Comunicado do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP)
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Ao longo das últimas semanas, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) tem assumido as suas responsabilidades de intervenção cívica, tendo agido pró‐ativamente – através de múltiplas intervenções – nomeadamente, no sentido de solicitar à Direcção‐Geral da Saúde (DGS) e demais entidades a disponibilização dos dados de doentes suspeitos da infeção COVID‐19 em Portugal. Tal motivou inclusive uma carta aberta e uma petição pública online contando com mais de 5000 assinaturas e cujos signatários incluem os Diretores e Presidentes das Escolas Médicas Portuguesas [1].

Na sequência dessas ações, o Primeiro‐Ministro comunicou no dia 24 de Março que “a DGS vai passar a libertar todos os dados anonimizados de forma a permitir o acesso livre por todas as equipas de investigação nas mais diferentes áreas” [2]. Não obstante, tal não se concretizou, pelo que os investigadores continuam sem acesso aos dados necessários [3].

O CEMP considera que a disponibilização e análise independente dos dados dos doentes suspeitos de infeção COVID‐19 é fundamental para melhorar a qualidade de cuidados de saúde prestados, através dos seguintes motivos: A) Produção de conhecimento de modo a ser capaz de responder a questões de interesse clínico no que respeita à abordagem dos doentes COVID‐19:

  • Tais questões incluem a identificação de fatores de prognóstico da infeção COVID‐19, ou o esclarecimento de hipóteses/controvérsias relativas ao potencial papel de certas medicações e que ainda não foram devidamente testadas [4‐5];
  • Produção de conhecimento de modo a informar as políticas e decisões em saúde: A análise de dados pode ajudar os decisores a tomar medidas mais adequadas de modo a minorar o risco de sobrecarga dos serviços de saúde. A título de exemplo, destaque para o estudo assinado pelo Director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, no qual eram avaliadas as implicações sanitárias e económicas subjacentes ao aumento da execução de testes para a infeção COVID‐19 [6]
  • C) Auxílio aos profissionais que estão no terreno – e.g., delegados de saúde – nomeadamente, em aspetos que vão desde a recolha à análise de informação relativa aos doentes COVID‐19, contribuindo para minorar as dificuldades na gestão destes pacientes [3]
  • D) Transparência e subsequente aumento da confiança dos cidadãos nas instituições: Face aos sacrifícios pedidos, é fundamental para os cidadãos terem confiança no Estado e nas suas instituições. A disponibilização dos dados, a cientistas e académicos independentes, constitui um ato de transparência que contribui para mitigar eventuais desconfianças em relação aos dados oficiais apresentados pela Direcção‐Geral da Saúde.

Por tudo isso, o CEMP insiste na necessidade de disponibilização dos dados de doentes suspeitos de infeção COVID‐19 por parte das entidadesresponsáveis – com especial destaque para a DGS. O CEMP está também convencido que o país tem, nas suas escolas médicas, os investigadores capazes e motivados para produzir conhecimento útil ao combate à pandemia COVID‐19. As escolas médicas querem, neste momento de emergência nacional, ajudar o País e estão totalmente disponíveis para o fazer.

Portugal, 28 de março de 2020.

 

O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas,

Fausto J. Pinto, Presidente do CEMP e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Altamiro da Costa Pereira, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Carlos Robalo Cordeiro, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Henrique Cyrne Carvalho, Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas
Abel Salazar Isabel Palmeirim, Presidente do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da Universidade do Algarve
Jaime Branco, Diretor da Nova Medical School | FCM da Universidade Nova de Lisboa
Miguel Castelo Branco, Presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior
Nuno Sousa, Diretor da Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

Referências:

1. Acesso imediato a dados de doentes suspeitos de covid‐19 para investigação científica. Petição Pública (https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT97365&fbclid=IwAR1iBuJooceuCaPgyHjfwdLF04sFkNibz9TZoW W0Se0yNE5bFo‐XyYYgw1k)

2. Covid‐19: DGS vai libertar dados anónimos da COVID‐19 para investigação. In S+. 25 de Março de 2020 (https://www.saudemais.tv/noticia/8279‐covid‐19‐dgs‐vai‐libertar‐dados‐anonimos‐da‐covid‐19‐para‐ investigacao)

3. Sem resposta, cientistas continuam a apelar ao acesso imediato de dados da covid‐19 em Portugal. In Público. 26 de Março de 2020 (https://www.publico.pt/2020/03/26/ciencia/noticia/resposta‐cientistas‐continuam‐ apelar‐acesso‐imediato‐dados‐covid19‐portugal‐1909511)

4. Li Z, Li X, Huang YY. FEP‐based screening prompt drug repositioning against COVID‐10. bioRxiv. 2020 (https://doi.org/10.1101/2020.03.23.004580)

5. Yang C, Jin Z. An acute respiratory infection runsinto the most common noncommunicable epidemic – COVID‐ 19 and cardiovascular diseases. JAMA Cardiology. 2020.

6. Sousa‐Pinto B, Fonseca JA, Costa‐Pereira A, Rocha‐Gonçalves FN. Is scaling‐up COVID‐19 testing cost‐saving? medRxiv. 2020 (https://doi.org/10.1101/2020.03.22.20041137)