Investigação e Formação Avançada
Carmo Fonseca e o Laboratório que quer esperar pelo cancro mesmo antes de este aparecer
E se tornássemos o cancro um aliado para então o podermos vencer? Confuso à partida, rapidamente se percebe o que a Professora e Cientista Carmo Fonseca se predispôs a descobrir. Criar um cancro da mama em laboratório e assistir ao seu nascimento para com isso poder estudar os primeiros sinais da doença.
O desafio foi lançado pelas mulheres da Associação EVITA que têm risco de ter cancro da mama por serem portadoras da mutação genética de BRCA (mutações nos genes que aumentam as hipóteses de desenvolver cancro da mama). “Esta é uma associação muito ativa e chamaram os investigadores todos de Portugal e disseram-nos que viviam com uma espada em cima da cabeça de poder vir a ter cancro da mama”, explicou Carmo Fonseca. “A ideia de poder perceber o que se passa dentro do corpo de uma mulher e se há forma de evitar ou detetar transformações que indiquem sinais da doença” foi o que a motivou a aceitar este pedido de ajuda. “Eu não consegui ficar imune a este desafio, e fiquei a pensar durante bastante tempo, e com as competências que temos no nosso Laboratório, que podíamos agarrar neste problema. Então o que me surgiu é que temos de assistir ao nascimento do cancro para encontrar respostas. Toda a investigação que tem sido feita é sobre o cancro já formado e nunca se assistiu ainda ao nascimento de um cancro da mama”.
Para fazer nascer o cancro foram recriar a mama, através da pele de mulheres com as tais mutações genéticas, só depois será induzida a doença, recriando um processo de envelhecimento que traduzirá a passagem do tempo e onde nele se refletem os hábitos de vida com riscos: tabaco, bebidas alcoólicas, exposição ao sol, ou sedentarismo. “Todos os cancros se devem a lesões no ADN, consoante o tipo de lesões que sofreu, o cancro tem um percurso próprio. Assistir ao nascimento deste cancro é já dentro do contexto de terem a mutação BRCA e nesse sentido falamos de um cancro específico”.size="10"
Como é que induzem nas células elementos externos como o excesso de sol, ou consumo de cigarros ou álcool?
Carmo Fonseca: Induz-se criando lesões no ADN. Todos estes agentes, que são carcinogénicos, o que fazem é que lesam o ADN. Então, nós vamos usar modos químicos de produzir o mesmo efeito.
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Como é que se mede a proporção certa destes químicos para sabermos se estamos a induzir a doença?
Carmo Fonseca: Mede-se pelo número de lesões. É como se fossem feridas, como se nós passássemos por uma metralhadora e o nosso ADN fica com uma ferida cada vez que lhe acertam. Depois o que acontece é que nós temos um sistema que repara, é que se fossem os “cirurgiões” dentro das nossas células que vão reparar as feridas e esse sistema chama-se mesmo de reparação do ADN e acontece dentro da célula. O gene BRCA, que está mutado nestas mulheres, é um dos “cirurgiões” principais neste “serviço de reparação”, ora aquelas que têm um BRCA defeituoso reparam menos os danos, ficando mais expostas e vulneráveis.
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Qual é a grande vantagem com esta investigação, prever como aparece a doença ou estudar mais opções de tratamento?
Carmo Fonseca: Como vamos assistir às primeiras fases, eu tenho muita esperança que vamos aprender mais sobre como a doença aparece e portanto que possamos ajudar na prevenção e no diagnóstico precoce e não tanto no tratamento, esse não será tanto o foco.
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Mas porque falamos do próprio envelhecimento das células e do tempo que leva todo o processo, há aqui também timings a ser respeitados.
Carmo Fonseca: Do ponto de vista científico é muito interessante para mim, porque tenho estado a falar com os investigadores que se dedicam ao envelhecimento e tenho estado a falar com eles como é que vou envelhecer rapidamente as células. Portanto, todas as moléculas que têm estado associadas ao envelhecimento, eu vou usá-las para testar a hipótese de que consigo envelhecer, de forma acelerada, estas células de laboratório. Isto vai ser uma excelente prova de conceito para os cientistas que querem reverter o envelhecimento, nós vamos fazer a prova de que aquelas moléculas são mesmo importantes e se são eficazes, esse aliás vai ser outro aspeto muito interessante no projeto.
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Otimizado por várias fases e por ser um projeto pioneiro, não se pode prever o tempo que demorará a obter as primeiras notícias e posteriormente os primeiros resultados. Num ciclo de tentativa / erro Carmo Fonseca e a sua jovem equipa de investigadores sabe que o sucesso implica tentar e talvez, muitas vezes, falhar. E isso aconteceu, na recolha das células da pele destas mulheres e aquando a reprogramação a células estaminais, ou seja, fazendo a reversão da célula a um estado embrionário, nesse passo, perderam-se as células. “Numa experiência que demorou um mês e que tudo dava a entender que já estavam prontos para a diferenciação para o epitélio (tecidos celulares) mamário houve qualquer coisa que não funcionou”.
Volta-se assim à estaca zero, obrigando a fazer o procedimento de forma diferente, otimizando os ingredientes. Mas porque a experiência se alia à perseverança, já tão vincada em Carmo Fonseca, num mau resultado também há ilações importantes a tirar, “de qualquer forma ainda dá para ver se a capacidade de reparação já está afetada nestas células, porque estamos na fase dos tais “tiros ao ADN”, com as tais células das mulheres portadoras da mutação e vamos comparar quão rapidamente é que as feridas são reparadas entre células normais, com as células das mulheres portadoras”.
A experiência já está em curso e com 200 mil euros de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), da equipa fazem parte um estudante de Medicina, outro de mestrado, e em breve contará também com um pós-doutorado.
Quanto às impulsionadoras do desafio, as mulheres da Associação EVITA, falam regularmente com Carmo Fonseca e visitam-na para espreitar a vida das suas células e serão, certamente, as primeiras a querer receber as primeiras notícias, desejando que sejam sempre boas notícias.
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Joana Sousa
Equipa Editorial