A propósito das pandemias, do medo e das máscaras | Prof. Francisco Antunes
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No século V (a.c.) o tifo matou ⅓ da população de Atenas, a mais poderosa cidade-estado da antiguidade, no século V (d.c.) a malária acelerou a queda do Império romano do Ocidente e no século XV (d.c.) o sarampo e a varíola enfraqueceram os povos do Novo Mundo (Américas), no início da colonização europeia.

pintura antiga com pessoas a sofrer com a peste negra em Atenas
Peste numa cidade antiga, de Michael Sweerts (1652-4), admitindo-se a referência à “peste” de Atenas (séc. V a.c.)

 

No entretanto, foi a Peste Negra a pandemia mais devastadora da história da humanidade, atingindo o seu pico na Europa no século XIV, tendo retornado várias vezes como surtos até ao início do século XX. Estima-se que a Peste Negra tenha matado entre 30% a 60% da população da Europa, no século XIV. A peste bubónica arrasou a Europa, com uma série de convulsões religiosas, sociais e económicas, pondo um ponto final à ordem medieval.

quadro antigo demonstrativo do caos entre as pessoas durante pandemias
O triunfo da morte, de Peter Bruegel o Velho (1562), uma referência à Peste Negra na Europa (séc. XIV d.c.)

 

O medo, na altura instalou-se em plena pandemia, tendo sido interpretada como punição divina, actos maléficos de Satanás e dos seus demónios (causando dor e sofrimento), a nuvem negra (saída das profundezas da terra, do próprio inferno), a incêndio que alastrava pela terra e pelo céu (com demónios a conduzir as chamas, sendo a calamidade trazida pela própria morte), a um veneno e a fenómenos cósmicos (associados à aparição de cometas). O tratamento resumia-se às orações, aos amuletos e medalhões e ao fogo da purificação. Apenas no século XIX é que foi identificado o agente, donde vinha e como se transmitia. Yersinia pestis, a sua origem nos ratos e a transmissão por pulgas destes roedores deram por fim ao mistério desta pandemia e que justificava o medo.

Em relação à COVID-19 já não é assim, muito rapidamente se reconheceu a sua origem, o agente, a transmissão, as medidas de prevenção (não farmacológicas) e, ainda, já se conhecem algumas medidas eficazes de tratamento como, por exemplo, o remdesivir e a dexametasona. Hoje não há razão para ter medo, desde que se adoptem as medidas de prevenção disponíveis. O distanciamento físico, a lavagem/higienização das mãos e as máscaras, em conjunto, são meios muito eficazes, admitindo-se que possam prevenir 80% das infecções.

As medidas de protecção individual já eram adoptadas durante a Peste Negra. As máscaras, com bico de ave de 15 cms e com dois orifícios na ponta, eram perfumadas, com a finalidade de proteger os “médicos da peste” do ar venenoso e dos miasmas. Porém além da máscara, estes “médicos da peste” usavam casaco com cera perfumada, luvas de pele de cabra, calças ligadas a botas e uma vara para afastar os doentes. No passado, as máscaras já eram consideradas como um elemento protector, muito antes de se saber a verdadeira causa das pandemias, os vírus e as bactérias.

Médico antigo com máscara de pássaro
 Gravura de 1656 – “médico da peste”

 

Prof. Doutor Francisco Antunes
Infecciologista e Professor Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa