No dia 9 de junho, foram muitos os que se reuniram no anfiteatro David Ferreira, no edifício Egas Moniz, para o II Fórum inovador Saúde, na FMUL. O tema lançado “Comunicar Saúde” contou com a participação de uma plateia motivada, todos alunos do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) que não se coibiu de fazer perguntas ao orador convidado Pedro Passos Coelho.
A discussão contou ainda com a introdução de João Costa e a moderação de Amílcar Correia, subdiretor do Jornal “O Público” e da Professora Isabel de Santiago.
O Fórum Saúde.Com resulta do programa científico da disciplina Medicina Baseada na Evidência e Literacia em Saúde (MBELS) do Mestrado Integrado de Medicina.
O orador convidado desta edição foi Pedro Passos Coelho que abordou o tema “Que Políticas de Saúde: Lei de Bases da Saúde” (LBS). A falta de médicos de família e de médicos de Especialidade foram temas abordados. O antigo Primeiro-ministro recordou que, quando deixou o Governo, eram 700 mil os portugueses sem médico de família e, atualmente o número duplicou. Admitiu, contudo, que não é um assunto de fácil resolução e que nem sempre o Governo tem a solução. A mesma situação se passa com a falta de médicos em determinadas especialidades, onde salientou haver “muitas condicionantes. A Ordem dos Médicos nessa matéria tem um papel fundamental e a verdade é que protege os que já são médicos e, pode ser por vezes, pouco flexível.” Os alunos insistiram que não há falta de médicos e a corroborar esta ideia estão os números lançados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), referentes a 2019, onde Portugal surge em terceiro lugar, num total de 45 países, relativamente ao indicador “número total de médicos per capita”. Assim, em 2019, existiam cinco médicos por cada mil habitantes, o que colocava Portugal à frente de países como Alemanha, França e Reino Unido.
Por outro lado, no programa “É ou, Não É?” da RTP, o Bastonário da Ordem dos Médicos (OM) referiu que faltavam 220 mil médicos na Europa. Parece que este é um assunto com matéria para discussão, sobretudo numa altura em que a falta de médicos obstetras e o valor cobrado por médicos tarefeiros é tema de abertura de jornais. Questionado sobre qual seria a primeira medida que tomaria caso fosse novamente eleito como Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho reconheceu estar afastado da política e não estar sequer a pensar voltar. Por isso, a pergunta ficou sem resposta.
Pedimos a Isabel de Santiago que fizesse um balanço deste II Fórum Saúde e quisemos saber a sua opinião sobre alguns dos temas discutidos.
Chamou à atenção dos alunos para as alterações à Lei de bases da Saúde. Que desafios vêm aí, para os médicos?
Isabel de Santiago: Na verdade esta disciplina, Medicina Baseada na Evidência e Comunicação e Literacia em Saúde, regida pelo Professor João Costa tem um modelo diferente de ensino. Se por um lado envolve os alunos nas questões de melhores práticas baseadas na melhor ciência disponível, já a literacia mobiliza os mesmos alunos para a capacitação dos conceitos e teorias em torno da Comunicação Literacia e Saúde (CLS). Nem todos os alunos, mais no 1º semestre, terão captado a mensagem da reforma e os objetivos. Talvez porque consideram nesta fase importante das suas vidas, apenas a necessidade de ultrapassar e somar cadeiras com as melhores notas. Mas, aqui pretendemos os melhores profissionais, os melhores médicos, os mais humanistas. Os melhores dentre os melhores. E por isso, confesso, senti neste grupo do segundo semestre uma grande diferença na abordagem e no interesse nesta disciplina de Medicina Baseada na Evidência e Literacia em Saúde. E sim: o objetivo deste II Fórum Saúde.Com foi exatamente criar a discussão e fazer a projeção de uma reflexão de hoje para o futuro. Não se pode nem deve – esta é a minha opinião exclusiva – de mais de 25 anos ligada à comunicação em saúde pública alterar uma Lei tão fundamental para o setor, em virtude de movimentações, eleições e interesses de partidos políticos. Do meu ponto de vista, deveria haver um claro consenso entre os principais partidos. Afinal, prestar cuidados de saúde em caso de doença ou promover a saúde – através da literacia e comunicação em saúde (como menciona a própria Lei de Bases da Saúde) – é apartidário, é transversal. E isso é o que pretendemos. Por mais respeito que todos tenhamos por todas as classes profissionais, e temos, apesar de estes domínios terem um caráter multidisciplinar, uma total interdependência, esta é uma Escola médica. E são os médicos os decisores de atos médicos com a pessoa doente ou saudável.
Em resumo: os médicos, esta geração sobretudo, está focada numa mudança de estilo, prestar cuidados de saúde e prevenir doença, mas isso representa ter uma compensação, resultando em meritocracia. Esta Lei BS, apresenta um conjunto de regras e benefícios encriptados. Em virtude de termos sentido que existe uma lacuna no ensina da medicina, resolvemos criar estes campos de conhecimento e sobretudo de discussão, envolvendo destacados stakeholders da sociedade portuguesa. E permita-me, estes alunos, do segundo semestre, encheram-me de orgulho, pela forma, pelos conteúdos, pela capacidade adulta de discussão.
Que repercussões as alterações à lei, onde o SNS parece ir perdendo a sua génese, gratuito e universal geral, vão ter na vida dos médicos?
Isabel de Santiago: Antes de responder à sua questão, permita-me trazer à discussão uma analogia num contexto de guerra que tudo está a pôr em causa.
Não sei se conhece o objetivo e a alma da Sociedade das Nações. Essa organização entre Estados, ditos soberanos, morreu e falhou redondamente os seus objetivos com a invasão da Alemanha nos diferentes países da Europa. Nasceu por isso a Organização das Nações Unidas, cujos objetivos, estão – num contexto novamente de guerra – a falhar. O Conselho de Segurança (CS) tem a “bomba atómica” do veto. E não é possível porque os Estados como a Rússia vetam decisões do CS. O SNS deveria terminar e ser desenhado um sistema de saúde, eficaz, com uma Nova Ordem e Administração (NOA) de 3 pilares: financiamento (Estado), regulador (ERS – eficaz e independente e não apenas burocrática sem poder executório), prestador com o público, privados, social e sociedade civil. Pôr a ADSE a operar realmente. A ADSE está com um bolo grande de resultados positivos e cortou os financiamentos aos seus financiadores; os que pagam este subsistema. Porque razão hão-de pagar os funcionários públicos e outros agentes do Estado a ADSE se esta não lhes devolve a devida comparticipação nos atos médicos de que necessitam? Mais vale um seguro privado. Os doentes oncológicos morrem por falta de acesso e diagnóstico atempado, a saúde materna assusta qualquer mãe e mulher. O futuro não é nada cor-de-rosa. A ambição de algumas pessoas na política e cargos nem sempre ou quase nunca correspondem aos verdadeiros interesses de um País como Portugal. Os médicos jovens sobretudo vão reagir nos próximos tempos. Não podem ser acarinhados nas crises de saúde pública e maltratados logo a seguir (quando já não são tão urgentes…).
Qual a sua opinião sobre o fim das Parcerias Público-Privadas?
Isabel de Santiago: A avaliação feita às PPP´s não previa nem determinava o seu encerramento. Aliás, concluiu-se que eram mais eficientes que muitos hospitais do SNS. Existem muitas razões para o SNS não funcionar, do meu ponto de vista: o Estado – na figura do Ministério da Saúde, é prestador, regulador e financiador. Ou seja: é promíscuo. A melhoria do SNS passa por torná-lo uma entidade independente da política. Haver uma plataforma independente do regulador e financiador. Os termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) preveem, no seu artigo 64º, o financiamento, bem como a LBS. Mas o Estado politiza a saúde e instrumentaliza com as campanhas políticas. Consoante a orquestra de esquerda e direita, assim vira a gestão em saúde. Agora, os médicos vivem o Estado paternalista e esquerda da saúde. Desnecessário. Daqui a 4 anos tudo muda. E as pessoas, perdem. Gere-se mal. A ambição é muita e a criatividade nula.
Assim, contrariamente à MBE que se baseia na melhor evidência disponível, o fim das PPP´s, não passa de uma mera decisão política, não se baseou em avaliações de instituições como Tribunal de Contas, academias e universidades e diferentes comissões.
A política, infelizmente, usa a avaliação rigorosa e científica e apenas se deixa vincular pela que lhe diz “sim”. A que a contraria, é sempre, mas sempre, rejeitada. E sim: as PPP´s deveriam funcionar e ser reguladas para que o setor privado e social não abusasse e não fizesse seleção adversa, prejudicando as pessoas, os contribuintes no fundo, os maiores financiadores do Estado. Somos todos pagadores. E não somos respeitados.
Há tendência para o Estado centralizar a prestação de cuidados de saúde afastando os privados. Concorda? Que malefícios podem decorrer daqui?
Isabel de Santiago: Como referi atrás, o Estado, através do Ministério da Saúde (MS) tem um papel “promíscuo”: é regulador, financiador e prestador. E, neste último papel, por não existir capacidade de resposta, e por se tratar de um (anterior) Governo virado à esquerda, tudo o que representasse abrir a porta aos privados, para melhor servir os cidadãos e pessoas, pagadores, era rejeitado. A consequência é o colapso que estava anunciado. E dificilmente volta atrás. É preciso fazer de novo. As reformas nunca resultaram e não vão resultar. Trata-se de recorrentes remendos. Os privados e social, combinados com o público, obrigam o sistema de saúde ser eficiente. Deveríamos apostar neste País em meritocracia. Conceito tabu. Não são todos bons e não são todos eficientes. É preciso assumir isso.
Afinal, há ou não há falta de médicos?
Isabel de Santiago: Existem médicos e são maltratados do meu ponto de vista. Optam, e têm direito a isso, onde são valorizados. Os jovens não querem ir para o interior para serem remunerados depois de tantos anos de estudo com 1300€.
Como ultrapassar o problema endémico da falta de médicos de família?
Isabel de Santiago: Desenhar com inteligência uma política de incentivos de medicina na periferia e mobilizar jovens médicos que queiram desenvolver a sua vida a partir do interior. Resolveria dois grandes problemas: o êxodo rural, com repovoamento do interior e médicos no interior do País.
Porque convidou o antigo Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho para ser o orador deste ano?
Isabel de Santiago: Convidámos o Professor Passos Coelho para o Fórum do 2º Semestre. Pese embora coordene a matéria da Comunicação e Literacia em Saúde, o Regente e eu, depois de uma conversa sobre os problemas estruturais entendemos que, no fim das aulas teórico-práticas deveríamos abordar um assunto sistémico. O antigo Primeiro-ministro é o expoente máximo da herança que teve: gerir a derrapagem gritante na saúde. Recorreu para isso ao antigo Diretor geral dos Impostos. É o exemplo de como se pode gerir com eficiência. Foi duro, mas disciplina orçamental não significa má gestão ou não prestação...
Gostaria que fizesse um balanço deste Fórum
Isabel de Santiago: Independentemente da avaliação da Comissão de Curso, neste 2º semestre em especial – por ter sentido uma especial atenção dos alunos – irei pedir a sua avaliação com um breve questionário, solicitando aliás, sugestões. Modernizar métodos de ensino, entre outras medidas, passa por inovar, atualizar e sobretudo, envolver os alunos. Considero/consideramos que se tratou de um Fórum especial. Não é todos os dias que conseguimos trazer um antigo Primeiro-ministro do País, que o salvou da bancarrota – haja críticas ou não (faz parte da política) – a uma Escola de Medicina. O Professor Passos Coelho envolveu-se numa acesa conversa, mesmo depois do fim do Fórum, com os alunos. Estes abordaram-no e pediram-lhe muitas respostas. Ora se este tipo de situação acontece, é porque de facto existem dúvidas na primeira pessoa às quais a Escola e a Sociedade não lhes respondeu, ainda. Logo, realizarmos estes debates, engrandecem e isso deixou-nos – como equipa docente – especialmente orgulhosos, pelos alunos em especial e pela Escola, em segundo lugar. Servir o melhor a ciência, inovando metodologias, é o que garante sucesso e posicionamento de uma academia, projetando-a do passado para o futuro. O Amílcar Correia diretor Adjunto do jornal PÚBLICO foi uma competente mais valia, apontando temas que não só complementaram a discussão como a enriqueceram.
Estamos gratos pelo sucesso. Sobretudo aos nossos alunos, que nos deixaram orgulhosos. Não posso deixar de deixar um especial agradecimento ao Dr. Pedro Passos Coelho, professor de seminários no ISCSP – Instituto da ULisboa. E ao meu Amílcar Correia. O brilho deve-se ao seu contributo. E somos gratos. Queremos inovar. Fazer diferente. Capacitar. Mobilizar, ensinando.
Em conclusão, estou particularmente feliz pela eleição do novo diretor, uma viragem para uma área diferente da medicina e um processo de rejuvenescimento da escola, com uma urgente e necessária inovação. É urgente estarmos à frente. E contamos com ele, na comissão científica do novo curso de especialização de comunicação em saúde e educação e comunicação em ciências da saúde.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial