A Carolina Monteiro não é o caso comum que sempre nasceu a querer Medicina. Apaixonada convicta pelo Cinema optou pelo caminho das Ciências, área onde sentia que podia ser mais útil para os outros. E se por um lado pode ser tentador a panóplia de saídas profissionais, por outro, Carolina diz que cria um conflito interno em que não se sabe quais os verdadeiros interesses na vida. Foi apenas no 11º ano que se vislumbrou nas práticas clínicas, aprendendo que por vezes a decisão vem pela exclusão de partes. “Medicina não é a minha primeira paixão, mas é naquela em que sou melhor”, diz-me. Claramente perfecionista diz que a falta de qualidade lhe causa imediato stress. Apesar de filha e menina única na família, só agora destronada por uma prima recente, considera no entanto que precisa do seu espaço próprio, apesar da saudade natural dos pais e dos cães que fala como família. Natural de Castelo Branco já não troca uma grande cidade pela sua terra natal porque tem sede de conhecimento e de cultura que diz ser de menor acesso aos meios mais pequenos.
Está a aprender alemão porque quer fazer Erasmus no 5º ano, a mãe que viveu os anos de vida na Alemanha ainda tentou que Carolina fosse bilingue, mas é a própria Carolina que refere sempre ter recusado a interação com uma segunda língua. Gosta de desafios, isso é claro. Conheci-a no Dia do Candidato porque se inscreveu para ser uma das tutoras que recebe os novos alunos do 12º ano que visitam a Faculdade. Enquanto tutora guia-os nesse dia e faz um tour académico aos mais novos explicando os recantos e curiosidades da casa. Também ela quer ir experimentar novos circuitos e por isso ser aluna de Erasmus é um objetivo, mas tem inerente ao desafio sabe que há barreiras a transpor. A língua é o seu grande desafio agora, já que dominar termos técnicos em alemão não é tarefa fácil para quem nunca os aprendeu antes. Mas a oportunidade é única e não a quer desperdiçar.
Suficientemente independente já nem se imagina muito tempo debaixo da asa dos pais, ingressar na Faculdade de Medicina obrigou-a a criar novas dinâmicas e a partilhar espaços e diferentes hábitos. Se no primeiro apartamento as suas parceiras eram festivas demais, não a permitindo concentrar-se o suficiente, já as atuais fazem silêncio a mais. Sinal que a Carolina também mudou enquanto atravessou já dois anos de curso. Viver fora de casa não tem só um custo social, também é financeiro, em números redondos viver num quarto em Lisboa obriga a uma gestão mensal de €400, sem contemplar refeições e transportes.
Em paralelo com a formação académica, continua à procura de um curso na área da Cinematografia, apaixonada pelo cinema de Autor, ver a ficção na grande tela é quase a sua segunda alimentação.
Diz que é muito pessimista mas não parece, de olhar vibrante parece retirada de um dos filmes do Harry Potter e digo-lhe isso, responde que são os óculos que lhe dão essa imagem, mas não, é da postura curiosa e atenta a tudo, sempre acelerada e curiosa.
Observei-a no Dia do Candidato enquanto conduzia um grupo de alunos e foi a magia que impôs a tudo o que contou que me fez procurá-la de novo. Seguramente que fez diferença nesse dia, pelo menos, no pensamento de um futuro novo aluno.
Porque é que foi importante para ti fazer parte do grupo de tutores do Dia do Candidato?
Carolina Monteiro: Para nós como tutores é sempre bom porque já temos uma visão diferente da Faculdade e já temos outra experiência. Contactamos com pessoas novas e que poderão estar interessadas no mesmo que nós. Já para o aluno que vem eu diria que um dia aberto sem a perspetiva e acompanhamento de um aluno que já cá esteja, não teria grande valor. A visão que esses alunos teriam da Faculdade dificilmente corresponderia à realidade. Iam ver um ou outro espaço, mas sem a visão realista das coisas.
Também vieste ao Dia do Candidato no teu 12º ano?
Carolina Monteiro: Vim e depois inscrevi-me na Faculdade e entrei esse ano. Mas aquilo que vi nesse dia não tinha grande relação com aquilo que depois a Faculdade é. Há um foco muito grande no iMM, que é efetivamente uma grande mais-valia de contacto com a Faculdade, mas não contactamos assim com eles com tanta regularidade. Diria que é mais na perspetiva de mostrar as oportunidades que a faculdade tem e não tanto as rotinas reais.
O que é que se podia fazer mais no Dia do Candidato que aproximasse estes alunos mais à realidade dos alunos de cá?
Carolina Monteiro: Não é fácil a solução, porque só num dia e com a limitação de horas claro que não se consegue ilustrar a rotina.
