entrei no curso - e o meu orientador tenha sido o Dr. Edson Oliveira.
Quando ele me propôs o tema da medição não invasiva da pressão intracraniana em astronautas, aceitei logo.
O trabalho abriu-me horizontes para uma área que desconhecia ser tão extensa - a medicina aeroespacial. E tem toda a razão para o ser. Se o corpo humano já tem infinitos pormenores, não há de ter ainda mais, quando está exposto a todo um ambiente... Alienígena?
O meu pequeno contributo para esta área é, para já, que este meu trabalho foi ainda recentemente aceite para publicação no Aerospace Medicine and Human Performance.
Espero ainda vir a contribuir mais. Farei por estar envolvido nesta área e continuar a olhar para cima, porque não há limites para a imensidão que vemos"
José Figueiredo - Aluno do MIM
Mestre em Bioquímica- Universidade de Aveiro
Participante do ESA-ELGRA Gravity-Related Research Summer School 2020
Vencedor do projeto LIDE’s Glide Your Experiment!
A minha jornada pelo mundo da Medicina Aeroespacial começou há 2 anos motivada pelo Dr. Edson Oliveira. Desde o primeiro contacto que temos vindo a colaborar na realização de diversos projetos neste âmbito, tendo um deles sido recentemente selecionado para apresentação no Aerospace Medical Association's 92nd Annual Scientific Meeting 2022, em Reno-USA. Paralelamente, juntamente com colegas de outras instituições, formei em 2021 a equipa NeuronGrav. Em concurso para um projeto europeu organizado pela SELGRA/LIDE, fomos selecionados para testar uma nova plataforma para estudos de microgravidade. Os preparativos para o projeto estão em andamento e será levado a cabo no verão de 2022 na Bélgica. Neste âmbito, a FMUL tem sido uma das universidades portuguesas pioneiras a apostar na formação e desenvolvimento científico no ramo aeroespacial. Um excelente exemplo será a disciplina optativa de Medicina Aeroespacial que tive a oportunidade de frequentar na sua 2da edição. Não obstante a elevada qualidade do leque de conteúdos abordados, que embora concentrados em apenas 1 semana percorreram de forma transversal aqueles que considero serem os temas mais relevantes e mais promissores da área, a qualidade e dinâmica dos palestrantes foi de excelente qualidade. No final os alunos são incentivados a fazer uma apresentação sobre um dos temas sobre o qual desenvolveram um maior interesse, e é feito o convite à participação ativa no Centro de Estudo de Medicina Aeroespacial (CEMA). Motivado pelo crescente interesse e investimento em áreas como o turismo espacial e a exploração planetária, este recente grupo criado na FMUL apresenta-se como uma aposta promissora que pretende contribuir para o desenvolvimento e compreensão do conhecimento fisiopatológico em ambientes de gravidade alterada. Parece-me irrefutável a ideia de que a era das ciências aeroespaciais chegou para ficar, pelo que fico bastante agradado em poder fazer parte de uma instituição pauta pela inovação e que oferece aos alunos a possibilidade de formação e participação ativas nesta área de investigação.
Com o Professor Edson Oliveira marcamos novo encontro, a 26 de abril, às 09h30, no Edf Reynaldo dos Santos, para inauguração do Centro de Estudos de Medicina Aeroespacial.
Joana Sousa
Equipa Editorial