A Dra. Ana Aguiar é Diretora da Unidade de Medicina da Reprodução, integrada no Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e explica que por ano são feitos em média 350 tratamentos na área da infertilidade que possibilitam os projetos reprodutivos das mulheres, a preservação do potencial reprodutivo de homens e mulheres na transsexualidade ou na doença grave, nomeadamente no contexto oncológico.
O acesso a tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) tem vindo a ser ajustado e, legalmente, podem fazer estes tratamentos casais heterossexuais, casais de mulheres e mulheres sozinhas.
A idade é um fator determinante para ser mãe. A partir dos 37 anos a capacidade reprodutiva cai de forma abrupta e o sucesso dos tratamentos também é menor.
Os tempos de espera para a consulta e para, posteriormente, ter acesso aos tratamentos, são determinantes para a taxa de sucesso de todos os que procuram na medicina da reprodução uma ajuda para engravidar, mas o fator tempo não está do lado deles. Mais de 1 ano é o tempo médio de espera e o relógio não para. A boa notícia é que cerca de 10-15% por cento dos casais acaba por engravidar durante este período. Os restantes ou engravidam por tratamentos médicos mais simples, chamados de primeira linha como a indução da ovulação, ou por recurso a tratamentos cirúrgicos. Os que aguardam a vez para dar início aos tratamentos de PMA têm um limite de três, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A dificuldade do casal em engravidar decorre de vários fatores e está distribuída exatamente na mesma proporção quer para homem quer para a mulher: 40 por cento. Alterações anatómicas, quadros que influenciam a ovulação nas mulheres e a qualidade do esperma nos homens, estão entre os principais fatores que determinam a fertilidade ou a falta dela. A verdade é que, no final apenas cerca de 10 por cento dos que recorrem às consultas de apoio à fertilidade não vê o seu projeto reprodutivo ser alcançado.
A médica deixa ainda um alerta para a necessidade de se informar os doentes oncológicos em idade reprodutiva, da necessidade de preservação do potencial reprodutivo. Há muitos homens e mulheres com doenças oncológicas graves que não são alertados para o facto de a vida fértil poder vir a ser afetada de forma irreversível. “Nestes casos há a possibilidade das células serem criopreservadas na mulher até aos 40 anos e no homem até aos 50 anos e de ninguém ver assim comprometido o seu desejo e o seu acesso à parentalidade,” diz.
Quais as causas da infertilidade num casal?
Ana Aguiar: Existem várias causas que afetam a fertilidade. No caso da mulher está estabelecido que cerca de 1/3 são causas ovulatórias, o outro terço são alterações anatómicas/ pélvicas que afetam a função tubária e a relação das trompas com os ovários, e nesse grupo entra a endometriose. As restantes são de causa chamada inexplicada ou idiopática e alterações que incluem as malformações uterinas.
A endometriose causa infertilidade?
Ana Aguiar: Dez por cento da infertilidade pode ser associada a endometriose.
Nem todas as mulheres com endometriose têm infertilidade, mas muitas têm.
A endometriose também não é igual em todas as mulheres; há contextos de doença mais ligeira com lesões apenas superficiais, e endometriose grave por vezes com endometriose ovárica ou mesmo profunda, com infiltração de tecidos e órgãos. O grau de expressão tem maior ou menor influência na fertilidade da mulher.
E nos homens, quais os fatores de infertilidade?
Ana Aguiar: Temos 90 por cento de alterações da chamada espermatogénese, - processo no qual ocorre a formação dos gâmetas ou seja, os espermatozoides - e causas obstrutivas e ejaculatórias que representam cerca de 10 por cento. Se estiver em causa um varicocelo ou uma causa anatómica, pode haver necessidade e ser recomendado tratamento urológico cirúrgico.
E quando a cirurgia não resolve o problema?
Ana Aguiar: Quando não há tratamento cirúrgico, podem existir células reprodutivas no testículo ou no ejaculado que em laboratório, com recurso a tratamento de PMA, podem ter boas condições para proporcionar uma gravidez.
Ou seja, é aí que a medicina dá uma mãozinha. Quais os tratamentos de fertilidade que podem ser feitos?
Ana Aguiar: Podemos recorrer à Microinjeção Intracitoplasmática (ICSI) ou à Fertilização In Vitro (FIV), ou mesmo à inseminação intrauterina/ artificial que, conceptualmente falando, não se considera uma técnica de PMA e que tem indicação em algumas infertilidades de curta duração ou em fatores masculinos ligeiros.
Qual a preparação para um tratamento destes?
Ana Aguiar: A mulher tem de fazer estimulação ovárica com hormonas e isso implica uma autoadministração que é injetável. O objetivo é recrutar vários óvulos em simultâneo. Durante esse período é feita uma avaliação com recurso a análises e a ecografias. Geralmente o tempo médio de resposta é de 12 dias.
De seguida, a paciente é sedada, é feita a punção ovárica com recurso a uma sonda de ecografia, que tem um sistema de aspiração acoplado e são aspirados os folículos.
Este processo tem de ser controlado para avaliar a resposta e adequar o dia e a hora da punção ovárica para que não haja ovulação durante o tratamento.
É nesses folículos que estão os ovócitos?
Ana Aguiar: O óvulo ou ovócito é microscópico e por isso não o vemos, mas sabemos que está rodeado de líquido e de outras células que produzem hormonas. Portanto, quando aspiramos o líquido folicular, sabemos que no seu meio há de haver um ovócito.
Depois, o líquido folicular segue em tubos para o laboratório de embriologia, as células são avaliadas e colocadas em placas diferentes com os óvulos rodeados de espermatozoides na FIV ou é microinjetado o espermatozoide no citoplasma do óvulo na ICSI. Após a fertilização e o desenvolvimento embrionário inicial, o embrião, ou embriões, são transferidos para o útero com recurso a um cateter.
Quantos embriões são em média transferidos?
Ana Aguiar: Quando falamos de blastocistos, i.e., embriões que já se desenvolvera pelo menos 5 dias em laboratório, geralmente transferimos apenas um para evitar gravidezes gemelares, que são sempre mais complicadas. Quando falamos de embriões diploides, i.e., embriões em fase de desenvolvimento inicial, em que não há cultura embrionária e, dependendo do contexto e da idade da mulher podemos ponderar transferir dois.
E o que acontece aos restantes embriões que não são usados?
Ana Aguiar: Se há gravidez, o casal pode perspetivar um segundo ou mais filhos mais tarde e aí recorre aos embriões que tenham ficado crio preservados, i.e., congelados. Caso não haja gravidez, fazem transferência dos embriões até engravidar ou até não haver embriões decorrentes do tratamento criopreservados.
Existe a possibilidade de doar embriões por parte de um casal que já concluiu o tratamento?
Ana Aguiar: Há sempre essa possibilidade e falamos com os casais sobre isso. A perspetiva do que pode acontecer às suas células e embriões, variam de pessoa para pessoa. Há casais com facilidade de deixar embriões para outro casal, porque têm os eu projeto reprodutivo concluído, e há outros que nunca perspetivam essa hipótese. Tem a ver com questões culturais, éticas e ponderações dos próprios. Não havendo lugar a doação a outro, poderão ser doados à investigação científica ou no limite, virem a ser eliminados.
Como funciona o Banco Público de Gâmetas?
Ana Aguiar: Este banco fica no Hospital de S. João no Porto, mas existem mais dois Centros afiliados no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, (CHUC) e na Maternidade Alfredo da Costa, (MAC). O processo de avaliação dos dadores é complexo e não basta querer ser dador. Depois há também os limites legais em termos do número de filhos que cada dador pode dar origem. Por exemplo, se utilizamos os gâmetas de um doador, temos de esperar saber se há gravidez ou não, para informar o banco. E isto é a nível nacional. Só depois da resposta, os gâmetas existentes podem ser usados, ou não, por outro casal. O tempo médio de espera é de 3 anos.
É um processo moroso. Acha que as pessoas estão informadas da possibilidade de serem doadores?
Ana Aguiar: Há campanhas e não há falta de informação. Tem havido mais doações no setor privado e nem tem a ver com valores, porque há um financiamento para incómodos que é igual no público e no privado. Mas há talvez maior facilidade de acesso e as condições no setor privado cativam mais.
Durante quanto tempo podem ficar guardados?
Ana Aguiar: A lei prevê 3 anos iniciais e nós protelamos mais 3. Ao todo durante 6 anos o casal pode recorrer àqueles embriões para mais gravidezes.
Voltando aos tratamentos PMA, quando uma FIV não dá origem a uma gravidez, o casal pode voltar a tentar com recurso ao mesmo método? Como são geridos estes períodos de espera?
Ana Aguiar: A transferência de embriões que tenham ficado criopreservados de cada tratamento de FIV ou ICSI não é considerado um tratamento adicional e, portanto, podem ser feitas várias tentativas, como referi, até não haver mais embriões. Em relação aos ciclos de tratamentos de FIV / ICSI, tentamos sempre que os tempos de espera entre um tratamento que não foi bem-sucedido e o tratamento seguinte, não seja longo. Já basta o tempo de espera para ter acesso ao primeiro tratamento, mas claro que há fatores que não conseguimos controlar.
Quanto maior for a taxa de sucesso, mais novos casais podem entrar neste circuito. É assim que funciona?
Ana Aguiar: Claro! Sempre que ocorre uma gravidez, abre-se uma oportunidade de tratamento para outro caso. Quando isso não acontece, voltamos a realizar tratamento ao mesmo casal ou mulher, dentro dos limites legais da comparticipação do SNS.
Em que contexto é feita uma ICSI?
Ana Aguiar: Por exemplo, nos contextos em que a FIV não funcionou ou em que, ou em alterações graves do espermograma, num homem em que não há nada diagnosticado ou nenhum tratamento que melhore a qualidade do esperma. Ou nos casos em que recorremos a apoio da urologia para extração de espermatozoides diretamente do testículo. Aí passamos então para uma ICSI. Aqui os embriologistas selecionam os melhores espermatozoides e injetam-nos no citoplasma do óvulo.
Como é que essa população tem acesso às consultas hospitalares de PMA?
Ana Aguiar: Os nossos utentes ou vêm referenciados dos médicos de clínica geral e familiar ou colegas de outras especialidades hospitalares, ou inscrevem-se diretamente na nossa consulta para triagem, que é aberta a toda a população com um projeto reprodutivo e dificuldade em o concretizar.
Quais os critérios?
Ana Aguiar: A Idade, por exemplo, é muito determinante. Há mulheres que mesmo vindo à primeira consulta de apoio à fertilidade, são logo informadas, que já não poderão fazer tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Há um limite definido por lei que define a comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), de 40 anos menos 1 dia, para a Fertilização In vitro (FIV) e para a Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI). Para a Inseminação Artificial (IA) é de 42 anos menos um dia.
Quais as taxas de sucesso da Medicina reprodutiva?
Ana Aguiar: Depende do que falamos, no global estas têm à volta de 30 por cento de eficácia. Se a mulher é mais nova a taxa é superior a 40 por cento. Nas mulheres mais velhas, com mais de 40 anos, isso não tem impacto nas nossas taxas, porque não incluímos essa faixa etária. Mas por exemplo em mulheres com mais de 37 anos as taxas decrescem e decrescem muito. O fator idade é determinante.
Como é lidar com a frustração dos casais?
Ana Aguiar: É complicado sobretudo quando estamos numa etapa final sem o desfecho que se pretendia. Temos um padrão de critérios para orientação dos casais e das mulheres em projeto monoparental à consulta de psicologia quando expressam essa vontade ou quando percebemos que clinicamente faz sentido.
Alguns são encaminhados para outras vias. Temos trabalhos de investigação multicêntricos e teses de mestrado que no seu decurso apoiam e envolvem os casais com entrevistas e acompanhamento psicológico, nomeadamente para os que se prevê um desfecho frustrante. Aqui têm apoio individual e em grupos e tem havido bons resultados.
A forma como gerem a frustração depende também do apoio familiar e do ambiente social próximo que têm e das alternativas que tenham para a sua vida.
Estamos a falar de adoção?
Ana Aguiar: Quando falamos de frustração ou fim de linha, as alternativas têm de ser discutidas e estas, dependem de vários de fatores como a idade, os fatores de infertilidade e o contexto do casal ou da mulher. Pode e tem de haver abertura para perspetivar a vida assim, sem filhos biológicos. E a adoção é uma hipótese. Temos vários utentes em processos de adoção e até há casais que acabaram por engravidar e ficam com um filho biológico e um filho adotado e nem existe a questão de estes serem mais filhos do que aqueles. Mas temos casais muito díspares e esta hipótese é aceite por uns e não o é por outros. Mas os casais que tentam adotar depois de terem passado por este processo, têm geralmente boas hipóteses de serem bem-sucedidos. Claro que têm sempre de ser avaliados, como decorrente dos processos de adoção, para salvaguardar a criança.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial