Hoje é dia Mundial do Lúpus
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Pintura

O lúpus é uma doença com um nome sui generis e marcante. O nome surgiu no século XIII, atribuído ao médico Rogerius, que descreveu lesões faciais que fariam lembrar a dentada de um lobo. Um longo período de tempo decorreu até que se entendesse, em 1872, por Kaposi, que a doença então conhecida por lúpus eritematoso podia ter manifestações sistémicas muito graves. Foi este médico que propôs a existência de uma forma discoide (cutânea) e uma forma disseminada (sistémica). O século 20 permitiu uma compreensão genética, molecular e imunológica da complexidade da doença que permitiu entendê-la melhor, definir fatores de prognóstico, medir a atividade e adequar as opções terapêuticas, sempre em desenvolvimento, às características de cada doente.

É importante salientar que a primeira terapêutica verdadeiramente eficaz só foi introduzida por Hench nos anos 50 do século passado. E continuam a ser um fármaco chave, em doses adaptadas às manifestações da doença. A história das intervenções terapêuticas foi caracterizada pela adaptação ao lúpus de medicamentos existentes para outras doenças. São exemplo disso os antimaláricos, os agentes citotóxicos e até mesmo a primeira terapêutica biológica utilizada (sem aprovação formal pelas agências do medicamento), o rituximab, um anticorpo monoclonal anti linfócito B (anti CD20), importado da terapêutica dos linfomas. Só nos últimos 20 anos surgiram terapêuticas desenhadas de raiz para o lúpus, com destaque para o primeiro biológico aprovado nesta doença, o belimumab (anti BLYS), que diminui a atividade dos linfócitos B.

Pela sua heterogeneidade e complexidade tem sido difícil a documentação de eficácia e segurança de novos fármacos em contexto de ensaios clínicos. Tem sido, por isso uma doença órfã na inovação terapêutica, apesar da visibilidade que tem, como é exemplo a frase “It’s not LUPUS”, numa série televisa que celebrizou a doença. Pela dificuldade de uma correta perceção do que é esta doença para quem não tenha formação biomédica e pela consciência coletiva das fragilidades ainda existentes nas opções terapêuticas disponíveis esta é ainda uma das doenças que mais temor induz no momento do diagnóstico. É importante destacar a relevância do diagnóstico precoce e da monitorização apertada da doença que permite mudar significativamente o prognóstico e rentabilizar muito mais as terapêuticas disponíveis. O lúpus é uma doença incurável, mas tratável, que permite uma vida normal desde que exista um “contrato” de seguimento atento entre o doente e o médico.

homem com cabelo preto

 

João Eurico Cabral da Fonseca

Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa Maria, CHULN

Unidade de Investigação em Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular

Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa