No dia 16 de dezembro deste ano foi inaugurado o novo edifício da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa tendo-lhe sido atribuído a designação de Reynaldo dos Santos como homenagem ao eminente médico, cientista, escritor, historiador e grande personalidade do mundo cultural português.
Reynaldo dos Santos para além de se ter notabilizado como médico, pedagogo, cientista e escritor, distinguiu-se também como historiador e crítico de arte, um ser em movimento, universal.
Considerado um dos mais ilustres cidadãos de Vila Franca de Xira, onde o seu nome figura no hospital desta localidade, Reynaldo dos Santos, de seu nome completo, nasceu nesta cidade, no dia 3 de dezembro de 1880 na rua dos Varinos e faleceu em Lisboa a 6 de maio de 1970.
É num ambiente doméstico e cultural que Reynaldo dos Santos o mais novo dos cinco filhos do casal Maria Amélia Pinheiro dos Santos e de Clemente José dos Santos, respeitável médico de Vila Franca de Xira, foi o único que seguiu a profissão de seu pai.
Foi através deste e do avô paterno seu homónimo, possuidores de grande prestígio, que Reynaldo dos Santos adquiriu as mais importantes orientações e influências que irão interferir na sua personalidade, tanto no plano médico como no que diz respeito às Artes.
Clemente José dos Santos, pai de Reynaldo dos Santos, possuidor de uma magnífica biblioteca, é referenciado como “médico-cirurgião” e agraciado amiudadas vezes pela imprensa local, apesar de anos antes ter originado enorme polémica ao denunciar juntamente com alguns dos seus colegas, como os Professores Sousa Martins e May Figueira, acerca das condições deploráveis de como funcionava o Hospital de São José.
Por outro lado, o avô paterno de Reynaldo dos Santos, Clemente José dos Santos, vulto de vasta cultura e sócio da Academia Real das Ciências, teve uma enorme reputação enquanto taquigrafo em S. Bento, onde registou as discussões dos deputados.
Foi bibliotecário-mor do Parlamento e escreveu a história da instituição, obra reunida em vários volumes.
Recebeu o título nobiliárquico de Barão de S. Clemente como recompensa pelo seu desempenho, dedicação à causa pública e pelas continuas solicitações para que permanecesse em funções apesar da sua avançada idade.
Reynaldo dos Santos, considerado bom aluno, frequentou o ensino primário e secundário, em Vila Franca de Xira.
Dado que a mãe era doente, os filhos foram distribuídos pelas casas de padrinhos e familiares. Coube a Reynaldo dos Santos a casa do avô paterno o que lhe deu a oportunidade de frequentar o colégio na rua do Machadinho onde conviveu com Constantino Fernandes, pintor e desenhador famoso. Também através da convivência com muitos parlamentares frequentadores da casa do avô e a consulta da sua admirável biblioteca sobre a história politica e parlamentar do liberalismo, também influenciaram o seu gosto pelas artes.
Ingressou em 1898 na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa. Segundo as suas palavras considerava que a maioria dos professores eram autoritários, monótonos e pesados.
Depois de ter tido aulas com o Prof. Ricardo Jorge comentou, «pela primeira vez tive a noção do que eram as lições de um Mestre».
Após ter concluído a licenciatura em 1903, com 23 anos, um amigo do seu avô, João Afonso de Carvalho concedeu-lhe alguma verba que lhe permitiu ir para Paris estagiar, onde se relacionou com várias personalidades como Theodore Tuffier, Carrel e Cushing o que foi crucial para o desenvolvimento da sua personalidade ao nível das relações humanas como o próprio Reynaldo dos Santos reconhecia.
Em homenagem a João Afonso de Carvalho, seu mecenas, deu o nome João Afonso Cid dos Santos, ao seu primeiro filho, que nasceu em 1907.Também João Cid dos Santos foi médico, cirurgião, investigador e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Entre 1909 e 1914, realizou vários estágios e visitou inúmeras clínicas tanto em cidades dos Estados Unidos, como em Filadelfia, Nova Iorque ou Baltimore, como também em várias cidades europeias, nomeadamente, Berlim, Kummel, Veneza, Viena de Áustria, Londres, Hamburgo, Bremen, Bona e Bruxelas.
Em 1906, concluiu a sua tese de doutoramento sob o título “Aspectos Cirúrgicos das Pancreatites Crónicas”. Dedicou-se com enorme entusiasmo à cirurgia e realizou interessantes programas de ensino da Medicina. Após a realização do concurso e aprovação por mérito absoluto, foi nomeado Professor de Cirurgia e Urologia, iniciando a docência na Faculdade de Medicina em 1907.
Ainda em dezembro desse ano idealizou e desenvolveu o urorhytmographo, que segundo a Carta Patente tem por fim «registar graphicamente o valor e o rhytmo da excreção renal bem como o funcionamento dos ureteros». Estava invenção foi apresentada em Lisboa e posteriormente em Paris.
Em 1910, organizou o Curso Livre de Urologia no Hospital do Desterro onde introduziu o método da urorritmografia.
Durante a 1ª Guerra Mundial participou em várias missões do Governo junto dos exércitos aliados (francês, inglês e belga). Foi Membro do Comité Inter-aliado para o estudo da Cirurgia de Guerra.
Entre 1917 e 1918, esteve em França como cirurgião dos Hospitais Ingleses do Norte de França e posteriormente no Hospital Wimereux. Foi ainda consultor de cirurgia do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.), como Capitão (Português) e Major (Inglês).
Em 1919, participou como delegado português na Conférence Chirurgicalle InterAlliée e como membro Consultivo na Fundação Prémio Erasmo em Amsterdão. Atribuição da Medalha de Ouro de Bons Serviços na Grande Guerra. Distinguished Servicer Order (D.S.O.). Em 1922, foi distinguido como Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra.
Já regressado a Portugal e devido às suas posições críticas relativas ao sistema de ensino e organização hospitalar que então vigorava, incompatibilizou-se com um dos professores mais antigos e foi suspenso de funções da Faculdade de Medicina em 1916. Iniciou então o ensino no Hospital de Arroios onde impulsionou a investigação experimental. Em 1925, foi nomeado diretor do Serviço de Cirurgia Geral deste Hospital.
Dando continuação à investigação sobre a imagem arteriográfica dos vasos cerebrais realizada em 1927 por Egas Moniz, Reynaldo dos Santos continuou essa investigação ao nível das artérias periféricas, realizando a primeira aortografia em 1929, exame que contribuiu para um melhor e mais aprofundado estudo sobre os tumores, as anomalias e traumatismos do rim a seguir a uma aortografia translombar.
Em 1930, ocupou a recém-criada cátedra de Urologia do Hospital Escolar de Santa Marta e em 1941 a de Patologia e Terapêutica Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Lisboa, passando no ano seguinte a diretor da Faculdade.
Aqui foi professor catedrático de Clínica Cirúrgica, de 1948 a 1950, ano em que se jubilou. Presidiu à Academia das Ciências de Lisboa entre 1961 e 1963.
Reynaldo dos Santos e a Arte
Conciliando com o exercício da sua profissão, Reynaldo dos Santos tinha um enorme fascínio pelas artes, sendo considerado ainda hoje como um dos maiores historiadores de arte portuguesa do século XX. A sua atração pelas Belas-Artes iniciou-se ainda na sua juventude, durante as férias que eram passadas na Figueira da Foz, local de veraneio preferido pela família, quando participava na companhia de Henrique de Vilhena, em várias campanhas arqueológicas sob a coordenação de António Santos Rocha que o aconselha a ler Taine, autor que vai desempenhar grande influência no campo dos estudos da arte.
O seu interesse pela arte abrangia as mais variadas formas da mesma, tanto se seduzia pela Arquitetura, Pintura, Escultura, Tapeçaria Mobiliário, Azulejaria, Faiança, Iluminura, Ourivesaria e Vidragem, que lhe preenchiam grande parte do tempo a investigar, estudar, a escrever, tendo publicado mais de duas dezenas de obras, acerca de todas elas.
Também tinha grande apreço pela literatura chegando a frequentar vários ambientes literários e a relacionar-se com inúmeras celebridades do seu tempo como Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão e Afonso Lopes Vieira.
Em 1915, Reynaldo dos Santos e José de Figueiredo (que era considerado como o seu maior mestre em História de Arte), descobriram em Pastrana (Espanha), algumas tapeçarias do pintor Nuno Gonçalves, que ilustravam a tomada de Arzila por D. Afonso V. Com a participação de Jorge Cid o estudo deste achado deu origem a uma obra publicada em 1925.
Em 1921, estudou em Itália as obras do pintor português Álvaro Pires d'Évora*. Nesse ano, Reynaldo dos Santos e outro historiador de arte Virgílio Correia, descobriram, na igreja de Santa Croce de Fossabanda, nos arredores de Pisa, o retábulo “A Nossa Senhora com o Menino e Anjos Músicos”, a única obra deste pintor que está assinada em português.
Nesta obra observa-se a assinatura do pintor (Álvaro Pirez d'Évora Pintov) em baixo e ao centro, supondo que como que há a intenção, de referenciar e de sublinhar a sua terra natal, a cidade de Évora, como pátria.
Estudou ainda minuciosamente a pintura de Nuno Gonçalves, principalmente os excecionais painéis da Adoração de S. Vicente atribuídos a este pintor quatrocentista.
No que se refere à Arquitetura, Reynaldo dos Santos estudou com grande pormenor, escreveu e publicou várias obras sobre este tema.
Dedicou-se ao estudo da Arquitetura Regional nomeadamente, às Igrejas, ermidas, às origens históricas dos Mosteiros de Alcobaça e da Batalha. Debruçou-se especialmente ao estudo do Estilo Manuelino e a relação deste com descobrimentos marítimos portugueses. De acordo com os seus estudos atribuiu, em 1922, a Francisco Arruda, como sendo o Autor da Torre de Belém, símbolo da Arte Manuelina.
No que diz respeito à Arte Escultórica, Reynaldo dos Santos, analisou e estudou ao pormenor as rosáceas, os capitéis, as estátuas e os presépios (como o de Machado de Castro), que embelezam as igrejas e os conventos portugueses. Também a escultura tumular é objeto de estudo do seu interesse, principalmente os túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro, no Mosteiro de Alcobaça. Com estes estudos publicou a obra «A Escultura em Portugal»
Ocupou-se ainda ao estudo do Estilo Indo-Português. Do mesmo modo e juntamente com a sua esposa D. Irene Quilhó dos Santos, interessou-se pelo estudo e análise das Coleções Particulares de Ourivesaria Portuguesa e das Faianças Portuguesas dos Séculos XVI e XVII.
Reynaldo dos Santos publicou, em 1938, o primeiro livro de síntese sobre a Arte em Portugal, editado em França, sendo considerado ainda nos nossos dias como o seu livro mais notável.
Foi ainda colaborador de muitas revistas literárias como a Seara Nova, Atlântida, Lusitânia (1924-1927), Homens Livres (1923), Anais das bibliotecas, arquivo e museus municipais (1931-1936), Revista Municipal (1939-1973), publicada pela Câmara Municipal de Lisboa e da revista luso-brasileira Atlântico. Foi colega de escrita de Raul Proença, Câmara Reis, Francisco de Lacerda, António Sérgio e Carolina de Michaelis.
Possuidor de um currículo impressionante, torna-se difícil escolher quais as datas mais significativas e as homenagens atribuídas a Reynaldo dos Santos.
Foi homenageado com as seguintes condecorações:
- Grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em 28 de junho de 1919
- Condecorado por Rudolph Matas com a Violet Heart Fund Medal, por ter sido "o cirurgião que mais contribuiu para o avanço da cirurgia vascular”, em 1937
- Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 7 de março de 1940
Foi Presidente de várias Sociedades tais como:
- Fundador e presidente da Academia Nacional de Belas-Artes (1924)
- Fundador da Academia Portuguesa de História (1932)
- Presidente da Academia das Ciências de Lisboa (1964-1967)
- Sócio honorário da Sociedade Nacional de Belas-Artes
- Académico Emérito da Academia Mondiale degli Artisti e Professionisti de Roma (1957)
- Professor honorário de História de Arte da Escola de Belas-Artes da Universidade Da Bahia (1959)
- Vogal Correspondente da Academia Brasileira de Letras
A Faculdade de Medicina de Lisboa é detentora de uma coleção de três bustos, como forma de homenagear alguns dos seus ilustres professores. O último deles, datado de 1945, retrata a cabeça do médico, historiador e crítico de arte, Reynaldo dos Santos, da autoria do escultor Francisco Franco. É caracterizado pela modelagem da cabeça do homenageado, de forma realista, mas esquemática, com notável tratamento do bronze
Também a Federação de Amigos dos Museus de Portugal (FAMP), uma organização não-governamental, com estatuto consultivo junto da UNESCO e fundada em 1998, como forma de homenagear o Prof. Reynaldo dos Santos como historiador das Belas-Artes, a sua direção instituiu em 2001 o Prémio Professor Reynaldo dos Santos de forma dinamizar os grupos de amigos, intensificar a comunicação e apoiar a sua ação, fomentar a criação de novos grupos e projetar na sociedade portuguesa a defesa da herança cultural e a atividade dos Amigos dos Museus.
O seu legado
Em 2004 foi doada à Câmara Municipal de Cascais a habitação de Reynaldo dos Santos assim como o recheio existente e o magnífico espólio documental (bibliográfico, arquivístico e fotográfico) que contém os arquivos pessoais de Reynaldo dos Santos, de Irene Quilhó dos Santos, sua viúva, e dos seus filhos João Carlos e Luís Alberto Quilhó Jacobetty. De acordo com o testamento de Irene Quilhó dos Santos, esta doação tinha como propósito de ser criada a Casa-Museu Reynaldo dos Santos e Irene Quilhó dos Santos.
Situada na Parede, a casa que tinha sido construída em 1930 por Eugénio da Silva Teles, com características Art-Déco, foi recuperada e adaptada em 1989, por Irene Quilhó para sua habitação permanente.
O espólio documental do Prof. Reynaldo dos Santos, para além de conter documentos manuscritos, datilografados e impressos que acompanham o desenrolar das suas investigações, na área da Medicina e da história de arte, correspondência e documentos enquanto membro e presidente de Institutos e Academias da área da Medicina e da História da Arte, possui um riquíssimo Arquivo Fotográfico constituído por provas, negativos de vidro e transparências das fotografias utilizadas nas suas publicações, nas exposições que comissariou e na Revista Colóquio Artes e Letras, assim como inúmeras imagens do património nacional enviadas por particulares, quer solicitando o seu parecer de especialista, quer para dar a conhecer e chamar a atenção para o estado do património.
A consulta de gigantesco legado permite-nos investigar, estudar e avaliar a personalidade do Prof. Reynaldo dos Santos quer do ponto de vista médico, de historiador de arte e do cidadão que muito contribuiu para o panorama cultural e artístico do nosso país.
A fim de homenagear o Prof. Reynaldo dos Santos, o seu nome tem sido atribuído (ao longo dos anos) na toponímia de norte a sul do nosso país, para além do hospital e do Agrupamento Escolar existentes em Vila Franca de Xira.
Em 1999, foi criada uma coleção filatélica intitulada “Vultos da Medicina Portuguesa” onde figura num dos selos, o Prof. Reynaldo dos Santos.
Em alguns momentos foram editadas algumas medalhas em homenagem a Reynaldo dos Santos:
*Álvaro Pirez d’Evora é o primeiro pintor português documentado. Fez todo o seu percurso artístico em Itália. Grande viajante, à exceção de Santo António, foi o primeiro português que se inseriu na cultura europeia. Nascido em Évora, desconhece-se quando foi para Itália, no entanto supõe-se que tenha chegado por volta do ano de 1400. Álvaro Pirez d’Evora trabalhou provavelmente de forma intensa durante quatro décadas na região da Toscânia, onde por essa altura estava a florescer o Renascimento. Este pintor, consagrado em Itália (onde trabalhou durante a sua vida) era desconhecido em Portugal até aos princípios do século XX, está documentado até 1434, altura em que assinou a sua última obra.
Para além da pintura acima referida “A Nossa Senhora com o Menino e Anjos Músicos”, sabemos da existência de mais cinco obras assinadas pelo autor. No entanto só chegaram até nós três dos seus trabalhos, sendo que os outros dois foram assinados em latim.
Existem obras deste pintor quinhentista espalhadas por todo o mundo, desde a América do Norte até à Rússia, na América do Sul e por toda a Europa.
Em 1994, foi realizada uma pequena exposição sobre este artista na Torre do Tombo e a partir daí surgiu um enorme interesse por este autor. Depois da Câmara de Évora ter adquirido uma das suas obras, em 2018 o Museu Nacional de Arte Antiga adquiriu num leilão em Nova Iorque um pequeno, mas valiosíssimo quadro “A Anunciação” que serviu como base para a exposição que está a decorrer no referido Museu até meados de março de 2020. Para além deste quadro, estão expostas outras obras provenientes de mais 8 países.
Bibliografia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Reynaldo_dos_Santos
http://www.famportugal.pt/images/conteudos/Vida+e+Obra+de+Reynaldo+Santos.pdf?noticias&op=arch
https://www.cascais.pt/equipamento/casa-reynaldo-dos-santos-e-irene-quilho-dos-santos
http://coloquio.gulbenkian.pt/al/sirius.exe/directores?RS
https://www.homemdoslivros.com/search/label/*REYNALDO%20DOS%20SANTOS
https://medalhasportuguesas.wordpress.com/tag/reynaldo-dos-santos/
https://sis-medicos.fandom.com/pt-br/wiki/REYNALDO_DOS_SANTOS
http://memoria.ul.pt/index.php/Colec%C3%A7%C3%A3o_de_Bustos_da_Faculdade_de_Medicina
http://www.cascais.pt/arquivohistoricodigital
Lurdes Barata
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