A FMUL recebeu no dia 26 de julho um grupo muito eclético de jovens. De origens distintas e com áreas de formação muito díspares, - advogados, engenheiros, arquitetos - em comum partilham a paixão pelo Espaço. Vieram ao Campus da FMUL assistir a um dos módulos do curso Space Studies Program (SSP) promovido pela International Space University (ISU) e que este ano se realizou em Portugal. A iniciativa teve a organização da Agência Espacial Portuguesa e do Instituto Superior Técnico.
Quando chegaram ao Edifício Reynaldo dos Santos, já o Professor Edson Oliveira, neurocirurgião e investigador em medicina aeroespacial e a Professora Thais Russomano, especialista em fisiologia espacial e em medicina espacial, os aguardavam. O dia estava reservado para falarem sobre o Espaço. O tema do módulo dado pelos dois professores da FMUL “Human Space Exploration” incidiu sobre os efeitos das viagens espaciais no corpo humano. Ao longo de toda a manhã foram destacadas as competências dos astronautas e as alterações psicológicas e físicas que sofrem sempre que fazem uma viagem espacial e são sujeitos a condições hostis.
O nosso corpo é o resultado de uma adaptação ao meio ambiente onde vivemos que é muito diferente das condições vividas no Espaço. A microgravidade tem impacto significativo nos órgãos do corpo com uma redução do volume sanguíneo, do coração, da massa óssea e da massa muscular. Quando o corpo não tem peso os músculos encolhem e absorvem o tecido que sobra. Para contrariar estes efeitos, os astronautas precisam fazer exercício físico durante cerca de 2 horas em passadeiras e outras máquinas especialmente criadas para locais sem gravidade. No CEMA existe uma dessas máquinas. Durante a tarde o grupo teve oportunidade de visitar e experimentar algumas das máquinas existentes no laboratório.
Como a gravidade não faz pressão sobre o corpo a coluna vertebral estica e a pessoa fica mais alta no espaço. A primeira vez que a NASA notou essa modificação foi há mais de 20 anos, no Skylab. A coluna vertebral dos astronautas voltou ao normal alguns dias após o regresso.
Há ainda o efeito puffy face e o bird legs, decorrentes da transferência dos fluídos corporais para as regiões superiores do corpo humano. Todos reversíveis no regresso à atmosfera.
A visão também é afetada devido às mudanças na pressurização no espaço. Alguns astronautas regressaram com o nervo ocular achatado. As alterações são similares às observadas em pessoas com hipertensão intracraniana idiopática, uma condição em que a pressão do sangue e de outros fluidos é anormalmente elevada no cérebro.
Os níveis de radiação na Estação Espacial Internacional podem ser até 48 vezes maiores do que na Terra e por isso esta é também uma preocupação.
A verdade é que a base de dados ainda é pequena e pouco abrangente. Até agora os tripulantes espaciais são pessoas saudáveis, treinadas e muito vigiadas, mas com o aparecimento e crescimento das viagens comerciais ao espaço é importante perceber as alterações que o corpo humano sofre, se são ou não reversíveis e que efeitos secundários podem causar. Como é que o Espaço afeta Homens e Mulheres? No estudo e na compreensão do espaço ainda há poucas certezas e um longo caminho a percorrer.
Falámos com Kris Lehnhardt representante da Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica (NASA) e com a Professora Virginia Wotring da International Space University (ISU)
Chris Lehnhardt (NASA)
Qual a importância destes cursos para o desenvolvimento do estudo espacial?
Chris Lehnhardt: Este programa da ISU é desenhado para ensinar futuros profissionais do Espaço sobre a natureza do trabalho interdisciplinar e a sua importância. Este grupo está a aprender tudo sobre os desafios à saúde humana e à performance que decorrem dos voos espaciais. Estão a aprender a trabalhar juntos como equipa e a saber lidar com alguns desses desafios.
Que vantagens há em ter um grupo tão eclético?
Chris Lehnhardt: Aprendemos com o passado que o conhecimento e as capacidades de várias pessoas ajudam a ultrapassar problemas de maneiras diferentes. os nossos engenheiros e todos os outros profissionais que contribuíram para encontrar soluções aos desafios que aconteciam nos voos espaciais, tinham muita experiência em resolver problemas em áreas muito especificas e isso ajudou.
Agora que estamos a fazer coisas novas e interessantes no espaço temos de pensar em novas maneiras de resolver estes problemas e, por isso, faz sentido absorver advogados, arquitetos e engenheiros entre outros.
Quanto às viagens turísticas ao espaço. Qual a sua opinião sobre elas?
Chris Lehnhardt: acho-as muito entusiasmantes e mal posso esperar para que mais pessoas tenham acesso ao Espaço, sobretudo pessoas de outros países. Em breve vamos ter o primeiro voo de um cidadão do Egipto. Mais recentemente o voo de um venezuelano e em breve vamos ter um português também que vai voar com a Blue Origin. Será um voo curto, mas a equipa já foi anunciada por isso está para breve. Estamos a aproximar o Espaço a mais cidadãos. Há cada vez mais condições para que todos possam fazer estas viagens e não apenas as pessoas selecionadas pelo governo, para serem astronautas.
Virginia Wotring Professora na ISU
Porque foi a proposta portuguesa escolhida para acolher o ISS22 ?
Virginia Wotring: achámos que a Agência Espacial Portuguesa era um excelente parceiro porque esperávamos que nos pusesse em contacto com vários parceiros de negócios e incubadoras que desenvolvam trabalho e tenham interesse na área espacial, criando novas possibilidades.
