No primeiro contacto que tive com o Tiago marcou-me a forma como falou da Medicina, “não está apenas no conhecimento teórico que vem nos manuais, mas também na aptidão de fazer passar uma mensagem, de forma empática, competente e clara ao doente.
Trocámos breves impressões, porque lhe pedira um relato sobre os estágios de verão que decorreram este ano na altura das férias. Foi então que me apercebi que é formado em Radiologia e que já a exerceu durante mais de 7 anos, 6 deles na Suíça, onde chefiou equipas. Mas regressou a Lisboa e agora não exerce Radiologia. É estudante novamente e a tempo inteiro.
No 11º ano decidiu que queria fazer Medicina. Candidatou-se apenas e unicamente à Academia Militar, foi lá que entrou no curso que pretendia, mas ficou apenas 4 meses. Desistiu logo a seguir. "A vida militar não era aquilo que eu pretendia”, diz-me. “A estrutura era muito hierarquizada e não estava aberta a ser de outra maneira". Filho de um pai militar e com um irmão mais velho, ex-paraquedista, Tiago contrariava assim as estruturas da família, mas militarmente sem hesitar nas suas próprias convicções e caminhos. Os pais acabariam por ir viver para Suíça, já que o pai encontrara lá trabalho. E o irmão largava a carreira militar e seguia o mesmo destino geográfico.
Tiago ficava em Portugal e, ao sair da Academia Militar, sabia que tinha ainda de cumprir os exames finais do último ano do secundário. Seriam estes os exames que lhe dariam as alternativas de acesso ao Ensino Superior.
Lisboa era a sua escolha, em boa parte por razões financeiras, que não lhe permitiam ir viver para fora da sua cidade, lado não menos real e prático e que em momento algum opta por omitir. Como não entrou onde queria, explica-me que por muito pouco, decidiu entrar em Radiologia. Consciente das dificuldades da vida e porque nunca nada lhe foi dado de "mão beijada", propôs-se a trabalhar pelo menos um ano na sua área de especialidade, para assegurar a independência financeira, ferramenta que o levaria a continuar a perseguir o sonho de Medicina. Das 65 a 70 horas que trabalhava em cada semana, no Hospital dos Lusíadas, percebeu prontamente que não conseguiria trabalhar e fazer Medicina ao mesmo tempo. A formação em Medicina voltava a ser sonho adiado, principalmente confrontado com a realidade de um ano de trabalho que lhe dizia que se se queria criar algum caminho e poupanças, teria de avançar com máximo empenho. Foi isso que o fez seguir com a carreira de Radiologia, partindo ele também para a Suíça onde viria a reunir novamente com a família, deixando para trás o sonho da Medicina, a rotina e os amigos.
Português, nabantino (Tomar), e acabado de chegar a Berne, não dominava o francês, saltitava apenas entre ligeiras palavras aprendidas há meia dúzia de anos, e de alemão nada sabia. Durante um mês aprendeu intensivamente francês e com uns meses mais seguintes, o alemão ia conquistando quase o mesmo patamar de domínio. Nos primeiros meses descreve-me que a comunicação era feita por gestos, fazendo-o sentir-se à margem dos dias, menos integrado e isolado na dinâmica com os doentes e entre colegas. C1 de Alemão e de Francês, numa escala em que só há apenas mais um patamar (C2), Tiago hoje poderia dar aulas de algo que durante tanto tempo o repeliu e isolou de todos.
"Como é que aprendeu tão depressa?" - Pergunto-lhe em exclamação, sabendo que o alemão não dá tréguas a ninguém. "Com esforço", responde-me sempre airoso, enquanto parece leve viver maioritariamente diante de contrariedades.
Seguiu nova formação em Portugal, com um Mestrado em Física Médica. Entre aulas online e 3 vezes por mês a viajar até ao seu país, assim ia cumprindo mais uma etapa que terminaria acima do que desejara em termos de nota final. Talvez a experiência profissional já mostrada, ou com a ajuda dos 18 valores obtidos no Mestrado em Física Médica, valeu a Tiago Constantino receber a proposta de ir chefiar a equipa de Ressonância Magnética, na Radiologia de corpo, na Suíça.
No final de 2015 e a ir para Bienne, a proposta tornar-se-ia mais ambiciosa. Desta vez queriam que fosse coordenar a equipa inteira de Radiologia. Nunca escondeu nada de si aos outros, nem a si mesmo. Jovem profissional ainda, e já com saber acumulado para chefiar, descreve essa fase como um momento de sorte, nunca alimentando o ego com o seu próprio mérito.
Ficou na Suíça 6 anos, o que se tornou mais suportável com a presença da namorada Ana Luísa que foi também fazer Radiologia para lá. Apenas ela sabia da vontade de Tiago em regressar a Portugal e retomar o sonho da Medicina, e assim se manteve fiel a essa confidência e a apoiá-lo fosse qual fosse o rumo do seu caminho.
Tiago conseguiu terminar o Mestrado e juntar poupanças. Plano a plano, tudo foi sendo calculado, quer na sua cabeça, quer numa tabela de excel que lhe diz quanto pode gastar e por quanto tempo. Foram esses planos detalhados que lhe permitiram regressar a Portugal e ingressar na Faculdade de Medicina, frequentando atualmente o 5º ano do Mestrado Integrado.
Chegou apenas 3 dias antes do primeiro dia de aulas, a namorada chegaria uma semana depois.
Atualmente integra a equipa de investigação do Prof. Bruno Silva-Santos, que o desafiou para tal, após o conhecer como aluno no 2º ano do curso, em Imunologia. Tiago está na equipa que investiga o sistema imunitário no cancro da mama.
Nem sempre a vida de Tiago Constantino foi fácil, nem sempre os desejos se tornaram reais, à velocidade da sua vontade, mas foram acontecendo pela sua obstinação.
Hoje com 34 anos sabe exatamente quem é. O que quer.
Discreto, com as ideias bem assentes em metas e vincadamente resiliente, tem uma generosidade curiosa perante os outros. Cordial, suave no trato com os outros, não se impõe. Mas vai entrando sem acenar a avisar que chegou e quando percebemos como é, precisamos de o ouvir, pois sabemos que inspirará alguém.
Filho de um militar e no entanto não se dá bem na academia. Mas a rigidez já devia estar presente na sua vida desde sempre. Ou estou enganada?
Tiago: A rigidez da educação serviu-me para a vida. Isso explica o facto de ser tão estruturado e de me sentir tão preparado para a vida. Preparou-me para a organização, na forma como cumpro horários. Ainda hoje, quando vou a casa dos meus pais, almoçamos às 13h em ponto e quando era mais novo, o limite era sair da cama às 09h00, saísse eu à noite, ou não. Recordo-me da primeira noite em que saí e bebi um pouco mais e deitei-me às 05h00... Às 09h00 tive de acordar da mesma forma, sabe como? A fazer exercício físico, porque era sempre assim que tinha de ser, eu e o meu irmão.
Terá essa "dureza" das regras da vida ajudado a prepará-lo para a dureza dos planos que nem sempre são bem-sucedidos?
Tiago: Sabe que eu acho que sim? Quando não consegui entrar em Medicina fiquei triste. Os primeiros dias custaram-me, mas eu sabia que iria conseguir. Só não sabia quando.
Quando acredita dá como certo que acontecerá?
Tiago: Sim porque faço para que as coisas aconteçam. Sou assim e ponto final. Disse que quando fosse para a Suíça, que iria ter trabalho e assim foi. Quando entrei no Mestrado, tracei um objetivo de nota e tirei (18 valores). Quando disse que iria fazer investigação científica, fiz e continuo a fazer.
Conte-me como foi esse plano de fazer o cálculo todo para ficar a estudar Medicina, sem precisar de estar a trabalhar em simultâneo.
Tiago: Contemplei uma fórmula tal e qual como uma folha de salário. Ou seja, o valor anual a pagar de propinas, que gastos por mês, sendo que tenho estipulado um valor por mês, mas com a ressalva que pode haver gastos inesperados. Há ainda a eventualidade de férias. Tudo isso está pensado automaticamente.
Como é que é ser profissional e ter uma experiência robusta e regressar ao ensino para fazer Medicina, começando do zero e com pessoas maioritariamente mais novas?
Tiago: Sou uma pessoa muito sociável e nunca tive qualquer problema. Tento ser a pessoa de sempre e isso significa que brinco muito e que me sei rir e que gosto de conviver com as pessoas. A questão da idade não me traz qualquer constrangimento, é normal que as pessoas mais novas tenham outra maturidade, mas de um processo pelo qual eu já passei, por isso sei entender muito bem. Tem sido fantástica esta jornada, tenho um grupo de amigos incríveis, jogamos à bola, saímos juntos, estudamos. A minha integração é a 100%.
