A maioria de nós já “vomita” a palavra pandemia. Já todos nós conhecemos as normas para evitar o contágio, mas nem todos nós as conseguimos seguir. Provavelmente, porque alguns têm uma incapacidade (qualquer) de proteção coletiva somada a um instinto individualista que não lhes permite pensar globalmente, coletivamente, no outro.
Aqui é diferente. Somos uma Escola Médica, formamos as próximas gerações de médicos no País. Temos orgulho dos nossos valores, da nossa missão e quando pensamos e agimos, é claramente a pensar no outro: principalmente nos estudantes.
O ensino no ano horribilis levou um pontapé tal, que nos forçou a todos a sair fora do ringue e os Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa não foram exceção. Com o recomeço de mais um novo letivo, e todas as mudanças inerentes a este regresso, tomámos a iniciativa de falar com duas estudantes do MIM. A diferença entre ambas é que, ainda durante uma pandemia, Joana Bastos terminou o seu 6º Ano, enquanto que a Inês Pinto inicia-o.
“Dar os nossos últimos passos neste longo e muitas vezes árduo caminho que é o curso de Medicina é, já de si, um tempo em que as emoções andam à flor da pele – festejam-se os marcos, vivem-se os clichés, agradece-se a quem nos foi significativo nesta jornada e planeia-se, dentro do possível, o futuro.
Este ano foi diferente: não foi possível concluir o Estágio Clínico em todas as suas valências, a Bênção dos Finalistas não encheu a Alameda da Universidade, as bengaladas dos pais não caíram nesse Maio que tanto aguardávamos, não se chorou a derradeira Balada da Despedida e adiaram-se os abraços aos nossos entes mais queridos, principalmente àqueles que nunca, nem nos seus melhores sonhos, julgariam viver para ver o dia em que nos tornaríamos Médicos.
Ao invés, trocámos o estetoscópio pelos headphones e juntamo-nos ao mundo no combate a um inimigo sem face para percebermos, ainda que à distância, o porquê de esta não ser uma profissão, mas sim uma Missão. Sentimo-lo quando a Faculdade nos orgulhou pela forma exímia como montou o ensino à distância.
Vimo-lo na forma como os nossos Mestres, conhecidos das aulas e dos corredores da nossa segunda casa, com destaque para a Professora Graça Freitas, se tornaram, da noite para o dia, líderes de uma discussão nacional e agentes cruciais de uma ação concertada que nos implica a todos como nada antes implicou. Vivemo-lo, dia após dia, na expectativa (às vezes sufocante) de querermos ser nós, num futuro próximo, a servir o nosso país da melhor forma que aprendemos - pelas pessoas e para as pessoas através da ciência.
No entretanto, o quotidiano tornou-se mais digital que nunca - começamos pelas aulas por videoconferência, passamos pela apresentação e discussão do nosso Trabalho Final de Mestrado por videoconferência e, ao dia de hoje, pelo menos no caso do meu grupo de amigos, preparamo-nos para a Prova Nacional de Acesso, cada um no seu canto do país, em videoconferência.
Por agora aguardamos, já conformados com a incerteza que a pandemia nos trouxe a todos, fazendo a nossa parte neste dever conjunto, pelo dia em que possamos retomar a nossa vida em pleno e em segurança.”
"A ideia de chegar ao 6º ano sempre teve tanto de desafiante como de entusiasmante. Se por um lado, estamos prestes a concluir o curso e a tornar-nos, finalmente, aquilo a que nos propusemos quando entrámos pela primeira vez na FMUL, por outro lado, espera-nos um caminho longo de preparação para a PNA, a qual poderá desempenhar um papel determinante naquele que será o nosso futuro. Para tornar esta ambivalência um pouco mais complexa, este ano temos outro fator a ter em conta: a pandemia em que vivemos.
Como todos sabemos, esta pandemia já deixou marcas consideráveis na formação de todos os estudantes de Medicina, ainda que de forma mais acentuada naqueles que frequentam o ensino clínico. Embora estejamos a iniciar o último ano do nosso curso, há mais de 6 meses que não falamos com um doente. À data em que a Faculdade encerrou, estava a começar o semestre de Medicina II, o que tem a maior componente prática do 5º ano e talvez até de todo o curso. Já em casa, ainda que tenha sido um semestre de grande aprendizagem e evolução a nível teórico, a nossa experiência e prática clínica estagnaram. Tinha a sensação de que a solução encontrada, embora tenha provavelmente sido a mais adequada para aquela fase, não era perfeita a longo prazo e, à medida que nos fomos aproximando do final do ano letivo, pensava cada vez mais sobre como seria o ensino em setembro.
Será que também nos cancelariam o estágio profissionalizante? Se sim, será que estavam reunidas as condições para sermos médicos, tendo apenas metade da experiência clínica que deveríamos ter? Chegados a setembro, é bom estar de volta aos hospitais. Entusiasma-me a ideia de fazer parte de uma enfermaria, de integrar uma equipa e de acompanhar o doente desde o momento em que entrou até à sua alta. No fundo, entusiasma-me perceber como é que a roda gira ao invés de me cingir à colheita da história clínica. Claro que, nos tempos em que vivemos, todo o cuidado é pouco, não só por nós, mas muito mais pelos doentes e pelos nossos familiares. Não sei o que nos espera neste inverno, mas sei que está nas nossas mãos aproveitar este voto de confiança.”
Isabel Varela
Equipa Editorial