Durante o mês de Abril foram realizadas 4 FMUL TALKS dedicadas à doença COVID-19, dadas por diversos docentes e especialistas da FMUL e que tiveram como principal objetivo informar a comunidade sobre diversos aspetos do vírus Sars- Cov-2.
FMUL Talks – 7 de abril - Atualização no Diagnóstico e Terapêutica
Lecionada pela Professora Emília Valadas e pelo Professor Thomas Hanscheid
Este webinar, trouxe-nos dois interlocutores repetidos, a Prof.ª Emília Valadas e o Prof. Thomas Hanscheid, mas desta vez, com uma perspetiva diferente sobre a Pandemia. Ambos os infeciologistas partilharam connosco as suas reflexões e considerações sobre uma altura em que não falamos de nenhum pico, mas antes de um planalto na curva epidemiológica, uma curva que nos é tão familiar nos dias de hoje.
O Professor Thomas começou por fazer um esclarecimento sobre o “teste do Covid”. Surpreendentemente, afirmou não existir nenhum teste para despiste da COVID-19, garantindo que o que existe antes, são testes para a deteção do genoma do vírus. De acordo com o especialista, podem fazer-se testes serológicos, exames realizados ao sangue para detetar a presença de anticorpos e os exames de pesquisa de antigénios. Ambos são distintos. O primeiro é mais complexo, tanto pela exigência de meios como de recursos capacitados para o realizarem. No total, já existem mais de 440 testes no mercado, sendo que 100 destes testes são os pouco exatos testes rápidos. Precisamente por este número crescente de testes, é necessário escolher os de maior qualidade. Thomas Hanscheid avança ainda que mesmo o teste “top de gama” só deteta, na primeira zaragatoa, entre 30% a 70% dos casos infetados. A realização de uma TAC pode ser uma das formas mais exatas de diagnóstico.
Existe atualmente um estudo, realizado por investigadores chineses, que pretende compreender as alterações no conjunto de testes de cada doente, com o objetivo de apurar, com a máxima certeza possível, quais os doentes que estão infetados com o coronavírus. Este estudo pode ser acedido e alimentado por link qualquer unidade de saúde.
Nesta fase inicial da Talk, dedicada à relevância do diagnóstico, o Professor Thomas alertou para a necessidade de se utilizar corretamente a zaragatoa, no procedimento de recolha de fluídos, pois a não correta utilização desta ferramenta, poderá também ela comprometer o resultado do diagnóstico, sendo que o ideal seria testar, cada pessoa, com 3 zaragatoas em três momentos distintos.
Os certificados de imunidade, conseguidos através dos testes de anticorpos, foram igualmente abordados. O infeciologista referiu que é necessário ter alguma cautela: “Ainda não sabemos se a pessoa fica efetivamente imune e por quanto tempo”
De seguida, foi passada a palavra à Professora Emília Valadas que falou sobre a necessidade de um tratamento eficaz, disponível e barato, uma vez que esta pandemia atinge tanto países ricos como também países com sistemas de Saúde muito frágeis.
Na segunda fase da Talk, dedicada à terapêutica, Emília Valadas alertou para o perigo da utilização da hidroxicloroquina, substância utilizada para o tratamento da malária, e medicamentos como o lopinavir ou o ritonavir, usados na HIV. Estas opções podem estar longe de serem as mais corretas, não havendo evidência científica forte de que funcionem no tratamento da COVID-19. A infeciologista sublinhou a potencialidade de alguns fármacos, como o remdesivir, a azitromicina e o ivermectina, cujos efeitos terapêuticos estão a ser avaliados em alguns estudos, porém a sua opinião é a de que deve haver especial prudência não só na combinação e administração destas substâncias, como também na comunicação da potencialidade destas terapêuticas para o público em geral.
Recentemente, surgiu uma nova possibilidade estratégica de combate à COVID-19, que consiste no uso do plasma de doentes curados, mas também aqui, é necessário ser-se prudente. De acordo com as palavras da própria: “temos que ter a certeza que é de uma pessoa convalescente e que não há vírus em circulação”.
Em paralelo, está a ser feito um grande estudo randomizado e apadrinhado pela OMS, que pretende comparar quatro substâncias: o remdesivir, o lopinavir, o interferon e a hidroxicloroquina. “Creio que tenhamos resultados no fim do próximo mês”, avança a Professora e infeciologista.
Outra estratégia em cima da mesa, e destinada a situações muito graves, consiste na cascata de citocinas (extenso grupo de moléculas), onde o objetivo é tentar bloquear recetores.
Em jeito de conclusão, e após análise de algumas hipóteses, no momento, parece que a hidroxicloroquina + azitromicina, quando combinadas, têm efeito na diminuição do tempo e gravidade da doença, porém, no que diz respeito à cura, ainda pouco sabemos.
Agradecemos a disponibilidade da Professora Emília Valadas bem como a do Professor Thomas Hanscheid!
FMUL Talks – 14 de abril - Imunidade e Vacinação
Lecionado pelo Prof. Luís Graça
O Prof. Luís Graça começa por mostrar o seu pesar pelo falecimento da Professora Maria de Sousa, grande epidemiologista portuguesa, sendo uma grande perda para o mundo da investigação.
De seguida passou para o tema da sua palestra. Falou sobre os vírus e como se desenvolvem no nosso organismo desde o momento de entrada no corpo do hospedeiro até ao seu desaparecimento. Temos duas respostas, uma primeira, inata aos vírus e a segunda que irá conduzir à sua eliminação, através das chamadas células da imunidade adquirida (CTLs). O mesmo se processa com o Sars-Cov-2.
Explicou que nos casos em que a doença progride de forma grave, em alguns doentes, acontece uma produção desadequada de citocinas. Algumas células imunes largam essas citocinas e vão causar uma inflamação generalizada que pode levar a problemas graves nestes doentes. Por isso é que alguns doentes beneficiam de medicação que neutralizam estas citocinas.
Também referiu que há mais letalidade em pessoas mais velhas, mas talvez não seja este o fator mais importante, mas sim a presença de comorbilidades (cancro, doença cardíaca, hipertensão, obesidade, AVC entre outros). Pelo menos 75% dos óbitos verificaram-se em pessoas com duas destas doenças. Como as comorbilidades estão mais presentes em idosos do que em pessoas jovens, acontecem mais óbitos em pessoas idosas.
O Professor Luís Graça referiu a importância dos anticorpos IGG. Os anticorpos IGM são produzidos 1 a 2 semanas depois da infeção, mas são os anticorpos IGG que são produzidos posteriormente que nos vão proteger de uma reinfeção. Numa nova infeção a produção de IGG é potenciada. À medida que passamos de uma população sem anticorpos para uma população com anticorpos, passamos a ser imunes e não somos infetados. As pessoas suscetíveis serão uma percentagem baixa da população e por isso há uma probabilidade baixa de serem infetadas. Esta imunidade pode ocorrer por infeção ou por vacinação. E os dados sugerem que numa percentagem grande de casos os anticorpos destas pessoas são protetores. Sugerem também que o plasma do convalescente pode neutralizar o vírus durante algum tempo.
De seguida o Professor explicou que, em relação a vacinas, existe uma resposta primária e uma resposta secundária. O objetivo é a produção de quantidades de anticorpos neutralizantes, que impeçam a propagação do vírus, se contactarmos com ele novamente. Deu exemplos das vacinas da gripe e a do papiloma vírus humano. Comentou que está a existir um esforço enorme para desenvolver vacinas. Já foram listadas 115 candidatas a vacinas, em várias fases de desenvolvimento e com uma enorme multiplicidade de estratégicas. Já existem 5 em ensaios clínicos.
De seguida referiu que é necessário ter cautela com o uso de testes que medem os anticorpos. Quando há poucos casos na população, ao usar estes testes verificar-se-á uma maior probabilidade de falsos positivos. Assim faz sentido aplicar em situações de diagnóstico, mas em situações de rastreio, só produzirá efeito quando a frequência da doença for maior que determinada probabilidade. Ou então é uma possibilidade usar dois testes diferentes, aplicando o segundo a todos que derem positivos no primeiro, para aumentar a percentagem de certeza de que essa pessoa está imune.
Depois das explicações dadas pelo Professor Luís Graça, passou-se para um momento de perguntas colocadas no chat pelas mais de 80 pessoas que estavam a assistir, acerca das possibilidades de vacinação entre outras questões.
Esta FMULTalk foi muito esclarecedora e permite-nos compreender como funciona o nosso sistema imunitário face aos vírus e as possíveis respostas para combater o Sars-Cov-2.
FMUL Talks – 21 de abril - Ensaios Clínicos em Curso
Lecionada pela Professor João Parracho da Costa
Para esta talk o Professor João Costa e a sua equipa realizaram uma pesquisa para encontrar os ensaios clínicos que se encontram a decorrer e fizeram uma análise comparativa entre eles para conseguir mostrar-nos algumas características destes ensaios.
Para começar a sua talk, o professor referiu que até à data não existem opções terapêuticas de tratamento ou profilaxia que sejam particularmente eficazes.
Esta pandemia despertou muito interesse e muitos estudos clínicos foram iniciados. Assim, as questões que se colocam são: do conjunto da investigação clinica quais os ensaios que vão dar respostas claras? Terão resultados significativos do ponto de vista do doente? E vai ocorrer num período de tempo curto?
