Roteiro da Memória
Viagem à vida do Prof. Arsénio Cordeiro
OS PRIMÓRDIOS DA UNIDADE DOS CUIDADOS INTENSIVOS CORONÁRIOS
A primeira Unidade de Cuidados Intensivos a nível mundial surgiu nos EUA em 1963 seguindo-se posteriormente no Reino Unido e na Irlanda com o objetivo de tratar e acompanhar de forma continua os doentes coronários, dado que para além de se ter verificado uma enorme taxa de mortalidade como consequência de enfarte miocárdio, tinha-se também constatado que aquela era drasticamente reduzida quando certas arritmias eram diagnosticadas e tratadas precocemente.
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Já há alguns anos antes, em 1937, foi desenvolvida nos EUA uma política constituída por alguns serviços nomeadamente bombeiros, policia ou vigilantes, capacitados em fazer chegar o paciente o mais rapidamente possível à Unidade Cuidados Intensivos. Os princípios fundamentais eram a rapidez, a eficiência e o suporte vital. Numa conferência realizada em 1965, em Bethesda, foi aceite o sistema das Unidades Coronárias.
O sucesso deste programa dependia da coordenação de vários fatores como a união de esforços, rapidez e a capacidade de comunicação das informações, optar pelo melhor transporte e a existência de uma rede hospitalar convenientemente equipada.
UNIDADE DE CUIDADOS INTENSIVOS EM PORTUGAL
Foi em abril de 1969, faz este ano 50 anos, que foi criada a primeira unidade deste género no nosso país e uma das primeiras da Europa, a Unidade de Cuidados Intensivos para Doentes Coronários, do Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Maria, integrada no Departamento de Coração e Vasos do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHLN), sendo inaugurado em 1972 a Unidade de Cuidados Intermédios de forma a complementar o projeto do Serviço.
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Deve-se ao Prof. Arsénio Cordeiro, cardiologista possuidor de carácter visionário e empreendedor, à época Diretor do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Santa Maria e um dos mais conceituados em Portugal, a criação desta Unidade, associada ao espirito de lucidez e progressista de Azeredo Perdigão, que prontamente aceitou o desafio ao aprovar que o financiamento daquela iniciativa fosse suportado pela Fundação Calouste Gulbenkian, de que então era Presidente.
Posteriormente, em 1981, passou a ser designada por Unidade de Tratamento Intensivo para Coronários (UTIC) associando-se-lhe as siglas “AC” em reconhecimento ao seu fundador, o Prof. Arsénio Cordeiro.
A UTIC ao longo dos anos seguintes granjeou enorme sucesso através das suas técnicas, protocolos e esforços empregues no tratamento dos doentes, o que contribuiu para que a mortalidade por enfarte de miocárdio diminuísse radicalmente e para uma enorme projeção da cardiologia portuguesa tanto a nível nacional como internacional.
BREVE BIOGRAFIA DO PROF. ARSÉNIO CORDEIRO
O Prof. Arsénio Cordeiro é considerado uma das figuras mais proeminentes da Medicina Portuguesa da segunda metade do século XX, devido às suas qualidades como clinico, investigador, professor, pedagogo, pela sua personalidade e carácter impar e multifacetada, percorrendo diversas áreas, desde a medicina até às inúmeras práticas desportivas.
Arsénio Luís Rebello Alves Cordeiro, nasceu em Lisboa a 21 de junho de 1910 e aqui faleceu a 7 de maio de 1982 na UTIC, unidade que o próprio fundou. Movimentando-se num círculo esmerado e cultural, onde a área da medicina era-lhe familiar, dado que era filho do médico Dr. Arsénio Júlio Cordeiro e sobrinho do distinto Prof. Sílvio Rebelo, o que certamente muito contribuiu para que ao longo da sua vida fossem-lhe reconhecidas excecionais características. Jubilou-se a 21 de junho de 1980.
Excelente aluno, após ter frequentado na capital o Liceu Pedro Nunes, licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa em julho de 1935, com a elevada classificação de 18 valores. Fez o doutoramento em 1947, obtendo a classificação de 19 valores por unanimidade ao defender a tese “Contribuição para o estudo do Síndrome de Wolff-Parkinson-White”.
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Especializou-se ainda em Medicina Desportiva, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, visitando Roma, Bolonha, Berlim e Hamburgo.
Empenhou-se em várias especialidades da medicina como em Medicina Interna, Cardiologia, Medicina Desportiva, Medicina do Trabalho e Medicina Aeronáutica, tendo participado em inúmeros congressos internacionais nestas áreas.
Foi nomeado Professor Catedrático de Patologia Médica, em 1958 e de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1964.
Foram muitos os cargos de relevo que desempenhou na sua profissão entre os quais como Diretor do Serviço de Medicina Interna; sócio fundador, secretário-geral, presidente e presidente de honra da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, sócio de diversas sociedades científicas (espanhola, francesa, italiana e inglesa); “fellow” do American College of Cardiology; representante da Península Ibérica na Sociedade Internacional de Cardiologia, etc.
Realizou vários Cursos Pós-graduados direcionados para médicos, sob o tema Cardiologia e Cuidados Intensivos para Coronários. Entre 1969 e 1973 foram realizados Cursos de Especialização para Enfermeiros sobre Unidades Coronárias.
Foi autor de vários livros assim como de inúmeros artigos científicos publicados em revistas nacionais e estrangeiras.
Podemos caracterizar várias facetas profissionais do Prof. Arsénio Cordeiro: como investigador, professor, pedagogo ou clínico.
Enquanto investigador, o Prof. Arsénio Cordeiro, defendia quão importante era a prática da investigação científica, pois afirmava que utilizando uma metodologia correta, associada ao trabalho persistente, mesmo com poucos meios dão sempre origem a um novo conhecimento. Este conceito é facilmente compreensível na parte prática da sua tese de doutoramento realizada no Inst. de Fisiologia dirigida na altura pelo Prof. Marck Athias.
As suas investigações tiveram grande projeção internacional tendo por isso sido convidado inúmeras vezes a participar em congressos mundiais.
Foi um brilhante professor, erudito, com uma excelente memória, de raciocínio claro. As suas aulas entusiasmavam tanto pelo seu conteúdo como pela forma, tendo tido por isso enorme influência na preparação de gerações de futuros médicos.
Reconhecido como pedagogo impar, a sua comunicação era fácil e simples, sem arrogância, entoando a voz de acordo com a importância da informação a dar, estando sempre disponível para no final das aulas esclarecer as duvidas que tinham suscitado aos alunos.
Como clínico, o Prof. Arsénio Cordeiro, foi um integro humanista sobrepondo tudo ao serviço do doente, pondo este acima de qualquer sacrifício, colocando o doente sempre em primeiro lugar.
Para além de ter sido desportista de enorme mérito, distinguiu-se como campeão nacional de esgrima e espada em 1939, obtendo o record europeu da pesca do espadim branco e nos anos de 1955 e 1958, na pesca do espadarte.
Foi pioneiro da prática de esqui na Serra da Estrela. Participou também em outras atividades como a caça, remo e hipismo, tendo sido sócio e representado várias associações venatórias e piscatórias.
Dedicou-se ainda à Ictiologia (foi membro do Bureau Internacional da Classificação de Peixes), à enologia e à gastronomia, tendo colaborado num tratado de culinária.
Em 1945 subscreve-se na lista MUD, no entanto alega que o fez por engano após ter sido confrontado e considerado pela PIDE como “situacionista”.
Foi distinguido com vários prémios entre os quais o Prémio Specia destinado ao aluno mais classificado do seu Curso (1935); Medalha de Ouro da Universidade de Lisboa (1980); Medalha com sua efigie estampada em bronze criada pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia (1980); Placa, com o seu nome, colocada na Sala de Aula de Clínica Médica pela Direção da FML (1980); Agraciado pelo Presidente da Republica com a condecoração de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
Homenagens ao Prof. Arsénio Cordeiro
No inicio de 1992, passados dez anos após o seu falecimento, foi realizada uma homenagem em memória do Prof. Arsénio Cordeiro. Neste contexto, realizou-se em 18 de outubro do ano anterior, uma cerimónia de descerramento de uma placa toponímica com o seu nome, numa rua do bairro de Telheiras, em Lisboa, onde existem outras ruas com vários nomes de ilustres Professores da FMUL como Pulido Valente e Henrique de Vilhena.
Em 21 de Junho de 2010 sob a coordenação do Prof. Carlos Ribeiro realizou-se uma homenagem ao Prof. Arsénio Cordeiro na Aula Magna de FMUL.
Decorreu uma exposição onde estavam patentes peças emblemáticas, equipamentos médicos e objetos pessoais do homenageado.
Para além de terem sido distribuídas duas publicações sobre o Prof. Arsénio Cordeiro, foi descerrado também um quadro pintado a acrílico que os amigos ofereceram à Faculdade da Medicina que posteriormente iria ser instalado na UTIC-Arsénio Cordeiro.
Prémio Arsénio Cordeiro
Em 1992 foi criado o Prémio Arsénio Cordeiro, pelo Conselho Cientifico da FMUL com o apoio da Fundação Mapfre Vida. Este prémio tinha a singularidade de premiar uma turma e não o aluno individualmente.
Quem conheceu e privou com o Prof. Arsénio Cordeiro, identifica-o como um homem de forte personalidade, culto, de fino trato, muito elegante, integro, transparente, sincero, ativo, alegre, entusiasta, mas também combativo, persistente e disciplinado, apreciador de literatura especialmente de Eça de Queirós e de música clássica particularmente Vivaldi, atributos que manteve durante toda a sua vida.
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Lurdes Barata
Núcleo de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial
Bibliografia:
Hospital de Santa Maria : 1954-1994
Hospital de Santa Maria : 1954-2004 : 50 anos de assistência ensino e investigação/ ed. Comissão Organizadora das Comemorações do Cinquentenário do Hospital de Santa Maria : Lisboa: Hosp. Sta Maria, 2005 ?
Alves, Valente. A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa : um olhar sobre a sua história. Lisboa : Gradiva, 2011
Boletim FML, III, n. 1, Jan., 1992
As unidades de cuidados intensivos para coronários. Acta Médica Portuguesa, 5, 1984 : 157-164
https://hscarchives.com/photographs/photographs-interior-views-of-icu/
http://news.medicina.ulisboa.pt/2010/07/31/cerimonia-de-homenagem-ao-prof-arsenio-cordeiro-na-faculdade-de-medicina-de-lisboa/