Foi no final de 2021 que a Faculdade de Medicina anunciava formalmente que a Professora, e cardiologista, Ana Abreu passava ainda a acumular as funções de diretora do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública (IMPSP) e o Instituto de Saúde Ambiental (ISAMB).
Entre encontros vários e as inúmeras atividades clínicas e da academia, foi durante uma entrevista que nos alertou para um novo projeto que iria começar em 2022 e que passava por dar ferramentas aos novos estudantes para saberem monitorizar o coração dos seus pais e avós. Uma conciliadora entre a clínica, a investigação e a ligação aos mais jovens aprendizes, Ana Abreu não negava que apesar de abraçar novo desafio, coordenar equipas já formadas por outras direções, o grande desafio seria “ampliar um grande jardim de ideias e experiências, ao invés de cada um fechar cada vez mais as suas portas individuais”.
Atualmente é ainda Presidente da ESC Preventive Cardiology Congress.
Após algumas tentativas de nos encontrarmos, chegava finalmente uma manhã que parecia ser conciliadora de tempo e alguma quietude, pelo menos até à aula das 11h de Cardiologia. Não ficou, no entanto, um minuto de silêncio à sua volta, sem que alguém a procurasse, ou o telefone tocasse, na tentativa de encaixar mais um evento, ou acudir a uma última urgência. Entre as suas próprias preocupações com os seus pares que se encontravam na Ucrânia e a notícia orgulhosa que acabara de ser avó, havia uma mistura de cansaço profundo, mas domado e a vontade segura de querer encaixar na sua vida sempre algum compromisso mais.
Desta vez a agenda da nossa conversa era perceber que passos dar ao comando de dois novos Institutos para si.
Como é que recebe este novo papel para gerir o IMPSP e o ISAMB? Como é herdar uma direção que tinha uma assinatura forte como a do Prof António Vaz Carneiro?
Ana Abreu: Admito que não estava à espera, fiquei admirada quando recebi o convite que muito me honra. Suceder ao Prof Vaz Carneiro é uma tarefa muito difícil. O projeto eu já o conhecia, na verdade, eu própria já integrava o Instituto de Medicina Preventiva. Agora tenho também o Instituto de Saúde Ambiental, este ligado à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Ambos são desafios muito grandes. No fundo, prende-se um pouco com o projeto que já tenho vindo a fazer na área da prevenção e da reabilitação cardiovascular, quer dentro da Universidade e no Hospital, quer na Sociedade Portuguesa de Cardiologia, quer ainda a nível da Associação Europeia de Cardiologia Preventiva. Agora, claro que a Medicina Preventiva é um conceito mais vasto e abrangente do que a Cardiologia Preventiva. Quanto ao ISAMB há outro foco muito interessante: sabemos hoje em dia os grandes fatores de risco que temos à nossa volta no ambiente, o ruído, as alterações climáticas, a poluição. Faz todo o sentido agarrar neste grupo enorme de situações problemáticas e trabalhá-las. Há depois mais um fator relevante nesta nova junção dos Institutos, que são as pessoas que aqui trabalham, e cujo desempenho prezo muito. São pessoas que já têm as suas carreiras muito bem organizadas, com linhas de investigação sólidas, à parte das suas atividades académicas, nas cadeiras da licenciatura em Medicina e ainda em mestrados. É importante referir que nem só de Medicina se fala aqui, há ainda outros projetos em curso, ligados ao ambiente e à Câmara Municipal de Lisboa e com ligação ao tema da poluição. Este último é um projeto muito interessante, mas que ainda está numa fase muito inicial. Também ligado a outra câmara, a de Cascais, há um outro projeto de promoção de saúde. Temos depois projetos de educação, um outro ligado às tecnologias digitais, com um núcleo que olha para a inteligência artificial. Outro ainda ligado à literacia na população. Temos diversas ligações à Direção Geral de Saúde e ao Ministério da Saúde e que passa por coletar dados sobre os fatores de risco cardiovascular da nossa população.
Temos ainda neste momento a decorrer um outro projeto com doentes com insuficiência cardíaca, nos quais se estão a utilizar dispositivos, que permitem detetar apneia. Tudo isto controlado à distância. Por fim, temos um protocolo praticamente a fechar, com os alunos de Medicina e que pretende que os próprios saibam avaliar o risco cardiovascular e monitorizar a sua família sobre alguns parâmetros de prevenção. Nesta fase inicial, envolve dois estudantes do Mestrado Integrado em Medicina e um mestrando de Reabilitação Cardíaca. Agora, com os alunos e a curto prazo, faremos a avaliação de risco dos seus familiares acima dos 40 anos, com tabelas SCORE. Vamos avaliar também, logo no 1º ano de Medicina, o seu nível de literacia em saúde, assim como a da própria família. Esta avaliação pretende-se que seja feita ao longo dos anos, para que se possa verificar a evolução ao longo do tempo.
Ainda recentemente, realço que o ISAMB foi incluído no Laboratório Associado FCT, o TERRA (Laboratório para a Sustentabilidade do Uso da Terra e dos Serviços dos Ecossistemas). Este consórcio engloba, além do ISAMB, outros centros de Investigação: o Centro de Estudos Florestais (CEF), o Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet (CFE), o Centro de Estudos Geográficos (CEG) e o Centro de Investigação em Agronomia, Alimentos, Ambiente e Paisagem (LEAF).
Aqui, nos dois Institutos, existem grupos com grande fervilhar de ideias, todos com importância muito relevante, pelo que outros tantos projetos serão lançados em breve.
Todos estes projetos acabam por ser Medicina Preventiva, é isso?
Ana Abreu: Isso mesmo. O Instituto tem inclusivamente um gabinete forte de Estatística e Epidemiologia, que estão também envolvidos. É muito interessante que estes alunos, envolvidos no projeto de risco cardiovascular, para além de serem avaliados, vão aprender também eles a avaliar. Esta evolução do processo é que permite que se aprenda a fazer prevenção cardiovascular. Como o risco cardiovascular não é igual para todos, a prevenção deve ser adequada à dimensão do risco, sendo importante aprenderem precocemente a avaliar e a interpretar vários parâmetros.
Como é chegar a uma casa cuja estrutura já está definida, mas que para quem chega é normal que também queira implementar ideias e mudanças?
Ana Abreu: Pessoalmente nunca tive muita dificuldade em entrar em lugares novos. Acho que se tivermos ideias e se soubermos ouvir os outros, podemos potenciar algo e obter bons resultados. Agora, claro que temos de ser consequentes, porque ter só ideias não chega. Portanto, ter ideias e depois saber-se rodear de pessoas que saibam aplicar à prática para obter resultados, é muito importante. Eu já conhecia muitas das pessoas que integravam as equipas e as outras já fui conhecendo. Como temos reuniões mensais, acaba por existir potencial para criar interesses novos e envolver outros, juntando diferentes pessoas com ideias comuns. É fazer um pouco a analogia de, em vez de temos um canteiro para cada um, podermos fazer uma quinta todos juntos. É precisamente pela multidisciplinaridade que eu gosto tanto da Reabilitação, porque sendo todos diferentes, conseguimos contribuir com variadas potencialidades, mas que se enriquecem entre si. A ideia de centralidade não me faz muito sentido, sobretudo dentro de uma área tão abrangente como aquela onde estamos. Eu gostaria de criar mais dois grupos de trabalho, precisamente porque defendo esta sinergia. Gostava de trazer um grupo ligado à Doença Mental e outro ligado ao Exercício. Já temos pessoas na interseção destas áreas, mas gostava de criar especificamente estes grupos de trabalho. Estamos quase, é só formalizar a proposta.
Mesmo dentro da nossa academia, quando se fala do Instituto de Medicina Preventiva, há muitas pessoas que ainda não sabem onde ele é, o que faz. O que é que se pode fazer para criar uma estratégia de marketing que dê mais visibilidade ao IMP?
Ana Abreu: Sabe que esse foi um dos temas que me preocupou. Há pouca visibilidade para o trabalho que é feito aqui. Começa pelo próprio edifício, pela visibilidade que lhe gostaríamos de dar, para torná-lo mais específico. Quanto à imagem mais gráfica, já fizemos um estudo para colocar nas portas do Instituto o logotipo com algumas mensagens apelativas, ideia que já está a ser trabalhada. Relativamente a reuniões, tivemos agora em Março uma reunião interna do ISAMB em Cascais, precisamente para falar dos projetos on going. Tenho o plano, até ao fim do ano, de ter uma reunião coletiva, aberta ao exterior, com as pessoas do Instituto, mas também com colaboradores de fora que pudessem vir apresentar os seus projetos e criar mais ideias trazidas do exterior e abrindo a porta para eventuais colaborações. Depois, nós próprios, dentro da Faculdade e com o Hospital, podemos também ter uma relação mais profunda. Quer através de projetos, quer de reuniões, penso que podemos criar um maior cruzamento de ideias e ações entre as pessoas deste campus.
Numa edição em breve, o projeto da estratificação de risco cardiovascular e monitorização será tema de destaque, fazendo-nos retomar a conversa com a Professora Ana Abreu.
Até lá a equipa vai manter-se atenta à evolução dos acontecimentos e deseja os maiores sucessos em mais um dos seus muitos desafios.
Joana Sousa
Equipa Editorial