Com a pesquisa que fizeram, em plataformas de ensaios clínicos e outros sites, encontraram cerca de 389 registos de protocolos. A esmagadora maioria, 359 são ensaios clínicos para combate ao COVID-19, 92% de tratamento, 8% de profilaxia, e os outros 30 ensaios são diretamente relacionados.
Uma das primeiras características que notaram na globalidade dos ensaios clínicos é que há uma pobre qualidade de registo com omissões de inclusão de doentes severos ou críticos, sem idades máximas percebidas, e sem registo e/ou conhecimento de todos os fatores de risco.
Dos 92% de ensaios clínicos de tratamento, 49% são em fármacos, 27% em medicina tradicional chinesa, e os restantes 24% são de várias alternativas de tratamento como por exemplo plasma de convalescentes
Em relação a características da amostra global nestes ensaios clínicos, 40% têm doentes acima dos 80 anos, 60% têm doentes com sintomas severos de covid-19, 35% têm doentes críticos e 4% têm doentes com fatores de risco associado (doenças cardiovasculares, diabetes, etc.)
Em termos de desenho e características dos ensaios clínicos, a grande maioria acontece na China (76%), 50% assumem um desenho aleatório, 41% são multicentro (realizados em vários centros de investigação, e não apenas num), apenas 17% são financiados pela indústria. Em relação a medirem os resultados benéficos para o paciente, apenas 16% avaliam a mortalidade, e são poucos os que avaliam a % de cura e a duração da hospitalização.
Dois aspetos também identificados foi que, em termos de mediana, os ensaios clínicos duram 171 dias e a amostra são de 100 pessoas.
O Professor João Parracho da Costa falou também dos resultados em cada tipo de ensaios clínicos. Nos ensaios clínicos de tratamento farmacológico, concluiu que: os doentes severos, quando incluídos, são muito distintos entre si, a indústria financia maioritariamente os ensaios de antivirais e os ensaios avaliam muito pouco as variáveis com relevância clinica.
Nos 8% de ensaios dedicados à profilaxia (ex: vacinas) conclui que nenhum dos ensaios têm como objetivo avaliar a mortalidade e só 57% avaliam a incidência do COVID-19.
O Professor passou em seguida para a discussão, referindo que já foram reportados desde Janeiro mais de 2,5 milhões de casos e que a comunidade cientifica foi rápida a mobilizar-se na investigação para combater este vírus. No entanto, na sua opinião, e tendo em conta os dados analisados, as investigação em curso parecem insuficientes para encontrar num curto periodo de tempo respostas claras. Acredita que para uma maior eficácia a investigação teria que ser mais rápida, fléxivel e integrada.
Analisando mais aprofundamente os dados, os ensaios clínicos não estão a prioritizar os doentes com maior risco, o que será uma oportunidade perdida e também ressalva que apenas 15% dos ensaios têm grupos de controlo. Também o facto de 59% dos ensaios não serem multicêntricos é um fator de alerta, pois terão um maior risco de vieses e estimativas inflacionadas. Outras questões são que a maioria dos ensaios não estão a estudar variáveis relevantes e críticos para os doentes, a duração dos ensaios é relativamente curta, e as amostras em cada ensaio podem não ser suficientes.
Em termos de ensaios de tratamentos, a maioria são de antivirais, com poucos doentes de risco na amostra e com a maioria dos ensaios a excluir doentes com comorbilidades.
Uma questão que o Professor também coloca, é o benefício de 27% dos ensaios serem de medicina tradicional chinesa. Que resultados podemos esperar destes ensaios que sejam relevantes para os pacientes? Referiu também as limitações na recolha de dados: este tipo de trabalho fica muito rapidamente desatualizado porque estão sempre a começar novos ensaios, em muitos dos ensaios há omissões nos campos e há pouca qualidade de registos.
As últimas considerações foram que é necessário e urgente um registo global e de alta qualidade em relação ao COVID-19 e que é vital que as investigações feitas sejam concertadas e em relação umas com as outras, em detrimento de investigações isoladas e independentes. Assim e com uma palavra de esperança, o Professor João P. Costa acabou a sua apresentação dizendo que acredita no valor da comunidade científica e que ainda vamos a tempo de criar ensaios clínicos mais robustos.
De seguida, os presentes no webinar colocaram algumas questões, focando-se na sua maioria, na questão da exclusão de doentes com cormobilidades dos ensaios, a qualidade metodológica dos estudos e o facto da maioria dos estudos ser independente e não concertada entre vários parceiros.
Este webinar foi muito esclarecedor para entendermos as características dos ensaios clínicos que estão a ser desenvolvidos e os possíveis desenvolvimentos e melhorias que podem ser realizados para uma investigação mais robusta, de qualidade e com benefícios para quem apresenta esta doença.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial
