João Semana, século XXI
João Semana, versão XX.I
Coelhos vivos, patos, canetas, naprons, vinhos (de preferência tinto, O Sr. Dr. Disse-me para não beber!), queijos e queijos, caixas e caixas de chocolates (Ferrero Rocher pois então), estadias em turismo rural, casa para férias, CDs de Jazz, bolos caseiros, pães de queijo, placas comemorativas a agradecer a Vida, camisas, calças, livros, azeite do melhor, bacalhau do melhor, cintos, queijo fresco, canetas incluindo as Montblanc, dinheiro vivo, gravatas, pijamas, champanhe, quadros, perfumes, desodorizantes e shampoos, bolo-rei, litros whiskies, licores, kit para vinhos, limões do quintal, alfaces da horta, abóboras, cereja do Fundão, o meu lanche, os brinquedos para os filhos e os netos, o barrete e o cachecol para os netos, a toalha bordada, os livros que escrevi (Lições do Burro), estatuetas africanas (ah o pensador), laranjas, uvas, maçãs e laranjas.
Cheguei a encher três bagageiras do carro por período de consulta.
E um obrigado apenas, uma carta de louvor, uma frase, um abraço sentido, um cartão de boas festas, um louvor escrito (raro, mas cada vez mais frequente). E um simples manuscrito com palavras agradáveis?
E aquela vendedora ambulante que me oferecia dinheiro embrulhado num papel de jornal e que se eu não recebia ficava a chorar…
No meio dos écrans, impressoras, rato, leitor de cartões, teclado, receitas e análises em papel, passwords, passwords e passwords… E o tempo para respirar.
O João Semana, em cima do seu burro, não faria melhor. Não deixa de fazer pensar que num Hospital Universitário se mantenha esta dimensão tradicional da gratificação e do agradecimento humano.
Porque não? É uma má tradição?
Não será uma forma de comunicação, psicologia positiva, gratidão, empatia e compaixão?
As especialidades são muito diferentes, dizia-me há tempos atrás um jornalista de um dos principais órgãos de comunicação. A gastrenterologia e a hepatologia têm três entidades no Top Ten da mortalidade (cancro do cólon e reto, doença hepática, cancro do estômago), os Big Five (cancros do esófago, estômago, fígado, cólon e reto, pâncreas) são responsáveis por um terço de todos os cancros e 10% de todas as mortes. A doença hepática é a 4ª causa de morte precoce, i.e.
Mas o que mais me gratifica como médico é ter a visita de familiares de doentes que faleceram anos atrás. O ano passado foram mais do que uma dezena.
Mas a cura fantástica da hepatite C, a nova vida após o transplante hepático (Obrigado Curry Cabral), o viver anos com carcinoma hepatocelular, deixam cicatrizes de gratidão, para sempre.
Rui Tato Marinho
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Diretor do Serviço de Gastroenterelogia e Hepatologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte
Srivastava R. When the EMR Stole My Pen. N Engl J Med. 2020;383):708-709. doi: 10.1056/NEJMp2000272.
Zeuzem S, Jacobson I, Baykal T, Marinho RT, Poordad F, Bourlière M, et al. Retreatment of HCV with ABT-450/R–Ombitasvir and Dasabuvir with Ribavirin. N Engl J Med 2014;370:1604-14.
Compassionomics (The Revolutionary Scientific Evidence that Caring Makes a Difference)
Cory Booker, Anthony Mazzarelli, Stephen Trzeciak, Fire Starter Publishing, 2019 - Compassion - 375 pages
