Auscultar a FMUL
O primeiro ano da Reforma Curricular na FMUL
Com uma coragem pouco vulgar entre as instituições clássicas nacionais, a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa aderiu à actual tendência internacional de ensinar medicina de uma forma mais integrada. No ano lectivo de 2007-2008, os alunos que ingressaram pela primeira vez na FMUL iniciaram a sua formação com um novo modelo curricular. Assim, a escola médica de Lisboa junta-se a Harvard Medical School e várias outras escolas americanas, europeias e asiáticas, na implementação de um novo plano de ensino médico.
O novo modelo de curriculum integrado substitui o ensino tradicional do passado, centrado num calendário intensivo de aulas predominantemente teóricas e dominado por um sistema feudal de Institutos ou Departamentos. Por oposição ao curriculum tradicional, onde o ensino era dividido por disciplinas independentes como Anatomia, Fisiologia, Biologia, Histologia ou Farmacologia, no curriculum integrado as várias áreas disciplinares interpenetram-se num modelo de organização mais orientado para os sistemas. Por exemplo, no primeiro ano os estudantes são alternadamente expostos a conceitos de Bioquímica (as moléculas da célula), de Biologia Molecular da Célula (os genes, o genoma e a variabilidade genética), de Imunologia (os mecanismos moleculares de geração de diversidade linfocitária) e de Biologia do Desenvolvimento (dos genes ao organismo).
A medicina que já se pratica hoje e que se irá praticar ao longo do século XXI é, sem qualquer dúvida, diferente da medicina do passado. Preparar as novas gerações de médicos para a mudança não se consegue apenas adaptando os conteúdos dos antigos curricula às novas realidades. Perante a constante evolução do conhecimento médico, o estudante de medicina deve desenvolver curiosidade pela novidade e capacidade de auto-aprendizagem. Por isso, o ensino nas faculdades de medicina deve privilegiar o conceito de “ensinar a aprender”. No novo curriculum integrado, as horas de contacto com o tradicional formato didáctico foram reduzidas e é dado ênfase à preparação, apresentação e discussão de trabalhos desenvolvidos pelos alunos. O objectivo é estimular as capacidades dos alunos para pesquisar, sintetizar e integrar abordagens multidisciplinares dirigidas para a resolução de um problema específico. Outro importante objectivo do novo plano curricular consiste em promover a ligação do conhecimento básico com a prática clínica. Um exemplo deste ensino de “translação” é a nova área disciplinar de Oncobiologia, onde se abordam os mecanismos moleculares da oncogénese de uma forma integrada com aspectos de diagnóstico e terapêutica da clínica oncológica. Finalmente, e em paralelo com o ensino das Ciências básicas nucleares, o novo curriculum integrado dá um grande relevo à exposição dos estudantes, desde o primeiro ano, à clínica e a temas fundamentais da prática médica como ética, profissionalismo, medicina social, políticas de saúde e epidemiologia.
Implementar o novo curriculum médico integrado foi um enorme desafio para todos os professores, habituados a trabalhar em “ilhas” isoladas dentro da Faculdade. Contra as previsões pessimistas dos mais cépticos, a resposta do corpo docente foi muito positiva. Ainda não conseguimos construir pontes com auto-estradas que permitam uma ligação directa e constante, mas, no primeiro aniversário da Reforma, já contamos com ligações regulares (por mar ou ar) entre as diversas ilhas. Por outro lado, os alunos tomaram consciência do papel activo que desempenham no novo modelo curricular. Os alunos aprenderam a criticar construtivamente o sistema de ensino e os professores aprenderam a reunir-se e trabalhar em conjunto, entre si e com os alunos. Até os serviços administrativos aprenderam a dialogar construtivamente com os professores e alunos. Em resumo, o primeiro ano da reforma foi um excelente princípio, mas não passou de um começo. Temos pela frente um longo caminho de mudança a construir. A todos os colegas, alunos e funcionários envolvidos no novo plano curricular, o meu muito obrigado pelo vosso empenho nesta aventura.
Maria Carmo-Fonseca
Coordenadora Pedagógica do 1ºano do Mestrado Integrado em Medicina