É mais fácil trazer uma bagagem detrás para quem vem estudar Medicina?
Tiago: Sim, principalmente nos primeiros anos de estudo. O 1º ano em especial, mas muito em parte o 2º, nestes dois anos há ´hábito de ser ter um método de estudo como se tudo terminasse ontem, e não se mantém a calma. O estudo tem de ser estruturado e os detalhes não podem ser minuciosos demais, senão não se consegue. E os primeiros anos não nos dão logo esse traquejo. Hoje em dia posso afirmar que é impossível estudar tudo até ao mais ínfimo detalhe. Do 2 º ano em diante estamos todos no mesmo pé de igualdade sobre a preparação para estudar sob pressão.
Há uma pergunta inevitável que lhe quero fazer. Porque olhando para o Tiago com 34 anos, e sabendo nós que há sempre a padronização da sociedade, o que lhe pergunto é se sente a pressão de tomar decisões rápidas de vida, como a família. Como é que lida com a gestão do tempo e das suas metas? Há um contrarrelógio?
Tiago: Contrarrelógio é o que melhor descreve a situação. Mas o tema da família está pensado. E mesmo nesse não me limito a ter um plano A, ou mesmo um B. Os fatores mudam sempre tanto que devemos ter sempre vários caminhos alternativos. Ter filhos está na parte desses planos e casar também. Diria que tal acontecerá quando tiver completado Medicina e estiver a estudar para a Prova Nacional de Seriação. Mas sei que, à medida que o tempo passa, há sempre riscos que vão aumentando e tenho esses fatores presentes na minha cabeça. No que toca ao trabalho também tenho perspetivas e planos e que poderiam passar pelos contactos na Alemanha, mas nada será decidido sem ter em conta as realizações da Ana Luísa.
Foi sempre falando muito do plano A, do B, do C. Alguma vez na vida lhe falharam todos os planos traçados?
Tiago: Não.
E se lhe acontecer?
Tiago: Arranja outro plano. Pelo percurso até pode haver frustração, mas há que a diminuir ao máximo e encontrar outras soluções e seguir em frente. Esta é a melhor forma de estarmos na vida e de conseguirmos ser felizes.
Para os alunos que acabam de entrar e que estão claramente mais desprotegidos das regras novas, ou mais perdidos (muitos deles fora de Lisboa) dentro desta vastidão de campus, que conselhos quer deixar a este grupo?
Tiago: Já todos pensámos em fugir ou desistir diante do medo do desconhecido. Mas os primeiros momentos são de transição e todos nós já passamos pelas incertezas e pelo desconhecido. Que pensem na importância da interação com outras pessoas. Nos períodos de avaliação há que ter muita concentração. Mas há outro aspeto, é importante que cada um perceba qual é o seu foco, porque cada um de nós pode ter objetivos diferentes e há que canalizar o foco para cada objetivo proposto. A organização, foco e traçar objetivos primordiais são os três pontos primordiais. Por fim importam que saibam que, se não atingirem o plano A, vão focar-se no B e mais tarde logo reavaliam se pretendem continuar a focar pelo A. Mais tarde tudo se vai cruzar e fazer sentido, mesmo diante de um percurso com espinhos e que nem sempre é um mar de rosas, mas no final tudo compensa.
Diante da realidade que tem hoje imagina que poderia entrar em qualquer uma das áreas de especialidade. Em todas elas sente que há algo novo que o contagia. Na bagagem transporta a vantagem de ter sido Radiologista, o que significa que sabe ler exames como a maior parte dos médicos não o faz, quando saem para o mercado de trabalho.
Radiologia, Otorrino, Medicina Interna, Pneumologia e Cardiologia são as áreas que hoje pensa como preferenciais.
Certo que permanecerá em Portugal, lamenta a falta de apoio para ser um verdadeiro exemplo da translação, ou seja, um clínico que continua a investigar em laboratório. Papel que seria seguramente mais fácil se assumido noutro país da Europa, aqui tem consciência que a partir do momento em que entre para o internato, perde a capacidade para gerir o tempo de forma equilibrada.
Mas há algo que Portugal lhe dá e que não encontra em mais lugar nenhum, a afetuosidade e o calor no trato pessoal.
Esse mesmo trato pessoal que foi o que me fez querer conhecer o Tiago Constantino.
Joana Sousa
Equipa Editorial