Chama-se Ana Pinto e conhecemo-nos pelo estômago. Não acredita? É verdade.
Licenciada em Dietética e Nutrição pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e atualmente a viver em Inglaterra, a Ana lembrou-se que através de um livro de receitas poderia ajudar o Serviço Nacional de Saúde do seu país de origem.
Tendo conhecimento através da Faculdade de Medicina, do projeto “Ajude esta Causa”, Ana Pinto pensou que a distância entre países tinha de servir de incentivo e não de obstáculo. Lembrou-se, por isso, de desafiar as famílias a criarem uma receita simples e que pudesse ser feita com crianças. Por cada receita apresentada, eram ainda doados € 3 e no fim de todos os pratos enviados, sairia um livro de receitas “especial quarentena’, juntamente com uma frase sobre algo positivo que tivesse acontecido durante o confinamento. O valor total angariado seria então atribuído ao SNS.
Quem conhece Ana Pinto sabe bem como adora a cozinha e se inspira em pratos saudáveis com a sua filha Mia, fazendo a dupla mais deliciosa das redes sociais.
A Kiddy Cook Portugal é o projeto que assina e que tem a “missão de melhorar a saúde e o bem-estar das crianças, de forma prática e divertida”. Para além da diversão, conhecem ainda novos alimentos e sabores, aprendem também os fundamentos de uma alimentação saudável e ganham importantíssimas competências para a vida”. A forma de comunicar mensagens tão importantes para este público com menos de um metro é simples, através de workshops e com muitas cores de alimentos à mistura.
Os projetos que hoje abraça têm explicação se olharmos para o seu percurso até chegar aos dias de hoje. Estava no último ano da sua licenciatura, quando ganhou uma bolsa GAPIC (Gabinete de Apoio à Investigação Científica, Tecnológica e Investigação) para completar o projeto NHIRC (Nutrição nos Hipertensos Imigrantes e Risco Cardiovascular) com o Instituto de Medicina Preventiva.
Por lá ficou a trabalhar um ano e já depois de terminar a licenciatura.
Nesse mesmo ano resolveu aumentar o seu leque de experiência e foi para a Suíça, em Lausanne, trabalhar com Pedro Marques Vidal, o Professor do IMP.
Aí contactou com bases de dados de dois projetos em obesidade infantil, redigindo dois documentos que mais tarde viriam a ser publicados em jornais científicos. “O espírito internacional com que me deparei durante esse mês e a vontade de estudar mais sobre o impacto da nutrição na saúde e prevenção de doença, levaram-me a candidatar ao mestrado em Nutrição do King’s College London, em Inglaterra”, conta.
Como projeto de investigação de mestrado, escolheu trabalhar num “estudo clínico onde investigava os efeitos pós-prandiais de diferentes tipos de ácidos gordos na função vascular”. Este estudo valia-lhe assim a continuidade para seguir para doutoramento, cujo foco incidia em “determinantes alimentares da variabilidade da frequência cardíaca, nomeadamente ómega-3 de origem marinha e jejum intermitente”.
Concluído o doutoramento, foi como postdoc que continuou a avaliar ”os efeitos de ingredientes funcionais /alimentos no metabolismo pós-prandial”.
Extraordinariamente sensível ao mundo e aos outros, quisemos perceber um pouco da sua história, já que não é todos os dias que encontramos pessoas que vivem uma verdadeira felicidade por aquilo que fazem.
Como surge a ideia do Kiddy Cook?
Ana Pinto: A ideia de fazer workshops de nutrição e cozinha foi algo que sempre esteve presente nos meus pensamentos, mas a inspiração para levar a ideia para a frente e finalmente torná-la realidade veio com a minha filha Mia, que, desde bebé, passa tempo na cozinha comigo e adora participar em todas as atividades apropriadas à idade dela. Basta ver-me a deslocar para a cozinha que vem logo a correr! A Kiddy Cook Portugal nasceu, por um lado, da inspiração que a Mia me deu de querer influenciar as crianças a terem uma alimentação saudável, que passa por envolvê-las na cozinha de forma divertida, enquanto aprendem competências para a vida. Por outro lado, surgiu do meu interesse a nível profissional de querer contribuir para a prevenção de doenças cardiometabólicas (tal como a doença cardiovascular e diabetes mellitus tipo 2) e, nesse aspeto, quanto mais cedo se incute um estilo de vida saudável, menor o risco de desenvolver este tipo de doenças no futuro e melhor a qualidade de vida. Atuando nas nossas crianças hoje, é contribuir para que tenhamos uma população adulta mais saudável e um menor impacto de doenças, tanto a nível de morbilidade e mortalidade, como a nível financeiro, pelos custos de saúde e hospitalizações associadas às mesmas.