O que é que te chamou mais a atenção no teu Dia do Candidato?
Carolina Monteiro: O contacto com os alunos mais velhos e as suas histórias e perceber que hábitos de estudo têm e como é que os criaram. Uma das informações que mais queríamos saber na altura e que se mantém é como é que se estuda aqui. E um Professor nunca vai responder a isso, vão dizer que temos de ler a bibliografia, mas o facto é que ninguém tem tempo para ler 9 livros. (Ri) Outra preocupação e que é comum aos novos que chegam é perceber como é a praxe aqui. Quem chega tem muito essa preocupação.
E como é a praxe aqui?
Carolina Monteiro: Nunca sei responder muito bem porque não participei na minha e nunca tive muito uma visão alargada sobre o assunto para o poder esclarecer. Não é dos lugares onde haja muito interesse até por parte dos alunos. No primeiro ano há muita gente a participar na praxe, mas depois a maioria das pessoas acaba por desistir porque há muitos projetos e tarefas ao mesmo tempo.
Qual foi o teu grande rombo quando entraste aqui depois de um dia harmonioso como o Dia do Candidato?
Carolina Monteiro: Não foi tanto adequar o meu método de estudo, porque ele já era bastante sólido, mas foi deparar-me com a Anatomia e que tem de ser estudada de forma diferente e eu hoje em dia continuo a achar que não sei estudar de forma adequada Anatomia. (Ri) Depois foi aprender a conciliar atividades extra escolares, com a vida escolar, porque o curso de Medicina consome-nos muito. É engraçado, quando nos reunimos com amigos daqui da Faculdade, a tendência é acabarmos a falar do nosso curso e percebe-se a dificuldade de conseguirmos conciliar essas duas vidas.
E consegues conciliar as duas?
Carolina Monteiro: No ano passado não consegui, este ano sim. O primeiro semestre do ano passado… (fica a pensar)
É muito duro para quem chega?
Carolina Monteiro: Eu diria que sim. Obviamente depende dos objetivos da pessoa, mas diria que sim. Claro que há sempre as pessoas que ficam no meio, mas acho que se pode ver de duas diferentes perspetivas: ou as que mal chegam no primeiro semestre andam meio perdidas e querem é aproveitar e viver as festas todas, e depois há aquelas que ficam tão assustadas com a quantidade de trabalho que não fazem mais nada, foi o que me aconteceu. Eu só sabia estudar.
Ficaste deprimida nesse período?
Carolina Monteiro: Eu não estava muito bem psicologicamente, estava sempre fechada em casa a estudar, nem sequer vinha estudar para aqui, estava sempre em casa. Não fazer mais nada e só estudar, desencanta.
Como é que resolveste o problema?
Carolina Monteiro: Por habituação. No primeiro semestre do 1º ano trabalhei imenso e tive muito boas notas. Cheguei ao final do semestre e como fiz tudo à primeira tive direito a duas semanas de férias, entre semestres. Mas estava tão exausta que não consegui fazer nada! Fiquei literalmente deitada no sofá o tempo todo. Eu estava demasiado cansada e sabia que já não ia conseguir manter o mesmo ritmo de estudo. Acho que foi o meu corpo a criar uma obrigação comigo, então deixei de ter o ritmo que tinha e, aos bocadinhos, fui desistindo. Continuava a trabalhar, mas parei com essa quase obsessão. E acabei por ter os mesmos resultados, se calhar a minha média baixou apenas duas décimas, mas não é relevante. Não se justificou a quantidade de trabalho.
Fizeste amigos no 1º ano ou nem deste espaço a isso?
Carolina Monteiro: Não, nada. No 1º semestre estava totalmente isolada. Só me dava com algumas pessoas de Castelo Branco que também cá estavam comigo, mas nem eram meus amigos lá. Os amigos comecei a fazê-los no 2º ano. Mas somos muitos ao todo, quase 400, demora tempo.
Perdeste-te muitas vezes aqui nestes edifícios?
Carolina Monteiro: Perder-me aqui? No Egas Moniz não, mas no Hospital ainda me perco! (Dá uma gargalhada)
Já levas este 2º ano com mais leveza?
Carolina Monteiro: Ai sim! Eu tinha uma auto pressão muito grande porque achava que não podia falhar em nada, nem chumbar a nada. Mas agora já não levo isso como uma catástrofe, se acontecer e se for a uma segunda fase, não é o fim do mundo como já achei que era.
Disseste auto pressão, essa pressão veio mesmo de ti ou é incutido pela família?
Carolina Monteiro: No meu caso sou mesmo eu. Noutros casos de colegas meus há essa pressão da família sim, mas os meus pais nunca me colocaram metas para resultados ou para fazer mais. Não!
Se te desafiassem para contares aos novos alunos o que passaste no primeiro ano, aceitarias expor-te num auditório cheio de novos alunos?
Carolina Monteiro: Sim! Eu aceitaria mas não sei se seria benéfico. Porque um relato de um 1º ano e, salvo raras exceções, nunca é muito positivo. (Começa a rir) Tive vários colegas meus que quando descobriram que eu ia ser tutora do Dia do Candidato disseram-me logo, “não assustes as pessoas novas”. Porque sou um bocadinho pessimista e sofro com as coisas, principalmente com Anatomia, onde parece que a avaliação não é muito justa.
Explica-me.
Carolina Monteiro: Na primeira oral aquilo não me correu nada bem, até fiquei a chorar na sala e até acabei por ter uma nota razoável. Depois no 2º semestre eu estava mais preparada, porque finalmente neste semestre consegui estudar a matéria toda, mas só a li uma vez e se calhar tive sorte nas perguntas que me fizeram e tive melhor nota, mas foi sorte na escolha das perguntas.
E também é uma questão de sorte os Professores que se encontram pelo caminho?
Carolina Monteiro: Sem dúvida! Os Professores com quem temos mais proximidade são os das práticas e teórico-práticas, porque somos menos por turma, há que dizer que a adesão às aulas teóricas não é grande. À medida que temos trabalho para fazer, chegamos a uma fase em que há aulas que não têm ninguém.
E isso acontece porquê?
Carolina Monteiro: Vários motivos. Temos muitos trabalhos para fazer, temos de preparar apresentações orais, não é depois compatível com ter de estudar, ir a orais e depois a teóricas. Por isso o aluno escolhe a dedo as aulas a que vai. E isso muito pelos Professores que vão dar as aulas. E dou exemplos já, o Professor Bruno (Silva-Santos), as aulas dele estão sempre cheias, a grande parte dos alunos vai às aulas dele. Ele é excelente, tem muita facilidade em transmitir informação, é didático, interage connosco e obriga-nos a pensar, desenvolve um bom ambiente em sala de aula. Nós saímos a perceber alguma coisa, mas não tudo porque ele trabalha três vezes mais acelerado que nós. (Ri) E grava as aulas para nós podermos acompanhar tudo melhor, ele é fantástico! Depois há aulas em que os Professores passam um powerpoint e limitam-se a ler, ou a dizer uma informação ou outra. Nesses casos pensamos, “isto consigo eu ler em casa e mais rápido” e portanto é essa decisão da gestão do tempo que fazemos.
Se te pedir mais nomes de Professores vibrantes a dar aulas. Há?
Carolina Monteiro: O Professor Miguel Castanho! Fui às aulas todas dele! Não faltei a nenhuma, porque ele é excelente e usa um livro do qual ele é coautor, ele é muito direcionado ao livro, mostra as imagens e acompanha com explicações sólidas. Acaba as aulas e perde sempre 10 / 15 minutos a tirar-nos dúvidas e fica lá, disponível. A Professora Maria do Carmo também fui às aulas todas dela, como o exame de Biologia Molecular é escrito e só com duas ou três perguntas de escolha múltipla, é preciso muita atenção. Ir às aulas dela ajuda imenso porque ela até ensina coisas que não estão nos livros e só se aprendem em aula. Depois não posso deixar de falar da Professora Hélia Neves de Histologia e Biologia do Desenvolvimento, é por quem tenho mais carinho. É uma excelente Professora, muito compreensiva connosco.
E há aquela figura que vos coloque em sentido?
Carolina Monteiro: A Professora Maria do Carmo dá um bocadinho essa ideia no início, porque falar nas aulas dela não é opção, se há burburinho ela põe mesmo as pessoas na rua. Depois é na Anatomia e em contexto das aulas práticas que há Professores que criam ambientes desconfortáveis. Há uns que não nos deixam sequer interpelar ao longo das aulas, há casos em que só nos deixam colocar dúvidas no fim. Mas em contexto de aula prevalecem os Professores que sabem ensinar.
À medida que vai tendo contacto com outras disciplinas, a Carolina diz que parece uma criança de 4 anos quando escolhe uma profissão por semana. A cada cadeira que a fascina pensa que quer seguir aquela especialidade. Uma coisa é certa, quer ficar na área clínica, mas ainda tem o mundo inteiro para descobrir e encontrar o caminho certo. O medo e a ansiedade, essas, já as arrumou e soube seguir em frente. Para o próximo ano letivo cá estará disponível para receber os mais novos. E quem sabe contar-lhes algumas das experiências que acabou de partilhar comigo.
Joana Sousa
Equipa Editorial