Era meio dia e meio, quando pontualmente e rigorosamente os seis jurados com vestes pretas como manda a tradição, deram entrada na sala da Aula Magna da Reitora da FMUL. Uma sessão solene estava prestes a começar.
Aos poucos alguns lugares na plateia iam ficando ocupados. De cada lado da entrada, duas mesas quadradas. Uma delas iria ser ocupada pela figura central deste rol, a Mestre Maria Inês Chendo. Médica Psiquiatra, preparou e desenvolveu estudos com 92 pacientes de Parkinson. O objetivo era o de perceber os sintomas e as síndromes psiquiátricas nos vários estádios de manifestação da doença. Com a supervisão do Prof. Doutor Joaquim Ferreira e da Prof. Doutora Valerie Voon e os olhares e ouvidos atentos dos restantes membros do júri, um deles via remoto, Maria Inês Chendo começou a sua apresentação. Tinha 20 minutos para expor a sua tese. De forma aparentemente tranquila, apresentou os dados, o percurso e as conclusões. Foi certinha, sistemática e coordenada como um relógio. Exatamente 20 minutos. Devem ter sido os mais longos da sua vida, mas cá para fora não deixou transparecer nenhuma emoção que revelasse algum temor. O semblante estava carregado, mas o peso da situação assim o exigia, era normal!
“The Neuropsychiatric Symptoms and Syndromes in Late-Stage Parkinson´s Disease Study”- foi o tema da tese que esteve a ser avaliado no dia 10 de janeiro, mas a verdade é que este trabalho - que demorou 7 anos a estar concluído- e as suas conclusões, já tinham sido “validades” pela publicação de dois artigos em revistas cientificas. É um prestígio enorme ter trabalhos publicados, não só para o autor, mas também para a instituição a que está ligado. É uma espécie de relação de simbiose que se gera entre investigador e instituição.
Mais tarde, já quando a apresentação tinha terminado ainda se sentia a adrenalina no ar e numa conversa informal, explicou “demorei todo este tempo a fazer a tese porque a minha vida não parou. Continuei a trabalhar a ter uma série de tarefas para fazer e acrescentei mais esta”. Uma amiga que assistia ao momento, acrescentou “foi mãe de dois filhos pelo meio,”.
Esta conversa decorreu ainda quando aguardava a decisão dos jurados e apesar de ainda haver muitos nervos, ou melhor “medo” como a própria fez questão de frisar, sabia que tinha corrido bem! Raquel Bouça e Catarina Sousa amigas e companheiras no trabalho, estiveram sempre na plateia e estavam muito orgulhosas. Não se cansavam de dizer que a apresentação tinha sido muito clara e objetiva e já falavam na possibilidade de um jantar, “para festejar”. Mas Maria Inês Chendo ainda estava lá atrás, no momento da apresentação da sua tese. “Ainda não descontraí”, dizia fazendo o gesto com as mãos e respirando um pouco mais profundamente, como fazemos quando queremos desacelerar. Foi muita tensão! É um momento de grande responsabilidade e é impossível não refletir isso de forma emocional e até corporal. Durante a apresentação da tese, tinha na mão um objeto que manuseava vigorosamente, ainda que discretamente. Uma forma de escape, talvez!
Os seis jurados presentes na sala, sentados numa mesa corrida da Reitoria, e o sétimo elemento online diretamente da cidade do Porto, tinham tido acesso prévio à tese, obviamente, e traziam algumas dúvidas, mas Maria Inês Chendo tinha as respostas “na ponta da língua” e uma a uma foi dissipando as dúvidas, esclarecendo detalhes.
No final, as avaliações foram muito positivas. O Professor Manuel Gonçalves Pereira, da Nova Medical School começou por enaltecer a atitude “muito corajosa em ter escolhido este grupo de doentes porque, em estados avançados, requer critérios muito específicos,” revelando ainda ser uma tese “original que trás conhecimento científico” que “gostei muito de ler e está muito bem escrita.” A Neurologista e Professora Associada da FMUL, Isabel Pavão Martins destacou a audácia dando os parabéns por ter avaliado doentes tão incapacitados. Carlos Góis, Psiquiatra no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Departamento de Neurociências e Saúde mental do CHULN e Professor Auxiliar com agregação convidado na FMUL, destacou o investimento feito ao ter de avaliar 92 pessoas em contexto domiciliário, “o que isto implica” em termos de deslocações e investimento de tempo pessoal.
Joaquim Ferreira, Diretor do Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Professor Associado da FMUL, agregou a tarefa de supervisionar esta tese e no seu breve discurso denotou-se orgulho e partilhou com os presentes um sentimento muito honesto: “eu também estou a ser avaliado”, justificando assim, porque o caminho percorrido até à última das 277 páginas que compunham a dita tese, tinha sido muitas vezes feito pela sua mão, pela sua opinião, pela sua experiência e rigor científico.
O Neurologista especialista em Doenças do Movimento, Nuno vila Chã, e a Prof. Doutora Leonor Correia-Guedes, Neurologista e investigadora no iMM, fizeram parte do grupo de jurados presididos pela Professora Helena Cortês Pinto.
No final, levantaram-se, abandonaram a sala e aqueles minutos de espera pela deliberação foram eternos. Na apresentação de uma tese de Doutoramento, o tempo divide-se em 40 minutos entre os dois jurados e a argumentação da futura doutorada, 5 minutos para cada um dos restantes jurados, 20 minutos de apresentação inicial e no total a prova não pode ultrapassar a duração máxima de 2h30.
Não sei exatamente o tempo que o júri demorou a chegar a uma conclusão, mas passando alguns minutos Maria Inês Chendo foi chamada. Saiu e quando voltou vinha feliz ainda que extravase essa felicidade de forma contida, comedida. As amigas festejaram por ela, “foi avaliada com o grau mais alto”, diziam enquanto Maria Inês desvalorizava.
Este é um dia que vai ficar gravado na memória da agora Professora Doutora Maria Inês Chendo e também na retina de mais algumas pessoas.
Para a história vão ficar as atas lavradas com os votos e respetiva fundamentação dos jurados.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial