Hoje é dia Mundial do Cancro do Ovário
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ovário

O cancro do ovário é uma doença pouco frequente mas com uma taxa de mortalidade infelizmente elevado. Isso deve-se em grande parte a manifestar-se por sintomas inespecíficos, o que condiciona um diagnóstico muitas vezes tardio.

A sua incidência é muito variável em todo o mundo sendo a mais baixa em África e na Ásia e a mais elevada nos países do de Leste e do Norte da Europa. Em Portugal, segundo o último registo oncológico nacional publicado, a incidência é de 6,2 por 100 000 mulheres, correspondendo à identificação de aproximadamente 400 novos casos da doença em cada ano. No mundo ocidental, esse valor tem mostrado algum acréscimo nas últimas décadas, compreensível se tivermos em consideração que o cancro do ovário é mais frequente em idades mais avançadas e a longevidade feminina tem aumentado.

Em termos comparativos, os cancros do ovário constituem cerca de 2 - 3% de todos os tumores malignos da mulher; se considerarmos apenas os casos de tumores malignos dos órgãos genitais femininos, os casos de cancro do ovário são cerca de 18% destes.

Os tumores malignos do ovário podem ser constituídos por tipos de células muito diferentes originando uma diversidade de evolução, nomeadamente do grau de agressividade da doença. E o mesmo tipo de tumor, diagnosticado e tratado em fases mais precoces ou mais tardias da sua evolução invasiva, pode estar associado a sobrevivências ao fim de 5 anos que podem ir dos 15% aos 90% (com uma sobrevivência média aos 5 anos de 30-40%). Em termos absolutos, a mortalidade por cancro dos ovários tem-se mantido bastante estável sendo de cerca de 3 por 10 000.

Com uma evolução muito menos agressiva comparativamente com os outros casos de cancro do ovário, existem alguns raros tumores do ovário chamados borderline ou de baixo potencial maligno, que só muito raramente evoluem para malignidade franca e, por isso, têm um prognóstico muito mais favorável.

De uma forma global, os tratamentos para o cancro do ovário podem revestir uma ou várias das seguintes opções: cirurgia, quimioterapia ou radioterapia. Não se enquadra no âmbito deste texto entrar em detalhes técnicos, mas é importante acentuar que tem havido avanços na área terapêutica, nomeadamente da quimioterapia, que trazem algumas expectativas positivas em relação a uma doença, infelizmente, ainda muito pouco dominável.

Em relação a esta doença é lógico que se coloquem questões sobre se são conhecidos factores de risco ou se podemos tomar atitudes que contribuam para prevenir esta doença.

Quanto aos factores de risco, o mais importante é a predisposição genética, que se traduz na história familiar de casos da doença. Por exemplo, um familiar em primeiro grau com a doença associa-se a um aumento em 3 a 7 vezes o risco de cancro do ovário. Estão identificadas algumas síndromas familiares hereditários em que o risco de cancro do ovário é muito mais elevado – cancro da mama/cancro do ovário associado a mutações dos genes BRCA1 e BRCA2, e síndroma de Lynch são os mais frequentes dentro da sua raridade.

É aceite que as mulheres com partos têm um risco 30 a 60% menor de cancro do ovário do que as mulheres sem partos. Há alguns dados que apontam para maior redução do risco se o 1º parto tiver ocorrido antes dos 30 anos. É muito discutido mas a amamentação parece ser um factor de protecção, com importância directamente proporcional à sua duração. Tem sido referido que a primeira menstruação muito cedo na vida e a menopausa tardia poderão estar associados a algum risco aumentado de cancro do ovário mas as evidências são, por enquanto, pouco sólidas. O uso de terapêutica hormonal de compensação na pós-menopausa pode associar-se a um ligeiro aumento do risco, sobretudo se a sua duração for superior a 5 anos. No entanto, dados os enormes benefícios desta terapêutica e a raridade do cancro do ovário, este ligeiro acréscimo de risco não deve impedir a prescrição da terapêutica hormonal a quem para ela tenha indicação.

A relação de algumas doenças ginecológicas benignas com o cancro do ovário tem sido muito discutida sem haver ainda certezas. Uma possibilidade há muito levantada é o risco acrescido em doentes com endometriose dos ovários, uma doença sem dúvida benigna, mas que poderá estar associada a risco aumentado de alguns tipos particulares de cancro do ovário. Também um passado de doença inflamatória pélvica se parece correlacionar com um aumento do risco de tumores borderline do ovário.  

No que respeita a hábitos alimentares e estilos de vida não existem informações coerentes quanto a uma possível relação entre tipos de alimentos e risco de cancro do ovário. A prática regular de exercício físico parece estar associada a uma redução, embora pequena, do risco da doença. O tabagismo associa-se a maior risco para um dos tipos de cancro invasivo do ovário. Aparentemente, o consumo de álcool não altera o risco desta doença. O que é seguro é que o risco de cancro do ovário é maior em mulheres com índice de massa corporal superior a 30 mg/Km2, ou seja, em mulheres com obesidade.

E que podemos fazer para evitar esta doença ou para possibilitar um diagnóstico precoce?

Infelizmente, não existe qualquer metodologia útil para rastreio sistemático. No entanto, a identificação de síndromas genéticos familiares pode permitir estratégias de vigilância (e eventuais intervenções preventivas como cirurgias) nessas subpopulações. Desnecessário dizer que consultas regulares de vigilância em saúde poderão contribuir para um diagnóstico mais precoce. A enumeração dos principais factores de risco torna óbvio o benefício de evitar situações de obesidade sobretudo após a menopausa.

Nesta área, está perfeitamente estabelecido que o uso de contraceptivos hormonais orais se associa a redução significativa do risco de cancro do ovário, existindo uma correlação aparente entre a dose total da exposição ao fármaco e o grau de redução na ocorrência do cancro do ovário.

Numa perspectiva completamente diferente, com a evolução das técnicas de procriação medicamente assistida foram abertas perspectivas muito animadoras em relação às hipóteses de preservação do potencial reprodutivo em doentes com vários tipos de doenças malignas. Será que isso se aplica a doentes com cancro do ovário?

Apenas uma pequena proporção de casos de cancro do ovário em doentes ocorre antes dos 40 anos (9-10% do total destes tumores no último registo oncológico nacional publicado). Teoricamente algumas dessas doentes poderão ser candidatas a criopreservação dos ovócitos, com consequente esperança de poder vir a conseguir uma gravidez futura através do recurso a técnicas como a Fertilização in vitro. Infelizmente, só uma fracção muito pequena de doentes com cancro do ovário poderá aspirar a recorrer à criopreservação de ovócitos já que este tipo de técnicas é exequível apenas em fases muito precoces da doença (ou em tumores borderline) e, como disse, a maioria dos cancros do ovário são diagnosticados em fases já avançadas.

Em resumo, os cancros do ovário são situações pouco frequentes, mas de gravidade muito elevada mesmo com as mais actualizadas metodologias de tratamento. No entanto, apesar do aumento aparente na sua incidência, a mortalidade tem-se mantido estável, o que constitui um aspecto positivo e animador.

Homem de fato

Carlos Calhaz Jorge 

Professor Catedrático FMUL

Diretor do departamento de obstetrícia, ginecologia e medicina de reprodução do CHULN

 

Nota: O autor optou por escrever o texto com o antigo acordo ortográfico.