"Estaríamos hoje muito melhor se a investigação sobre aquele coronavírus tivesse continuado"
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-  Professor Miguel Castanho na linha da frente da investigação para travar o SARS-CoV-2

 

Em entrevista ao jornal Diário de Notícias, o Professor Miguel Castanho partilhou detalhes sobre a investigação que tem em curso, com vista à avaliação de uma possível ação antiviral de moléculas contra o SARS-CoV-2, considerando que a primeira SARS foi uma “oportunidade perdida” no combate à atual pandemia.

O Professor e investigador principal do iMM não tem dúvidas de que "estaríamos hoje muito melhor se a investigação sobre aquele coronavírus tivesse continuado", referindo-se à primeira SARS.

O DN destaca, por um lado, o projeto europeu coordenado pelo grupo do Professor Miguel Castanho, que incluiu o novo coronavírus na investigação para o desenvolvimento de moléculas contra alguns vírus, mas por outro o mais recente projeto aprovado na segunda edição do programa de financiamento especial “Research 4 covid-19”, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), cujo trabalho está pronto a avançar. “Temos o vírus purificado, a capacidade de ensaio e as condições de alta segurança no laboratório que são necessárias para trabalhar com este vírus, e estamos no processo de obter as moléculas. Em princípio iniciamos o trabalho experimental a 1 de julho", revelou Miguel Castanho, adiantando que as moléculas que vão ser alvo de testes são as porfirinas. "São aparentadas com as clorofilas e muito vulgares na natureza, e sabemos do nosso trabalho anterior que interferem com o invólucro protetor de inúmeros vírus, destruindo a sua camada de lípidos".

Em entrevista ao DN explicou, então, que "vamos verificar em células humanas, in vitro, quais são as moléculas que têm maior capacidade de impedir o processo de infeção e de reprodução do vírus, e a nossa expectativa, fundamentada na nossa experiência anterior, é que pelo menos algumas delas poderão interferir com o processo de infeção pelo coronavírus", refere o Professor num artigo que faz um ponto de situação da corrida à vacina, bem como o desenvolvimento de fármacos para combater o SARS-CoV-2. "Aí, a lógica não é a de uma ação direta sobre o vírus, mas de um efeito benéfico no quadro de inflamação", afirma sobre a medicação, realçando que "estamos numa fase em que falta, precisamente, um antiviral que ajude a melhorar a condição das pessoas infetada", e que, nesse sentido, "contribua também para diminuir o contágio e a propagação do vírus".

Com um prazo máximo de seis meses para apresentar resultados, cita a publicação, este projeto de investigação tem como objetivo procurar soluções inovadoras para dar resposta à pandemia.

O Professor Miguel Castanho, que investigou o primeiro coronavírus em colaboração com uma equipa da China, reiterou a incerteza face ao surgimento de uma vacina para o SARS-CoV-2, recordando que "a urgência existe porque a pandemia nos bateu à porta. Se tivéssemos mantido um determinado investimento na investigação sobre coronavírus depois da primeira SARS e da MERS [que surgiram respetivamente em 2003 e 2013, causando infeções respiratórias graves], reconhecendo que algo idêntico poderia voltar a acontecer, estaríamos agora muito melhor preparados".

No âmbito do projeto de investigação europeu “No Virus 2 Brain”, o grupo de investigação liderado por Miguel Castanho desenvolveu moléculas que conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, “e vai agora testar a sua ação em diferentes vírus, incluindo na SARS-CoV-2”, cita a publicação.

A esta investigação e ao estudo da ação das porfirinas sobre o novo coronavírus, acresce a avaliação por parte da equipa do Professor Miguel Castanho da potencial ação antiviral de outras moléculas, “essas identificadas com recurso à bioinformática pela investigadora Diana Lousa, do ITQB Nova, da Universidade Nova de Lisboa”, conforme explicou ao DN. "Já temos uma série de propostas de potenciais moléculas, que surgiram dessas simulações, e vamos testá-las também em breve".

A expectativa para os próximos meses é, assim, elevada, podendo até coincidir com “a próxima grande prova de fogo”, como descreve Miguel Castanho o inverno que se avizinha. "O potencial problema é o próximo inverno, se nessa altura surgir uma variante do vírus mais perigosa, embora nesta altura nada aponte para aí”, afirmou, reforçando que “os surtos a que estamos a assistir agora decorrem da abertura, depois de termos estado fechados, não são uma segunda vaga".