Queríamos também poder desenvolver atividades interessantes aqui em Portugal e vamos por exemplo visitar uma gruta em Sintra, onde vamos recriar as condições de treino dos astronautas.
Como explica que haja pessoas de áreas tão diferentes a procurar ter formação Espacial?
Virginia Wotring: Há muitas pessoas que têm interesse no Espaço porque gostariam de poder fazer uma carreira nesta área. É muito atrativa, tem-se desenvolvido muito nos últimos anos e há espaço para absorver gente de áreas menos óbvias.
É importante falar sobre o Espaço com o público em geral?
Virginia Wotring: é muito importante e na nossa universidade temos esse cuidado de comunicar com a generalidade das pessoas. A verdade é que beneficiamos aqui na Terra de muitas que acontecem ou estão a acontecer no espaço, mesmo que seja de forma indireta.
O Espaço é mesmo a última fronteira?
Virginia Wotring: não sei se será a última, mas é certamente uma nova fronteira para nós. Já exploramos muito o nosso globo terrestre e movermo-nos para fora dele, para o Espaço, é natural e é o passo seguinte.
Entrevista ao Professor Edson Oliveira
Qual a importância da candidatura portuguesa ter sido a escolhida pela ISU para organizar o SSP22?
Edson Oliveira: Os benefícios são múltiplos. Coloca Portugal no mapa do sector pois este programa é muito amplo em termos das temáticas abordadas, assim as nossas instituições académicas, empresas e centro de investigação podem mostrar o que estão a desenvolver podendo surgir novos desafios na área espacial. O poder colaborar com uma instituição de ensino como a ISU é uma honra, mas sobretudo uma oportunidade.
Como é que surgiu a possibilidade de ser apresentado este módulo na FMUL?
Edson Oliveira: A partir do momento em que Portugal foi selecionado para receber este curso, a Portugal Space entrou em contacto connosco para saber se estaríamos disponíveis para desenvolver alguma atividade durante o SSP. Para isso tínhamos de elaborar uma proposta e submete-la à ISU. As melhores seriam selecionadas e incluídas no programa do curso.
Ter sido inaugurado ainda há pouco o CEMA pode ter sido decisivo para esta oportunidade?
Edson Oliveira: Isso sem dúvida! Conseguimos propor um modulo teórico-prático e não meramente teórico. Segundo os responsáveis da ISU isso pesou muito.
Que possibilidades foram criadas com o CEMA?
Edson Oliveira: Um laboratório com estas características é algo extremamente raro na Europa. Podemos mesmo dizer que temos condições que neste momento nenhuma Universidade europeia possui nesta área do conhecimento e isso abre um mundo de oportunidades, numa área que no fundo é um nicho. Termos sido selecionados para colaborar num curso desta importância é um exemplo disso. Durante esta “visita” da ISU já fomos abordados para outras colaborações internacionais.
Qual a importância do tema “Human Space Exploration” ?
Edson Oliveira: Porque falar de exploração espacial de uma forma abrangente, implica falar do fator humano e da sua vivência neste ambiente inóspito. Não podemos explorar o Espaço sem conhecer as modificações que o nosso corpo humano sofre nesse ambiente e perceber quais os limites.
O facto de o Espaço estar mais acessível ao cidadão comum, traz preocupações acrescidas?
Edson Oliveira: Sem dúvida. Todos os estudos feitos às alterações fisiológicas do corpo humano no Espaço foram realizados em astronautas criteriosamente selecionados e com condições físicas e psicológicas ímpares. Ao democratizar o acesso (apesar de por enquanto ser apenas a quem tem condições financeiras) acarreta outras preocupações, nomeadamente qual o efeito das doenças comuns (Diabetes mellittus, hipertensão arterial, dislipidemia, etc) neste ambiente. Ainda há um longo caminho a percorrer nesta área.
Devia haver um protocolo para estabelecer princípios de quem pode e não pode fazer viagens espaciais?
Edson Oliveira: Qualquer astronauta tem de passar por uma série de certificações até ser selecionado. No turismo espacial já se começam a pensar nos standards para estabelecer os limites, pois nem todos estarão aptos a uma viagem espacial, independentemente da capacidade financeira.
Estes “meetings” aproximam as instituições portuguesas e os investigadores de agências como a NASA? Colocam Portugal na agenda?
Edson Oliveira: O networking é uma parte inerente a este tipo de eventos. Há uma aproximação natural quando as pessoas se conhecem e partilham ideias de projetos. Daí surgem novas colaborações e oportunidades.
Em breve vamos ter um cidadão português no espaço, pela primeira vez. Qual a relevância deste feito?
Edson Oliveira: Vai dar relevância desta temática na sociedade civil. Será importante para a divulgação do setor e a sociedade compreender onde estamos e para onde caminhamos nesta área.
Na plateia estavam pessoas de várias áreas, mas nenhuma delas de medicina. É mais ou menos aliciante falar para uma plateia com estas características?
Edson Oliveira: Sem dúvida muito aliciante pois é um desafio maior. Os Professores do CEMA colaboram regularmente com escolas (no âmbito do programa o “Espaço vai à Escola” da Fundação Ciência Vivia) e com o CEMCA (Clubes de Estudantes de Medicina e Ciência Aeroespaciais) para divulgar o tema e temos de ter a capacidade de passar a mensagem de modo a que a audiência compreenda o que estamos a falar. Neste curso este processo é ainda mais facilitado pois são tudo pessoas que estão ligadas ou gostam muito da área, estando ávidas de compreender as várias faces do sector espacial, em que a Medicina é apenas uma parte.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial