Sebastião Martins, Francisco Belo, Martim Fornetti, e Mariana Mendes foram os quatro oradores de uma manhã em que a inspiração reinou na FMUL. Os dois primeiros já terminaram o curso de medicina. Sebastião está a fazer o internato de psiquiatria no Hospital Dr. Fernando Fonseca enquanto Francisco Belo está no internato geral. Martim está a estudar para a prova nacional de acesso e foi para Londres fazer um curso em artes performativas. Já participou em cinco musicais, um deles sobre os Beatles. Está neste momento num cruzeiro, onde faz apresentações artísticas.
A Mariana frequenta o 3º ano de Medicina e tem duas paixões: o curso e a natação. É atleta de alta competição e por conseguir gerir estas duas dimensões na sua vida é já por si uma referência. Treina todos os dias várias horas, na piscina e em águas abertas. Participa em provas e, a forma como comunica as suas tarefas é feita com tal ligeireza, que até parece fácil. “Às vezes acabava uma aula online e estava nas bancadas da piscina. Desligava-me e mergulhava na piscina para participar numa prova.”
Enquanto atleta de alta competição aprendeu a gerir as derrotas e afirma que não perde muito tempo a pensar no que já passou. “Volto a treinar sempre focada nas provas seguintes” e no curso, é igual. Não fico a pensar quando corre menos bem porque estou focada no futuro."
Sebastião Martins é médico interno e desenvolve a par da medicina, outras áreas: A representação e a música. Explicou que nem sempre teve a certeza se a medicina seria o que queria fazer na vida e à medida que ia fazendo o curso, “estava com mais dúvidas do que certezas,” aliás, disse mesmo “a dúvida perseguiu-me ao longo do curso todo.” Precisava de fazer outras coisas, encontrar outros interesses, desenvolver gostos que tinha e ser criativo. “No curso de medicina há pouco espaço para a criatividade,” disse, e por isso ele procurou sair dessa bolha. Precisava de se alimentar com mais. A música esteve desde cedo presente na sua vida, chegando mesmo a estudar no hot club, mas na FMUL sentia-se uma ave rara. “Não há aqui ninguém como eu”, pensava.
Entrou para a Associação de Estudantes e fez parte da direção e nesse percurso cruzou-se com uma orquestra formada por médicos. Percebeu que havia mais como ele! Começaram assim, os primeiros passos para criar de raiz, a Orquestra Médica Ibérica. Com as suas competências, deu dimensão ao Sarau Cultural, elevando-o em termos de performance e de dimensão. Aos poucos, dentro da faculdade, encontrou outras dimensões que não só a medicina e que o ajudaram a preencher outros espaços do seu ser que coabitam com o médico que se formava.
Em 2019 precisou de parar. Queria perceber qual o rumo a seguir, mas para perceber a dimensão de tudo isso, precisou de se afastar do curso. Acabou por se envolver num projeto da ONU, na área dos direitos humanos, que o levaram a estar durante algum tempo num campo de refugiados na ilha grega de Lesbos. “O contacto com a dimensão humana, a proximidade com as pessoas e as histórias que traziam fizeram-me perceber que eu queria ser médico para ajudá-las.” A história de uma mulher que vinha do Congo, tocou-o particularmente e ainda hoje, apesar de nunca mais a ter visto, esse encontro tem repercussão na sua vida. “Ela entrou na minha sala e disse-me, «vou-te contar uma história bizarra». Era realmente uma história terrível de sofrimento e de atropelos aos direitos humanos. No fim, foi-se embora, agradecendo o tempo que lhe dei para ouvir a sua história.” Este episódio pode ter sido não só determinante para perceber que queria ser médico, como talvez até para perceber a especialidade que mais lhe faria sentido. Sebastião vai ser Psiquiatra e vai certamente ouvir muitas outras histórias, mas esta terá sido o gatilho que o fez seguir em frente. Curioso é que, Sebastião é também diretor artístico de um grupo de teatro onde os atores são pessoas refugiadas. São eles os rostos do recente guião escrito pelo cunho de Sebastião. A peça Chama-se “Une Histoire Bizarre”.
Foi aquela mulher que, apesar de não saber, é uma das causas que que tiveram o efeito de transformar a vida de Sebastião Martins. Ela ajudou-o a encontrar o seu rumo. Às vezes são as pessoas mais simples que transforam a vida dos outros. E por falar em pessoas simples, chegou a altura de falar de Francisco Belo. É Alto, tem os músculos muito desenvolvidos e fala de forma descontraída. É médico, mas ainda a frequentar o ano geral e é atleta de alta competição. Gere as 24 horas do dia de forma organizada e minuciosa porque nenhum minuto pode ser desperdiçado. “Desenvolver-me nestas duas áreas deu-me essa capacidade de gestão de tempo.” O desporto, por exemplo, deu-lhe resiliência, “aprendi a não desistir, a continuar a tentar. Não ficar a deprimir por algo que já passou.” Não se cansou de dizer aos novos “colegas” para praticarem desporto ou encontrarem uma área de escape. “Não fiquem só no curso a “marrar”. É importante ter outros interesses.” Fala a voz da experiência.
Enquanto pedia que a plateia fizesse perguntas para que “haja comunicação e interação,” falou sobre a necessidade de cultivar a noção de “ego moderado. Vão aparecer muitas pessoas que vos puxam para baixo e outras que vão enaltecer o vosso ego. Têm de encontrar o meio termo. “Não somos a nata da nata, convém ter o ego moderado, mas também não se deixem afetar por quem vos quer derrubar. Têm de aprender a filtrar e a confiar em vós próprios.”
Há momentos em que vão fraquejar e o 2º ano costuma ter esse condão. No caso do Francisco Belo valeu-lhe a família que percebeu que algo estava errado. “O meu segundo ano foi terrível, foi para esquecer. Fui posto à prova como nunca me tinha acontecido. Chumbei de ano e alguns problemas pessoais deitaram-me abaixo.” A família estava atenta e deu-lhe a mão, por isso deixa este conselho, “não fiquem sozinhos e não tenham medo de pedir ajuda e oiçam os vossos pais, porque vocês até podem ser mais inteligentes, mas eles são mais sábios. Ouçam-nos.”
As palavras fortes do Francisco foram ouvidas pela audiência do Grande auditório João Lobo Antunes e pelos 38 alunos da Madeira, que estiveram sempre a acompanhar, ainda que á distância, todas as iniciativas.
Ricardo Encarnação, Pedopsiquiatra e diretor médico da farmacêutica Roche foi outro orador da semana. Falou das dificuldades que se atravessaram no seu caminho e algumas até o fizeram questionar se seria capaz de cumprir este percurso.
A escolha em ser médico aconteceu cedo, mas depois de entrar na faculdade, chumbou dois anos seguidos e isso quebrou-o. Precisou de parar e de encontrar o foco e foi sobre isso que falou aos novos alunos: é preciso foco! Alertou para as várias opiniões que vão encontrar e a importância das escolhas porque numa alusão que criou, “cada um, toca o piano como quer. O piano é vosso.”
O que quis trazer para a conversa, é que é preciso foco e fazer escolhas na hora certa. A decisão é individual e a responsabilidade dessa decisão deve ser também assumida. “A escalada nem sempre é vertical, tenham consciência disso”. Ricardo Encarnação licenciou-se em Medicina e, porque esteve sempre disponível para abraçar novas oportunidades e formações, acabou por desenvolver interesses que lhe permitiram fazer várias coisas como a de ser investigador e gestor, para além de médico.
Daniela Dias começou a sua palestra por dizer de onde vinha e quem era. “Venho de uma família modesta, mas sempre fui muito curiosa e ambiciosa.” Por isso, desde cedo que queria entrar na faculdade. Acabou por seguir a área da nutrição e explicou que, embora a área sempre a tenha atraído, as consultas ou a parte clínica não eram o seu propósito. Viu na indústria uma oportunidade a desbravar, para ter uma carreira. Enviou o CV para a Nestlé e entrou. Mais tarde, foi convidada para assumir uma nova posição na mesma empresa onde é hoje Business Development Manager da Nestlé Health Science. Destacou a importância de ter foco, mas não desistir perante as adversidades ou os desvios que possam surgir no plano traçado. Há que saber ajustar e sonhar para que evoluir e progredir seja um propósito na vida.
João Gancho Figueiredo é médico e antigo aluno FMUL. Sentiu-se um orgulho na voz quando o referiu. Atualmente é consultor médico nos CTT e CEO na empresa Xerpa que gere currículos médicos e carreiras médicas.
O percurso que os alunos que estavam na plateia vão fazer, já o médico o fez há precisamente 10 anos. Por isso, achou que havia alguns conselhos que podiam ser uteis. Aproveitar as aulas, a constante descoberta e, mesmo nas matérias que lhes suscitem menos interesse, aprofundá-las para, mais que não seja, perceber que não é por ali o caminho que querem fazer. Estarem conscientes dos 6 anos que os esperam e vivê-los intensamente. Estudar, mas viver também o espírito académico e fomentar amizades, afinal, muitas delas, são para a vida. Traçar um plano e focarem-se no poder que têm de ir mais além, foram algumas palavras deixadas aos futuros colegas de profissão.
A neurocirurgiã Cláudia Faria partilhou com os alunos como é o dia de uma médica, investigadora e docente. O bloco operatório é o local onde sempre se sentiu à vontade e ainda bem, porque é lá que passa muitas horas do dia. A especialista em neurocirurgia pediátrica, sempre se sentiu atraída por cirurgias minuciosas, complicadas e de longa duração. Divide-se entre o Hospital, o iMM e a faculdade. Ser investigadora veio como complemento ao de ser médica. “Sentia necessidade de perceber a biologia dos tumores que eu removia e que, apesar de a cirurgia correr bem, muitas vezes voltavam a aparecer.” Para conseguir tratar melhor os seus doentes, sentiu necessidade de fazer investigação. Começou a fazer cultura de células, provenientes dos tumores removidos. “Através da sua cultura podemos encontrar por exemplo, novos medicamentos e novas formas de atuação.”
Quando disse o que fazia, ouviu-se alguns suspiros na plateia. Haverá certamente alguns destes alunos que ambicionam partilhar o bloco operatório com a neurocirurgiã Cláudia Faria que falou dos anos em que fez parte de um grupo de investigadores no Canadá e as mais valias que isso lhe trouxe. “Trouxe alguns protocolos que ainda hoje aplicamos aqui. A partilha entre investigadores e médicos é importante e ao longo da vida profissional devemos ter esse papel de facilitadores.”
A médica integra também o GAPIC e falou da possibilidade que os novos alunos têm em concorrer a bolsas vocacionadas para o ensino pré-graduado. A propósito da importância desta formação, a investigadora Maria do Carmo Fonseca, Presidente do Conselho de Escola da FMUL, destacou a importância da formação nas cadeiras optativas, “isso é que vos diferencia e potencia”, disse. Fazer o curso de medicina, todos acabam por fazê-lo, mas o que dá competências e pode tornar o currículo diferenciado e atrativo, são as formações que fizeram e que os tornam únicos ou raros. “O Currículo de um médico tem de ter atividade extra e, ao frequentarem uma faculdade da universidade de Lisboa, têm acesso a todas as outras faculdades, com muitas disciplinas à disposição. Têm de começar a pensar em que áreas gostavam de ter formação. É esse dinamismo que se espera dos alunos de medicina. Está nas vossas mãos, têm de ter iniciativa.”
A manhã terminou com a dupla inspiradora: Eddy e Rodrigo. Ambos estudantes na FMUL, representam os dois cursos: Eddy Martins está no 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina e Rodrigo Bernardo frequenta o 3º da Licenciatura em Ciências da Nutrição. Juntos traçaram e puseram em marcha uma missão humanitária que levou ajuda à Ucrânia, nos primeiros dias em que as sirenes fizeram soar a guerra. Estes dois estudantes conseguiram angariar 189 caixas com muito e variado material médico. Numa parceria com a “Associação Entremundos” a equipa partiu rumo aquele país no dia 15 de março. O destino era Madyka, uma região polaca que fazia fronteira com a Ucrânia. No primeiro dia fizeram o reconhecimento da zona e montaram a tenda que foi a primeira a ser credenciada. Estiveram entre os dias 15 e 20. Testemunharam muita tristeza, angústia e até alguma aparente normalidade vivida, sobretudo pelas crianças. Descreveram o caso da criança que desenhou um tanque que tinha destruído a casa onde vivia. Que recordações vai ela guardar da sua infância? Testemunharam mulheres que choravam, ferimentos físicos e outras da alma. Como vai ser o futuro daquelas pessoas?
Com todas as limitações que tinham, decidiram trazer o camião, que levaram com material médico, carregado de pessoas que quisessem vir para Portugal em busca de paz e quiçá de uma oportunidade. Gente não faltou e vieram todos “com condições” porque “essa era uma preocupação para nós”, disse a dupla. Já em Portugal houve uma angariação de fundos onde foi arrecadado 1255.60 para ajudar as pessoas que vieram. Junto à fronteira entre a Polónia e a Ucrânia, ainda está a tenda que estes dois alunos FMUL montaram e, continua a ser um refúgio, uma base e ajuda a todos os que se viram envolvidos nesta guerra.
Foi uma semana de histórias inspiradoras, de gente motivadora e enérgica que arregaça as mangas e faz!
Conselhos e atitudes preciosas para serem repetidos, replicados.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial