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O abraço do iMM à Laço – uma conversa com a consultora Lynne Archibald
Lynne Archibald é uma das responsáveis pela existência da antiga associação Laço, uma associação sem fins lucrativos que tinha como objetivo informar o que era o cancro da mama, apelando e promovendo a prevenção, diagnóstico e tratamento.
O símbolo do laço rosa nascia então nos anos 90 nos EUA, criado pela Estée Lauder e a revista Self. Espalhado pelo mundo como uma imagem universal, a associação Laço criava assim o seu nome e imagem de marca.
Procurou-nos há uns meses a informar que a Laço, em conjunto com o iMM – Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, tinha criado um novo projeto, o Fundo iMM-Laço: A caminho da cura. Explicou-nos, também, que, com o fecho oficial da Laço, o projeto agora estava a ser gerido pelo iMM João Lobo Antunes, instituto de investigação que é considerado um dos melhores do país. Acrescentou que nessa altura, falar de prevenção do cancro da mama não é assim tão linear e isso justificava a mudança de paradigma, mas já lá vamos. Foi por falarmos com Lynne Archibald que percebemos que tínhamos de entender melhor o que é afinal o cancro da mama e que temas estão ainda por revelar.
Nasceu em Toronto, no Canadá, tem 54 anos e hoje é também um pouco portuguesa. Nunca tinha ouvido falar bem do país onde hoje vive, a maior parte do tempo. Estudou Relações Internacionais nos EUA e tinha a ambição de fazer um mestrado na Europa, só depois regressaria ao Canadá onde pensava ficar a viver e formar-se em Direito. Foi para Londres, em 1988, para a London School of Economics fazer um mestrado em International Relations. Lá, aprendeu que “nem sempre os planos que temos para a nossa vida são os que o universo tem para nós” e em vez de seguir o caminho curricular, foi atrás do caminho do coração. Conheceu um jovem médico que estava a fazer o doutoramento, achou que era um popular italiano que todos falavam, afinal era português. Algum tempo depois viria a ser o seu marido e Portugal seria o seu novo país de residência.
Quando chegou em 1989 recorda-se que o país, como o conhecemos hoje, estava longe de existir, “não havia auto-estrada para o Porto e só tínhamos a RTP 1 e 2”.
Lynne não queria ficar em Portugal sem conquistar a sua própria independência financeira. Durante 2 anos deu aulas de inglês na American Language Institute, ao mesmo tempo que ensinava outros a falar a sua língua, aprendia uma língua que ainda hoje diz não conseguir dominar na totalidade. Sabia “pedir um café, uma tosta mista e dizer obrigada”, mas mais do que isso não se conseguia expressar; Depois de aulas de grupo pouco sucedidas optou pela aprendizagem um a um, que acabou por lhe dar o patamar de conhecimento que tem hoje em dia.
Foi após o nascimento do segundo filho que Lynne viu partir uma grande amiga com cancro de mama, apesar de ter aparentemente recuperado, dois anos depois o cancro voltou. O fim da vida de Brigitte Cabral em 2000 marcava assim o começo da vida da Laço.
Foi por perder esta sua amiga que nasceu a Laço?
Lynne Archibald: Sim. Éramos um grupo de 5 mulheres que não se conhecia bem entre si, mas todas muito ligadas a esta amiga que morreu. E foi por isso que fundámos a Laço, para honrar a memória dela. Ela tinha apenas 42 anos e duas filhas. Fizemos alguma pesquisa e percebemos que podíamos contribuir para projetos em Portugal. Então organizamos um almoço para angariar os primeiros fundos que dariam o arranque de tudo.
E esses fundos serviriam para quê?
Lynne Archibald: Para apoiar o programa de rastreio que percebemos que era o necessário. É importante dizer que o objetivo principal da Laço, durante muitos anos, era apoiar o rastreio. Naquela altura, e estamos a falar de 2000/2001, um pouco por todo o mundo a aposta que se fazia era que o rastreio e a deteção precoce do cancro da mama iam ter um impacto brutal na mortalidade. E tinha toda a lógica, perante um problema pequeno, se o apanhássemos logo mal nascesse, então erradicava-se a doença. E para a maior parte dos cancros, isso aplicava-se.
O rastreio implicava o quê, fazer exames?
Lynne Archibald: Sim, fazer mamografia. O rastreio era populacional e organizado, implicava unidades móveis que andavam de 2 em 2 anos pelo país. Acompanhavam as mulheres entre os 45/50 e os 69 anos e a ideia era fazer e guardar um arquivo de modo a que se controlasse no tempo o processo de cada mulher. Claro que depois há o ”rastreio” individual em que cada mulher faz uma mamografia através do seu médico de família ou ginecologista, mas este era organizado e institucional. A Liga Portuguesa Contra o Cancro era o parceiro operacional em muitas zonas e o governo reembolsava uma parte dos custos, mas a sua área de ação ainda era reduzida geograficamente. Tinha de ser a nível nacional e por isso a Laço começou a financiar a aquisição de unidades móveis de mamografia para a Liga. E por todo o mundo, Europa, Canadá, EUA, começava-se a falar muito do cancro da mama, encorajando cada mulher a olhar para a sua mama. A mensagem que se passava pelo mundo é que morriam muitas mulheres com cancro da mama, porque o diagnóstico não tinha sido feito a tempo. Isso queria dizer que não chegavam ao estadio 4 do cancro metastático porque o cancro não se desenvolvia. Esta era a teoria.
E o que é que lhe disse a prática?
Lynne Archibald: No final de 2008/2009 começam a sair alguns estudos que faziam a retrospetiva dos últimos 20 anos, onde então se começaram os rastreios. Começam a perceber que, ao mesmo tempo que havia avanços nos tratamentos como a hormonoterapia, e a terapêutica dirigida incluindo o trastuzumabe (primeiro de um novo grupo de medicamentos, os anticorpos monoclonais, que mudaram o tratamento do cancro da mama, começando a era do tratamento personalizado) para os cancros da mama HER2+ que até aí não tinha tratamento e passou a ter uma resposta muito boa, e tendo os rastreios já de prevenção, ainda assim, a taxa de mortalidade não tinha diminuído como esperado. Uma das frases que mais apregoávamos por todo o mundo era que 90% dos casos, descobertos a tempo tinham cura. O que os estudos diziam era que, apesar de se ter tratado a doença, em 30% das mulheres, anos depois ela voltava e quando isso acontecia, o cancro já era metastático. O que queria dizer que o mal estava dentro do tumor e que a biologia molecular do tumor, a genética dele, é que decidia o que ia acontecer.
Ou seja, deixe-me pôr a questão graficamente para ver se percebi bem, o cancro neste caso é como uma planta a nascer e eu só lhe vou cortar o pé, mas a raiz fica lá. Depois pode ou não crescer de novo.
Lynne Archibald: Essa imagem é fantástica. Mas felizmente para muitos cancros funcionaria assim e bastava. Mas para a mama não é o caso. O nosso confronto real foi em 2012. Nós demorámos a aceitar esta evidência. Quando saiu o primeiro estudo lembro-me que disse que não podia ser verdade, que havia ali de certeza algum erro. Mas depois saiu outro, a seguir outro. Eram estudos internacionais grandes e eles comparavam zonas geográficas onde tinha havido rastreio, com outras em que não tinham feito nada, quando foram comparar as taxas de mortalidade eram basicamente iguais. O que o rastreio mostrou era que havia mais casos de cancro porque eram detetados tumores muito pequenos, alguns dos quais podiam nunca desenvolver. Então, quando me dizem que a deteção precoce do cancro de mama é fundamental, eu digo que é sim, mas para alguns tipos de cancro, agora, claro que ajuda algumas mulheres, mas não está a ajudar todas as mulheres como nós queríamos e acreditávamos. E o que preocupou a direção da Laço é que havia um investimento brutal no rastreio, em tempo e recursos financeiros e humanos, uma confiança cega nas mulheres sobre a eficácia do rastreio e afinal o que sentíamos era que não estávamos a corresponder ao que esperavam de nós. Foi por isso que criámos a Bolsa Laço, uma bolsa anual que funcionou durante 3 anos, precisamente para voltar à base e essa é a biologia do cancro. Nós percebemos que não havia uma causa do cancro da mama e não havia nada que pudéssemos dizer para evitar que ele aparecesse. Sabemos que as pessoas com a mutação genética BRCA 1 ou BRCA 2 tem muito mais probabilidade de desenvolver o cancro da mama e também sabemos que 30% dos cancros de mama vão recidivar e quando voltam já são metastáticos; mas não sabemos quais ou porquê. Quantas mulheres fizeram tudo certo e tiveram cancro de mama metastático? Com isto tudo quero dizer, que a nossa grande preocupação é tentar perceber como é que podemos dar tempo de vida a estas mulheres, fazendo com que o carro delas, que descarrila a grande velocidade, atrase e vá travando.
Há sinais reais para ter essa esperança?
Lynne Archibald: Foi publicado na revista Nature Medicine em Junho deste ano, que há uma mulher nos EUA, Judy Perkins, que tem cancro da mama metastático e um grupo de investigação conseguiu desenvolver um processo de imunoterapia muito específico e só para o caso dela que mostra que desde há 2 anos não há progressão da doença dela, o que é muito bom sinal. Nós sentimos que estamos na fronteira de muitas descobertas, mas têm que ser muitas descobertas ao mesmo tempo para poder tocar nos vários casos que conhecemos. Mas claro que sentimos que ainda não temos uma cura, porque nos faltam descobrir mecanismos que expliquem porque é que o cancro tem a tal raiz da planta que falou como algo invasivo, que dissemina e se espalha, esperando silenciosamente, muito tempo. E é nisso que se está a trabalhar. Um dos projetos que temos em laboratório é o projeto da Carmo Fonseca, ela pretende perceber melhor algumas questões genéticas para que, no diagnóstico, se consigam encontrar respostas. Com isto volto à sua questão, nós estamos a voltar à origem, à ciência, precisamente porque sentimos que precisávamos dela, porque há coisas que não conseguimos resolver só com questões médicas, mas com questões científicas, de perceber o cancro de mama em si.
Porquê acabar a associação Laço como a conhecíamos até agora e ficar no iMM?
Lynne Archibald: Às vezes as pessoas têm dificuldade em largar as suas coisas e a mudança é difícil e ficamos agarrados a ideias e conceitos. Mas o mundo está a mudar e a evidência também. Sentimos que o momento da Laço foi um momento mas que agora temos de nos focar noutro e esse é a ciência e a investigação. Nós aprendemos o papel da ciência na medicina e queremos partilhar esta aprendizagem com o público em geral. O hospital só pode aplicar aquilo que, lá atrás, já foi testado em laboratório e também queremos mostrar isso. E enquanto todos conhecem o que é e como funciona o hospital, poucos conhecem o laboratório e queremos partilhar essa viagem de aprendizagem como nós também fizemos. Gostamos e apreciamos as outras instituições de investigação, mas sentimos que era importante esta existência do CAML aqui. Ter um hospital, uma faculdade de medicina e um centro de investigação são os três pilares de mudança no futuro. Depois é importante dizer que o iMM inspira-nos um respeito e confiança porque não liga a formalismos, nem ao embrulho, mas ao conteúdo verdadeiro das questões. E depois porque nos abriu as portas e deixou-nos entrar e ficar.
Incorporar o conhecimento do seu próprio corpo foi uma das grandes conquistas que se fez ao falar globalmente de cancro da mama, como nos diz Lynne, “tirou-se o cancro da mama do armário e perdeu-se a vergonha de falar deste cancro da mulher sem tabus por se tratar de uma mama que até aqui tinha sempre um cariz erótico”
As bolsas do Fundo iMM-Laço vão continuar a surgir anualmente para apoiar os investigadores, dentro da área do cancro da mama, tentando preencher a lacuna que aqueles que ainda não tinham resultados preliminares, não pudessem avançar com as suas perguntas e dar os primeiros passos, precisamente porque lhes faltava o financiamento inicial. Esta “incubadora de novos projetos” conseguiria assim servir de alavanca a bolsas maiores, permitindo ainda que ideias “fora da caixa” fossem também ouvidas. 25 mil euros foi a meta que traçaram para gerir um projeto durante um ano e dar o arranque ao processo da descoberta. Vários são os projetos financiados por ano, Sérgio de Almeida, Sofia Mensurado e Rui Martinho foram os premiados em 2017. A call está aberta até fim de outubro para todos os que se queiram candidatar relativos a 2018. Mas há mais boas notícias, com os resultados preliminares os investigadores de 2016 Sandra Casimiro e Karine Serre já conseguiram financiamentos maiores, podendo dar um passo mais além nas suas investigações.
Todos os que queiram apoiar o Fundo iMM-Laço podem participar nas campanhas das marcas parceiras este Outubro, mês do cancro da mama (Dama de Copas, Hotéis Real, Pioneer, ISDIN, Nestlé Fitness, Sorisa e Women’s Secret), ou usar o IBAN do Fundo iMM-Laço do Instituto de Medicina Molecular através de transferência bancária: PT50 0035 0824 0001188093042.
Joana Sousa
Equipa Editorial