O Dia Mundial da Voz nasceu na Faculdade Medicina de Lisboa, pelo mão do então diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria, Professor Mário Andrea que era também, Presidente da Sociedade Europeia de Laringologia e que graças ao prestígio e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, teve uma pronta aceitação por parte dos seus pares por todo o mundo, Europa, EUA, América do Sul, Austrália, Japão, incluindo países como a Rússia e a Turquia, criando assim uma celebração no mesmo dia, no mundo inteiro, o dia 16 de Abril.
Como surge a voz?
O que nos permite esta capacidade de vocalização é um complexo aparelho vocal constituído por vários órgãos em que, tal como numa orquestra, cada um desempenha uma função, mas que em uníssono, produzem um som e conferem um timbre. As cordas vocais, duas pregas localizadas na laringe, vibram sempre que o ar enviado pelos pulmões, passa por elas. Depois, a faringe a língua os dentes os lábios e as fossas nasais, em conjunto, contribuem para articular e modelar o som e conferir assim a cada pessoa uma voz única.
Cantores e jornalistas há muito que reconheceram na voz uma importância maior e foram alguns dos responsáveis pela difusão rápida e eficaz desta data, que foi criada com o objetivo de sensibilizar para as doenças do aparelho vocal. “Os artistas que trabalham com a voz consultam um otorrino com muita frequência porque há muito que perceberam que é preciso estar atento,” quem o diz é Óscar Dias, Professor Catedrático na FMUL e médico no HSM. “Foram eles que ajudaram a difundir a importância das mensagens associadas a esta data, acabando por ter repercussões maiores do que nós algum dia imaginámos”, diz revelando, com muito orgulho, que fazia parte do grupo de trabalho do Professor Mário Andrea, quando a ideia para a criação desta data deu os primeiros passos. “Estive lá desde o princípio e não posso deixar de enaltecer o feito porque nem que tivéssemos contratado uma grande agência de comunicação, teríamos chegado tão longe,” garante, e a importância de “chegar tão longe” é relevante porque falamos de prevenção e de saúde pública, poupando vidas, garantindo bem-estar e poupando dinheiro ao erário público.
Otorrinolaringologistas, terapeutas da fala e professores de canto de todo o mundo uniram-se, trocaram impressões e conhecimento e todos contribuíram com o seu know-how para que a ideia ganhasse estrutura e a 16 de abril de 2003 O Dia Mundial da Voz comemorava-se pela primeira vez. “Um cantor pode fazer um rastreio e aparentemente estar tudo bem, mas o professor de canto partilha que esse aluno não consegue chegar, por exemplo, a tons mais altos ou graves ou agudos e o médico vai então tentar perceber porquê. O médico pode não perceber de música e o professor de canto tem dificuldade em perceber de medicina, por isso, esta partilha foi essencial para aperfeiçoar técnicas de diagnóstico e para estar alerta para situações que não eram evidentes.”
Com a criação desta data, permitiu-se dar “visibilidade” à voz modificando por completo o diagnóstico das várias doenças (benignas e malignas) que podem afetar a voz e, por consequência, o seu tratamento e recuperação,” como diz no Trabalho Final de Mestrado da Discente Ana Isabel de Barros Martins e que conta toda a história.
A redução substancial do cancro da laringe foi uma das metas atingidas e a atenção passou a ser canalizada para outras situações, menos graves, mas igualmente causadoras de desconforto e de doença. A rouquidão por exemplo, “foi desconsiderada durante muito tempo” e merece vigilância sobretudo se se mantiver por um período de mais de 15 dias. Por exemplo as leucoplasias e queratoses laríngeas dos fumadores podem evoluir para um tumor maligno, mas que nas fases iniciais se traduzem apenas por rouquidão. O refluxo provoca rouquidão e necessidade de limpar as cordas vocais, (pigarrear), ardor e até sensação de falta de ar. Pólipos, nódulos e quistos são situações benignas que aparecem sobretudo ligados ao esforço vocal e que se traduzem por alterações na voz sendo a rouquidão a mais frequente.
Saiba que…
A qualidade da voz é comprometida por a esforçarmos em ambientes poluídos, ar seco, ar condicionado e ambientes ruidosos. Evite falar durante longos períodos, falar muito alto ou
quando está em esforço.
Uma postura correta, coordenar a respiração e a fala, beber água e dar períodos de descanso melhora a saúde da sua voz.
Mário Andrea é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, foi diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do HSM durante 33 anos e é ele o responsável pela criação desta data festejada em todo o mundo. “Em 2002 quando assumi a presidência da Sociedade Europeia de Laringologia o mundo era muito distante e a minha ideia era juntar o mundo inteiro, no mesmo projeto, destinado a comemorar a voz.” Fez os contactos necessários nomeadamente com a congénere americana cuja dimensão era enorme e que se mostrou desde logo interessada em abraçar a iniciativa. Em abril de 2002, “disse que no ano seguinte iriamos comemorar o Dia Mundial da Voz. Nunca duvidei que acontecesse,” garante com a voz cheia de energia e emoção. Garantiu que este dia trouxe visibilidade à voz e isso traduziu-se na redução do número de cancros da laringe que apareciam sobretudo “em estádios muito avançados, T3 e T4 e que foi possível, também, diagnosticar mais cedo. Algumas patologias benignas passaram a ser detetadas precocemente, permitindo tratamentos menos agressivos como terapia da fala em vez de microcirurgia da faringe.”
Recorda ainda que a criação deste dia passou pela concretização de vários objetivos previamente definidos: “havia o objetivo assistencial que passava por haver rastreios gratuitos junto da população e em que numa semana tivemos mais de 800 pessoas no hospital. O educativo, que se traduzia por passar a mensagem aos médicos que estavam em formação e cujo resultado foi um boom de teses de mestrado relativas ao assunto.” Concertos com a participação de cantores que atraiam multidões para a causa foram também uma forma de difundir a mensagem. “Organizámos concertos memoráveis na Reitoria da Universidade de Lisboa, UL, e contámos sempre com o apoio incondicional do então Reitor, António da Nóvoa.” E por fim, um objetivo científico que permitiu a existência de reuniões multidisciplinares. “Em Santa Maria tínhamos consultas da voz multidisciplinares desde 1995 e contavam com a presença de um psicólogo. Porquê? Porque a voz reflete e traduz tudo o que estamos a sentir.” Muitas vezes uma voz cansada e sumida não revela uma patologia diretamente a ela ligada, mas é o sintoma de outra doença, como a depressão, “a perda, luto que não foram feitos, falta de descanso, cansaço a voz traduz isso tudo.” Daí a importância de integrar profissionais de outras especialidades numa consulta de voz.
Para ter uma voz saudável os conselhos do otorrinolaringologista são os mesmos já referidos, mas dá enfase à “hidratação. Beber água é muito importante e usar o nariz para respirar também! Encaminhamos as pessoas para a aula de pilates ou de yoga porque saber respirar e ter uma boa postura são condições para ter uma voz saudável.”
As campanhas que foram criadas ao longo dos anos com frases e cartazes sugestivos abrangeram também as camadas mais jovens com visitas a escolas do 1º ciclo. É sabido que os mais novos potenciam a geração dos pais e dos avós a adquirirem novos hábitos, e foi isso que a campanha “Oiça a sua voz” e “Goste da sua voz,” fizeram. Mudaram a forma como várias gerações olhavam para a voz e evitou-se assim, muitas doenças que iriam limitar uma ferramenta importante de socialização e de interação: a voz! Hoje, a preocupação centra-se sobretudo no envelhecimento da população e na manutenção de uma voz saudável até ao último dia de vida.