Divide-se em múltiplas tarefas e a ciência é, sem dúvida, a área que abraçou como forma de vida. Investigadora a tempo inteiro, decidiu este ano voltar a ser aluna. Inscreveu-se no MIM na FMUL e divide o tempo entre ser professora, aluna, mulher e mãe. Vamos saber como é que as peças deste puzzle se encaixam umas nas outras.
Fui encontrar a Ana Luísa Silva no seu gabinete no Edifício Egas Moniz. É lá que faz a gestão e a organização do seu dia que se divide em múltiplas tarefas. É professora Auxiliar convidada da Disciplina de Genética da FMUL no curso de Licenciatura em Ciências da Nutrição e Coordenadora de uma unidade de Investigação e Biologia Molecular do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SEDM) do HSM e também é investigadora do ISAMB-FMUL.
Sempre foi uma aluna de ciências e a investigação sempre a fascinou. Era boa aluna, mas nunca pensou seguir medicina, porque “na altura não imaginei que o curso fizesse sentido para fazer investigação. Associava mais à prática clínica e não era uma área que eu na altura colocasse interesse.”
Olhando para os cursos, à data que entrou na faculdade, em 1992, aquele que lhe saltou à vista foi o de Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Avançou e concluiu a licenciatura nos 5 anos previstos. Foi então fazer estágio no IPO, onde teve pela primeira vez contacto com o mundo que sempre a motivara e pelo qual nutria grande paixão: a investigação. Aí desenvolveu estudos na área da hemato-oncologia.
As coisas correram tão bem que acabou por ser convidada para ficar como bolseira de investigação através de um projeto da Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT. Aceitou e desenvolveu trabalho na área do carcinoma da mama, na deteção de doença oculta em tecidos hematológicos destas doentes. Esses anos passaram num ápice e houve a possibilidade de se tornar bolseira de Doutoramento da FCT, integrando desta vez uma equipa dedicada ao estudo das hemoglobinopatias no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Quando a ciência “é uma forma de estar. É uma forma de vida.”
Apaixonada pelos livros, pelo conhecimento e movida por uma necessidade constante em aprender, foi fazer um doutoramento numa área de ciência mais básica, no contexto do papel do metabolismo do mRNA na modulação de fenótipos, especificamente no estudo de um mecanismo de controlo de qualidade da expressão génica, o nonsense-mediated mRNA decay (NMD). Este fascínio pelo mRNA, que foi descobrindo à medida que ia estudando e desenvolvendo teorias e considerações, estaria na agenda mundial uns anos mais tarde, mas no início do ano 2000 não era um tema óbvio. Mas, a ciência faz-se muito pouco seguindo o caminho óbvio. “Partimos à procura de respostas numa determinada área e podemos ser surpreendidos”, diz Luísa sempre com um sorriso nos lábios, que demonstra bem que sabe do que fala e mais, gosta! As investigações têm um ponto de partida, mas aparecem janelas de oportunidade que, às vezes, surpreendem, outras, ficam na gaveta a aguardar o momento certo. “Não temos recursos ilimitados, aliás, cada vez são mais limitados, por isso temos de fazer escolhas e não podemos desviar-nos muito do caminho traçado.” Há também algumas descobertas que podem vir a ser importantes num futuro, mediante o desenvolvimento de outras áreas e saberes que irão dar complemento aquela. Fazer ciência é todo um mundo novo que na opinião desta investigadora, professora e entusiasta, não é um trabalho, não é um emprego “é uma forma de estar. É uma forma de vida.”
Quando lhe pergunto a quem liga primeiro quando faz uma descoberta ou chega a uma conclusão importante, diz sem dúvida nenhuma, “ao meu marido, o Paulo. Ele também é investigador e partilhamos muito do nosso dia a dia”. Quem não partilha desta visão entusiasta, para o mundo das células dos tecidos e tubos de ensaio, são os filhos o João de 13 e a Sara de 11 anos. Quando lhe perguntam o que querem ser quando crescerem, “respondem que tudo menos cientistas.” As conversas entre a mãe e o pai são feitas numa linguagem que não é acessível e eles reclamam, “às vezes dizem que eu e o meu marido falamos «cientistês»”, diz rindo e, assentindo, porque sabe que no fundo, eles têm razão.”
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É com o Paulo que partilha a vida há já 28 anos. É um namoro antigo que vem dos tempos de escola e que fez com que tivesse optado por fazer o doutoramento em Portugal. “Havia condicionantes na altura e eu achei que era melhor não ir para o estrangeiro. Hoje acho que devia ter ido, mas também gostava de ter feito um interaille e os meus pais não deixaram. Vivo bem com o facto de não ter feito nem um nem o outro.”
“Um chapéu de chuva” que abarca várias áreas de estudo
Não parece ser mulher de perder tempo com “o que podia ter feito ou sido”, é mais de ação. É uma curiosa, é mexida e tem um ar jovem. Como não consegue estar parada e, ao contrário do que lhe dizem os amigos, “agora que já só tens mais uns 20 anos de vida ativa, aproveita a calma e a estabilidade”, ela faz exatamente aquilo que acha que deve fazer, aquilo que a sua natureza lhe diz para fazer, “eu penso exatamente o contrário!”, começa por explicar, “quando me dizem “já só tens” eu penso, “ainda tenho” e por isso decidiu inscrever-se no Mestrado Integrado de Medicina este ano e voltar a estudar.” Quer dizer, Luísa nunca deixou verdadeiramente de estudar, aliás, grande parte dos seus dias passa-os no laboratório e no gabinete de trabalho a analisar dados, a ler estudos. ”Um investigador nunca deixa de estudar,” reforça, mas sabe que hoje o seu papel vai além disso e a própria se designa como “um chapéu de chuva” que abarca várias áreas de estudo e várias pessoas que estão sob a sua alçada. “Sigo alguns estudantes de Mestrado e doutoramento, internos de endocrinologia do MIM e alunos a quem dou aulas.” Sente-se muito confortável com todos os papeis que abraçou e gosta de todos como se fossem seus filhos. São todos diferentes, exigem dela de forma diferente, mas todos contribuem para que ao final do dia se sinta completa e realizada.
Quando o verbo “gostar” se multiplica em várias ações
Para além da ciência, gosta de ler, de costurar, “de vez em quando faço um vestido para não perder o hábito,” porque já não lhe sobra muito tempo para isso. Gosta de comer e gosta de cozinhar, “mas com tempo, sem pressão.” Gosta de muitas coisas inclusivamente de café, “sem café o meu dia não começa,” mas sem dúvida que se a queremos ver no seu elemento principal é no meio do laboratório com os olhos enfiados num microscópio, a fazer cultura de células, a olhar para a sua multiplicação e a descobrir as interações que dali podem trazer benefícios para o mundo e para as pessoas em particular. É aliás esta visão que a faz ponderar se não é viável num futuro não muito distante, exercer medicina. “Faço este curso porque pode ser um complemento importante para o meu dia a dia enquanto investigadora. Falta-me ter a visão do todo que o laboratório não me dá, mas se gostar, e posso vir a gostar, não digo que não faça uma especialidade. Pode ser na área da endocrinologia, que já é uma área onde desenvolvo trabalho e gosto, mas também pode ser na Medicina Geral e Familiar, que apesar de ter sido considerada o parente pobre da medicina durante algum tempo, me atrai exatamente por ser uma área abrangente e que carece de uma visão atenta, mas conhecedora do todo.” Para já vai aproveitando as coisas novas que tem vindo a aprender, apesar de ter tido muitas equivalências. “O primeiro semestre vai ser tranquilo”, mas a preocupação da cadeira de Anatomia vem à baila, como de resto é um clássico em todos os que passam por ela. “São muitos nomes estranhos que temos de decorar e eu não me dou bem com decorar. Para aprender tem de fazer sentido, por isso vou tentando organizar as coisas na cabeça, dando-lhes sentido e enquadrando-os.”
Vai um pezinho de dança?
Apesar dos dias estarem já muito ocupados, tem muita vontade de voltar às danças, “todos temos um lado mais descontraído e o meu é o de dançar ritmos latinos: salsa, merengue e também quizomba. Às sexta feiras, antes da pandemia saia sempre muito motivada para começar o meu fim de semana com um pezinho de dança,” talvez volte em breve.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial