Reportagem / Perfil
A UL, a FMUL e o Futuro

A recente homologação dos Estatutos da Universidade de Lisboa coloca esta Instituição perante uma série de desafios com implicações junto das Unidades Orgânicas que a compõem, bem como junto de todos aqueles que nela desenvolvem a sua actividade profissional: docentes, alunos, investigadores, funcionários não docentes. Dada a pertinência e actualidade do assunto, a news@fmul colocou ao Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa algumas questões que permitem levantar o véu sobre o futuro da UL.
1. Os novos estatutos da UL implicam algumas mudanças institucionais significativas. Considera que será uma transição difícil? Quais as consequências imediatas ao nível do ensino na UL?
Certamente que sim. Os processos de mudança exigem sempre coragem e determinação. Mas o plano estratégico traçado, "Uma Alameda de Futuros", define bem o que queremos para a Universidade de Lisboa. As principais consequências ao nível do ensino serão o reforço das pós-graduações (mestrados e doutoramentos) e o desenvolvimento de programas integrados de licenciatura, comuns a diferentes Faculdades, que reforcem a ideia de uma formação de base humanística e científica.
2. De que modo os novos estatutos da UL condicionam a elaboração dos estatutos das Unidades Orgânicas?
Os Estatutos da Universidade consagram uma grande autonomia das unidades orgânicas (termo que, aliás, não me agrada!). A diversidade é um elemento central da nossa vida universitária. Só há responsabilidade e compromisso onde existe liberdade de organização. Ao mesmo tempo, há duas orientações que constituem um elemento importante da modernização da Universidade: as áreas estratégicas e o Centro de recursos comuns e serviços partilhados.
3. Que implicações terá no funcionamento da UL a criação das Áreas Estratégicas da UL (Artes e Humanidades, Ciências da Saúde, Ciências e Tecnologia, Ciências Jurídicas e Económicas, Ciências Sociais)?
Precisamos de reinventar o sentido de Universidade, e a sua organização disciplinar, a partir de grandes áreas do saber. As divisões tradicionais, que as universidades do século XIX consagraram e reproduziram, não permitem responder aos desafios da contemporaneidade. Pede-se aos universitários que sejam capazes de pensar para além do “já conhecido”, abrindo ideias novas e novos caminhos.
4. E no funcionamento da FMUL em particular?
A Saúde, talvez mais do que as outras áreas, necessita de uma intervenção multidisciplinar e multiprofissional. Do ponto de vista científico, é nas áreas de fronteira que estão a acontecer as investigações mais interessantes. Do ponto de vista da acção, é evidente a necessidade de integrar diferentes práticas profissionais. Juntar numa mesma área estratégica a Medicina, a Farmácia e a Medicina Dentária, associando sectores das Ciências e da Psicologia e, no futuro, a Enfermagem e as Tecnologias da Saúde, pode constituir uma das transformações universitárias com maior impacto social e profissional.
5. Que alterações trará, para a UL e para as UO, a criação do Centro de Recursos Comuns e Serviços Partilhados (serviços, processos, recursos humanos, financeiros, etc.)?
Os professores e os investigadores devem dedicar-se ao seu trabalho de ensino, de produção cultural e científica, de valorização económica e social do conhecimento. Uma universidade coesa não é uma instituição uniformizada ou centralizada. Bem pelo contrário. É uma instituição que compreende a diferença e que tem a coragem de a promover. Mas o suporte técnico a este trabalho deve ser profissionalizado, na gestão e na prestação de serviços, racionalizando, partilhando e tornando mais eficientes os meios ao serviço da Universidade. Esta é uma das dimensões em que a comparação com as universidades europeias de referência nos é claramente desfavorável.
6. Como vê a participação da UL na criação do Centro Académico de Medicina?
Com grande expectativa e interesse. Os novos Estatutos da Universidade vieram confirmar as minhas palavras na Aula Magna de Medicina, na abertura do ano académico 2007/2008: “A perspectiva de construir uma parceria sólida, que junte as dimensões de prestação de cuidados de saúde (Hospital de Santa Maria), de ensino e formação (Faculdade de Medicina) e de investigação (Instituto de Medicina Molecular), merece o meu apoio e o apoio da Universidade. Para todos nós, está excluído qualquer cenário de fragmentação, inaceitável quando ambicionamos situar a Universidade de Lisboa nas cem melhores da Europa. Mas é possível e desejável, com imaginação e criatividade, equacionar modalidades conjuntas de organização e de funcionamento.”
7. A inevitabilidade do processo de Bolonha condicionou desde o início o seu mandato na UL. Qual é o balanço da ampla reforma que tem vindo a ser feita?
O Processo de Bolonha está marcado, desde o início, por concepções com as quais estou em desacordo. Há uma retórica atraente, feita de –dades que substituem os antigos –ismos: flexibilidade, mobilidade, empregabilidade… tudo e sempre “ao longo da vida”. Mas Bolonha é, sobretudo, uma resposta à massificação do ensino superior e às dificuldades para manter níveis aceitáveis de financiamento público. A forma como temos procurado interpretar esta reforma na Universidade de Lisboa, construindo percursos de formação que valorizam a frequência do 2.º ciclo (mestrado), é uma tentativa de ultrapassar aspectos negativos de Bolonha. Quanto às questões pedagógicas e à valorização do trabalho do estudante, infelizmente, estamos ainda muito longe do que seria desejável. E aqui a responsabilidade é exclusivamente nossa.
8. Foi recentemente assinado um Memorando de Entendimento com as outras Universidades lisboetas. Significará uma uniformização de práticas? É uma estratégia de benchmarketing?
Não. O Memorando significa o reconhecimento de que é imprescindível uma maior ligação entre as universidades públicas de Lisboa. Pessoalmente, sou favorável a uma associação das universidades e do Instituto Politécnico de Lisboa, no quadro de uma reorganização da rede do ensino superior, que assegure uma grande diversidade de formações no interior de um mesmo espaço institucional. Se queremos ter uma grande Universidade em Lisboa, capaz de competir no espaço europeu do ensino superior, este parece-me ser o único caminho possível.
9. Que desafios se colocam à UL e à FMUL no futuro próximo (financiamento, ensino, investigação, recursos humanos, instalações, etc.)?
Seria longa a resposta a esta pergunta. Vou simplificar em três pontos: i) reforçar a investigação científica, articulando-a de forma coerente e eficaz com o ensino pós-graduado; ii) desenvolver o novo modelo de governo da Universidade, através da acção do Conselho Geral e da consolidação das áreas estratégicas; iii) aprofundar a coesão e a gestão integrada da Universidade. Este é o trabalho que temos pela frente. Ele será fortemente condicionado por três decisões externas que tenho reclamado, insistentemente, desde a minha tomada de posse como Reitor há cerca de dois anos: i) medidas de reorganização da rede do ensino superior; ii) alterações ao Estatuto da Carreira Docente Universitária; iii) regras transparentes e competitivas de financiamento do ensino superior.
Convidado:
Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa
Prof. Doutor António Nóvoa
Entrevista realizada por:
Susana Leal (sleal@fm.ul.pt)
