Amílton Almeida é estudante do 4º ano de medicina na FMUL e veio de Cabo Verde. Integra o grupo de alunos dos Países Lusófonos, que veio para Portugal, cumprir um sonho que o acompanha desde que se lembra. A família que não vê há 4 anos, continua à sua espera na Ilha de Santiago e Amílton acredita que os vai visitar este verão. Feliz por voltar à zona de conforto e abraçar os que mais ama, não deixa de ter um sentimento de tristeza por não encontrar o pai, que tanto o incentivou a vir para a Europa e que, morreu em 2021.
Amílton Almeida tem 21 anos e há 4 que está a viver em Portugal. Antes disso, nunca tinha saído da ilha da Santiago, em Cabo Verde e por isso admite ter sido um choque a sua chegada ao país. “Na ilha não há comboio nem metro e como não conhecia nada quando aqui cheguei, não tinha qualquer ponto de referência. A topografia era confusa. Não foi fácil”. As saudades da família, da casa e dos amigos são muitas, mas sair da zona de conforto era uma coisa inevitável para quem mantinha o sonho de estudar medicina. “Foi desde que comecei a perceber as coisas, com 4 ou 5 anos, que já tinha o gosto pela medicina e queria ser médico,” diz com uma vivacidade característica na voz. À medida que fala percebe-se que está habituado a lutar pelo que quer e que sabe, que as coisas não lhe caem no colo. Tratou de encontrar um trabalho que mantem aos fins de semana, porque o curso de medicina não lhe dá tempo para mais. “Tenho aulas, trabalhos e sobretudo muita matéria para estudar”. Consegue dividir o tempo em diversas tarefas, mas do descanso não abdica. “Podia sair mais com os meus amigos, mas isso iria roubar-me tempo para descansar e dormir bem.” Em vez de fazer noitadas, organizam uns jogos de futebol, ou vólei, mas até isso, “é uma vez por outra. Não faço disso um hábito.”
Amílton explica que tem a sorte de partilhar casa com um primo da mesma idade e isso alivia o fardo da ausência e afasta os longos momentos de introspeção que às vezes levam à tristeza. “Não sinto solidão. Sinto saudades, às vezes fico triste e choro, mas isso é normal porque é pontual.”
Vai ser o primeiro médico da família. O pai era professor e a mãe tomava conta da grande família. Foi sempre bom aluno, apanhava a matéria na aula sem estudar muito, mas percebeu que tinha de se esforçar para ser mais e melhor e, por isso, sempre reservou algum tempo do dia para estudar a lição bem estudada. Recorda as conversas que o pai tinha com ele sobre a importância de estudar. “Chamava-me ao quarto e lá ficávamos a ter longas conversas. Incentivava-me a ter boas notas para poder alcançar uma bolsa fazia parte do horizonte e as conversas focavam muito esse lado.” Com o tempo, tanto o pai como a mãe perceberam que não era preciso dizer-lhe que tinha de estudar, porque essa lição ele já tinha aprendido.
Sempre teve muita vontade de aprender e ainda hoje essa vontade continua sempre a aumentar. “A minha vontade de estudar e aprender é sempre maior” diz cheio de esperança num futuro que sempre imaginou, mas que só lá para o 2º ano é que lhe “caiu a ficha e percebei que estava mesmo a conseguir” e desde então, “o meu amor pela medicina só tem aumentado.”
Este seu sonho está a concretizar-se, em parte pelo esforço que a família tem feito. Só no 4º ano conseguiu uma bolsa e ainda assim, não chega a 300 euros. “A minha família tem feito um esforço muito grande,” mas Amílton também faz a sua parte.
O regresso à sua terra natal é que pode acontecer este verão, mas para trabalhar como médico é que já não tem tanta certeza. “Quando vim, queria muito regressar, mas agora já não sei bem o que quero.” Por este andar da carruagem, quando acabar o curso, vai querer ficar. “Já estou adaptado à vida cá. Regressar a Cabo Verde implicava adaptar-me a uma realidade que já me desabituei. Embora seja uma coisa muito desafiadora acho que só o tempo o dirá.”
“Mantenho-me firme, porque estou a lutar por um propósito”
Vir estudar para Portugal “não foi a primeira escolha. Era Cuba ou China, mas depois quando comecei a crescer, por volta dos 10, 12 anos comecei a pesquisar.” Descobriu então que “em Cuba há boa medicina, mas a qualidade de vida não é boa. Na China percebi que tinha de fazer um primeiro ano de inglês e isso acrescentava mais um ano ao curso. A medicina lá não se adaptava tanto à Europa ou ao meu pais.” Brasil surgiu também como opção, “mas tem muita criminalidade.” Portugal surge então. “Tinha a mesma língua, ficava na Europa, tinha cá família, a taxa de criminalidade era baixa o nível de vida era confortável e até tinha cá família.”
E foi assim que em 2019, com 18 anos, Amílton aterra em solo português para pôr em prática um plano exigente, mas que tem sido até agora um somatório de boas experiências. Já se sente praticamente em casa e o desejo para continuar tem crescido e as palavras confirmam-no: “estou mesmo muito focado e quero estar estável. Mantenho-me firme, porque estou a lutar por um propósito”.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial