Compreendida como “a arte e a ciência de prevenir a doença, prolongar a vida e promover a saúde através de esforços organizados da sociedade” (Acheson, 1988; OMS), a Saúde Pública viu-se a braços com uma problemática que, apesar de não ser inteiramente surpreendente para os profissionais que se dedicam a essa área da Medicina, exigiu a atenção máxima e múltiplas diligências com vista à resposta necessária, com a maior eficácia e, simultaneamente, com a antecipação que um cenário como o de uma pandemia, “há muito identificado como plausível pela Saúde Pública”, obriga.
O número de infetados pelo novo coronavírus já ultrapassa os 14 milhões em todo o mundo. Por cá somam-se mais de 48 mil casos de infeção por SARS-Cov-2, sendo que o total de recuperados ascende os 33 mil, numa crise sanitária global que atingiu o mundo a ritmos e escalas diferentes, expondo vulnerabilidades mas, ao mesmo tempo, ensinando lições importantes para que, no futuro, e munidos do conhecimento e experiência agora adquiridos, saibamos intervir com uma melhor e mais eficaz resposta, conforme explica Ricardo Mexia, Médico de Saúde Pública do Departamento de Epidemiologia (DEP) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e Professor Assistente Convidado da FMUL.
Na opinião do epidemiologista e Presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, quando estamos diante de pandemia “esperar, tipicamente, leva-nos a perder tempo para uma situação que é demasiado complexa”, pelo que é urgente agir. E tomar decisões “num contexto de particular incerteza” foi e continua a ser um dos maiores desafios, afirma Ricardo Mexia, denotando a celeridade alcançada com o conhecimento que se foi acumulando a um ritmo sem precedentes à medida que a situação epidemiológica foi evoluindo. “O que por um lado facilitou a rapidez nas abordagens, mas gerou dificuldade na comunicação”, sublinha, reconhecendo no estado de emergência uma medida atempada e uma “solução que, apesar de drástica, era a possível no momento”.
Ricardo Mexia destaca como ponto positivo o controlo da pandemia em Portugal na primeira fase, em que o país conseguiu “achatar a curva e evitar a rutura do sistema de saúde”, que “lidou bem com a pressão” a que foi sujeito. No entanto, o epidemiologista atribui nota negativa ao planeamento, entendendo que “não dotámos o país de recursos para fazer face ao aumento do número de casos esperados no desconfinamento”. Não obstante as melhorias que reconhece existir na situação atual, Ricardo Mexia diz não esquecer “o colapso da linha da SNS 24” e “a dificuldade na disponibilização dos diagnósticos” no primeiro embate com a Covid-19.
Em entrevista à news@FMUL, destaca “a prevenção e a identificação precoce dos casos” como parte fundamental da resposta a uma pandemia como a que agora enfrentamos e comentou a dificuldade sentida com a retoma gradual da atividade normal, principalmente na região de Lisboa e Vale do Tejo.
Planificação é a palavra de ordem. O país encontra-se na expectativa de um inverno “complicado”, pelo que “importa antecipar” e “dimensionar a resposta para um previsível aumento da procura”, adianta Ricardo Mexia, que vê nas atuais medidas de contenção que regem o comportamento individual para a redução do contágio do novo coronavírus, uma vantagem favorável, uma vez que a higienização frequente das mãos, a etiqueta respiratória, o distanciamento físico e o uso de máscara deverão ter, igualmente, “um impacto significativo no controlo da disseminação da gripe”.
É também imperativo, segundo Ricardo Mexia, que cada setor de atividade adote soluções que permitam minimizar a propação da doença “e cabe ao Governo dotar o país da capacidade de resposta necessária”, afirma, mencionando a antecipação da época da gripe e a colocação de mais profissionais de saúde no terreno como a estratégia mais indicada, pois garante serem “necessários mais recursos humanos para agir com a celeridade que a pandemia exige”.
Lamenta que a “maior flexibilização nos processos de contratação” que se verificou na gestão da pandemia em território nacional, seja “uma realidade que ficou circunscrita ao meio hospitalar”, ressalvando que “o recrutamento de voluntários não é uma solução perene, nem se compagina com a Saúde Pública”.
Atendendo a que “o alarmismo ou o pânico não nos acrescentam valor, temos de ter a perceção das três soluções possíveis para o problema: a vacina, a imunidade de grupo ou a cura”. E dado que, atualmente, ainda não reunimos condições para encontrar, com total segurança e rigor científico, uma das três soluções viáveis para travar a pandemia, a única alternativa é o uso de máscara que, a par do distanciamento físico e da higienização das mãos, compõe o trio de combate, cuja eficácia a Ciência já comprovou, essencial para evitar a transmissão do novo coronavírus, como nos explica Ricardo Mexia.
Na sua opinião, os portugueses estão ainda “num processo de aprendizagem e adaptação” no que diz respeito ao uso da máscara, que se tornou imprescindível no quotidiano de todos e é um hábito para manter, pelo menos enquanto não houver outra forma de prevenir e tratar a covid-19. “Mas culturalmente não é algo que seja habitual e, além disso, o português vive muito num contexto de presentismo”, denota o epidemiologista, aludindo a uma atitude típica do português, que muitas vezes mantém a sua atividade profissional alheio a sintomas físicos de doença.
Ainda que se tenha verificado “um aumento progressivo do uso correto da máscara pelos portugueses”, Ricardo Mexia não tem dúvidas de que a comunicação sobre o uso adequado deste equipamento de proteção individual, alvo de favoráveis estudos científicos, pode ainda ser melhorada.
Nunca é tarde para agir e o saber não ocupa lugar, assim diz o ditado popular, pelo que “ainda há espaço para uma campanha de sensibilização” e educação para o civismo, sobretudo no momento de descartar a máscara, reitera o médico de Saúde Pública numa elucidativa demonstração do uso correto este EPI (equipamento de proteção individual).
Promover a saúde e prevenir a doença. É disto que se trata a Covid-19, uma questão de Saúde Pública, cuja resolução é da responsabilidade de todos para que, também, todos possamos ultrapassar o problema, juntos, unidos na consciência e no compromisso, com a resiliência necessária à criação de um futuro melhor.
Sofia Tavares
Equipa Editorial
