Ao longo das últimas décadas, a comunidade científica tem vindo a empenhar tempo e esforços na procura de respostas cada vez mais evidentes e positivas, para combater uma das doenças neurodegenerativas de maior impacto mundial.
Por cá, Maria Roque, estudante de Medicina do 6º ano, conta-nos que foi o contacto com as Neurociências que lhe suscitou uma maior curiosidade pela doença de Alzheimer, plantando a semente do conhecimento nesse semestre do seu percurso académico e despertando, desde logo, a vontade de saber mais sobre o tema.
Assim, corria o ano de 2018, quando lhe surge a oportunidade de participar num projeto GAPIC, na área da doença de Alzheimer, sob alçada do Laboratório da Professora Ana Sebastião e “sob tutoria da Professora Maria José Diógenes e João Gomes”, explicou-nos, recordando que “esta equipa já tinha descoberto que a acumulação de Amilóide Beta (uma das principais características patológicas da doença) leva à truncação de um recetor (TrkB-FL). Assim, neste projeto, tentámos compreender a forma como a parte intracelular do recetor poderia afetar a expressão genética do neurónio.”
Projeto de investigação esse, que se insere num outro de maior alcance e já galardoado pela Santa Casa da Misericórdia com o prémio Neurociências Santa Casa Mantero Belard, que tem a Professora Maria José Diógenes como investigadora principal.
“A Maria contactou-me com o interesse em participar num projeto de investigação em curso. Escrevemos uma proposta de projeto a desenvolver que, felizmente, acabou por ser apoiado pelo GAPIC, na FMUL. A Maria participou neste trabalho, principalmente desenvolvido pelo João Fonseca Gomes, orientado por mim e em colaboração com o Professor Francisco Enguita”, conta-nos a Professora Maria José Diógenes.
"A doença de Alzheimer, caracterizada pela perda de memória, é a forma de demência mais comum e tem um grande impacto na qualidade de vida dos doentes”, reiterou Maria Roque na abordagem a este projeto de investigação que pretende, conforme nos adiantou a Professora Maria José Diógenes, “estudar formas de proteger os mecanismos de neuroproteção endógena mediados por uma neurotrofina designada por BDNF no contexto da doença de Alzheimer (DA)”, destacando o trabalho que tem decorrido ao longo da última década no Instituto de Farmacologia e Neurociências da nossa faculdade, dirigido pela Professora Ana Sebastião, bem como no iMM. “Temos vindo a estudar a razão pela qual o BDNF perde as suas funções neuroprotetoras no cérebro dos doentes com DA”. “Fomos capazes de descobrir que, nesta doença o recetor responsável pelas ações do BDNF é clivado, dando origem a dois fragmentos. Um dos objetivos do nosso trabalho foi o de entender as funções destes fragmentos. Para o fazermos foi necessário, em primeiro lugar, sabermos exatamente o local de clivagem dos recetores para que fosse possível conseguirmos fazer a sobreexpressão dos fragmentos em células neuronais, a fim de estudar a sua função.”
Assim, João Fonseca Gomes deslocou-se até à Finlândia, onde produziu os vírus necessários para permitir a expressão dos fragmentos. E de regresso a Portugal, acompanhado por Maria Roque, “procedeu à transdução de células neuronais, ao isolamento do mRNA e estudo da expressão génica, com a imprescindível colaboração do Professor Francisco Enguita”, explica a Professora Maria José Diógenes, que nos falou também de resultados.
Os dados mostraram que “um dos fragmentos produzidos pela clivagem dos recetores do BDNF induz alteração da expressão génica, e dados in vivo mostram que perturba a memória dos ratinhos”. De momento, “a equipa já desenvolveu um novo composto para evitar a produção destes fragmentos e os resultados preliminares apontam para que restaure os deficits cognitivos presentes num modelo animal da Doença de Alzheimer”, revela.
Maria José Diógenes destaca a competência de Maria Roque na apresentação de uma parte dos resultados obtidos no “YES Meeting”, conferência internacional organizada por estudantes de Medicina da Universidade do Porto, “o que nos deixou muito orgulhosos”, denota.
O projeto de investigação foi então apresentado sob o título “Intracellular Fragment of BDNF Receptor, TrkB-ICD: Impact on Genetic Expression”, na competição científica do YES Meeting do Porto, que visa “estimular o interesse dos jovens na investigação biomédica”, sublinhou a estudante que, com a apresentação em causa, venceu a sessão paralela de neurociências e a sessão plenária, “o que se materializou num prémio de 250€ + 3000 €”. Este reconhecimento foi o reforço na vontade de “conciliar a investigação com a prática clínica, também no meu futuro enquanto médica”, partilha Maria Roque, dedicando as últimas palavras no comentário a este feito ao agradecimento à equipa que “me acompanhou e ambicionar que as descobertas na área das neurociências se tornem cada vez mais impactantes, para que consigamos intervir de forma mais eficaz no controlo de doenças neurodegenerativas, cujo impacto a nível individual, familiar e social se demonstra tão negativo."
Nas palavras da própria, Maria Roque partilha connosco aquela que foi “sem dúvida uma experiência enriquecedora, na qual pude melhorar o meu espírito crítico, aprofundar os meus conhecimentos sobre este tema e compreender a forma de trabalho em laboratório e cooperação multidisciplinar”.
É também, para nós, uma honra e motivo de grande orgulho esta distinção, pelo que enaltecemos o empenho de todos os envolvidos num projeto de investigação que tem tanto de ambicioso, como de promissor.
Sofia Tavares
Equipa Editorial