É muito engraçado porque tem diversas interações com a sua filha Mia de quase 4 anos. Esta "dupla profissional" nasceu como?
Ana Pinto: Como já referi, a Mia foi a inspiração e aquele empurrão final que me fez lançar nesta nova aventura que é um sonho de longa data tornado realidade. Seja de manhã, à tarde ou à noite, sempre que me vê ir em direção à cozinha segue-me para ver qual será a próxima aventura culinária. Para começar havia muita “mess” (confusão) mas ao longo do tempo ela tem dominado imensas técnicas. Os benefícios da participação das crianças na cozinha são inúmeros, tanto na escolha, na preparação e na confeção dos alimentos, como na aprendizagem sobre a proveniência dos mesmos e o papel da alimentação saudável na saúde e na prevenção de doença, assim como o papel da alimentação sustentável na saúde do nosso planeta. E realmente, as crianças são mesmo “esponjas” de aprendizagem, especialmente quando são mais pequenas. Vou sempre ajustando as atividades à idade, assim como ao estádio de desenvolvimento de cada criança, mas posso garantir que se não tivermos medo de deixar a cozinha virada do avesso (refiro-me a comida por todo o lado, porque segurança vem sempre primeiro!), as crianças ganham confiança e dominam as diferentes técnicas e tarefas muito rapidamente. A prática é mesmo o que leva à perfeição!
Acabámos por nos tornar mais próximos do projeto Kiddy Cook, porque através dele associou-se à campanha "Ajude esta Causa", desafiando o público a criar uma receita simples e prática e doando um valor simbólico (€ 3) por cada receita enviada. Daqui nascerá um livro e o que for angariado reverte a favor do SNS. De onde veio esta ideia de ajudar e mobilizar os outros para uma causa comum?
Ana Pinto: Uma vez que a pandemia mudou bastante a vida da maioria de nós, achei que a melhor forma de apresentar a Kiddy Cook Portugal à população Portuguesa fosse com um desafio para uma boa causa, uma vez que boas causas tendem a unir a comunidade. A reposta e a forma como o SNS, com o trabalho árduo dos seus profissionais de saúde e todos os trabalhadores que o constituem, se ajustou a esta pandemia foi e tem sido de extrema importância, de forma a salvar o maior número de vidas possível. Sabendo das dificuldades existentes de financiamento, assim como todo o sacrifício feito por parte de todos, pensei que, por mais pequena que fosse a contribuição, seria sempre um gesto de reconhecimento e valor de todo o trabalho realizado e mais uma forma de mostrar apoio. O livro de receitas em formato digital vai estar disponível brevemente para ser adquirido, por 4€, para finalizar a angariação de fundos. Quem participou com uma receita, receberá uma cópia do livro por e-mail. Queria também aproveitar esta ocasião para agradecer a todos os participantes que contribuíram com uma receita e frase positiva de quarentena.
Esta é a pergunta incontornável, sabendo que vive em Inglaterra, e que na verdade só nos conhecemos porque aconteceu uma pandemia. Como ficou de repente a sua vida aí?
Ana Pinto: Por aqui tenho estado em licença forçada da Faculdade (King’s College London) desde o fim de Março e, embora tenha levado algum tempo a adaptar-me à realidade da quarentena, tenho que admitir que o saldo foi bastante positivo, uma vez que deu para ter mais tempo com a Mia, tempo para refletir e apreciar o que realmente é importante para nós, e para termos mais momentos em família. E como não poderia deixar de mencionar, também me deu tempo para desenvolver a Kiddy Cook Portugal, que espero que seja do proveito das crianças, quer através dos workshops curriculares que oferecemos a escolas, como workshops privados para crianças e as suas famílias, entre outros serviços. De momento, o núcleo da equipa é formado por mim e pela Joana Larangeira, que assim que lhe falei do projeto aceitou o desafio de o fazer crescer desde o primeiro dia! A parte que me custa mais de momento é não saber quando posso voltar a Portugal para ver a família e amigos, se bem que tento manter-me positiva e esperar que seja para breve, assim que seja seguro viajar.
A Kiddy Cook Portugal aproximou-nos, mas depois veio a Mia e as fotografias deliciosas que deixam no ar um cheirinho que apetece saborear.
E certamente em breve voltaremos a seguir os passos da Ana até porque vamos querer saciar o apetite deste empreendedor livro de receitas.
Joana Sousa
Equipa Editorial