Conferência "Saúde e Sofrimento Espiritual Refratário em Fim de Vida"
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sala de aulas

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A conferência "Saúde e Sofrimento Espiritual Refratário em Fim de Vida" decorreu esta manhã,  dia 18 de maio, no auditório Professor David Ferreira, no edifício Egas Moniz. Organizada pelo Serviço de Assistência Religiosa e Espiritual do CHULN em colaboração com o Centro de Medicina Paliativa da FMUL e a Unidade de Cuidados Paliativos do CHULN, contou com a presença do Professor Rui Tato Marinho e da médica espanhola Angeles Lopez-Tarrida, do Hospital Orden Hospitalaria de San Juan de Dios e docente na Universidade de Sevilha.

O tema é urgente, mas a sua discussão ainda gera desconforto. Falar sobre espiritualidade, dor, sofrimento e morte são temas tabu, mas inevitavelmente estes são o dia a dia de todos os profissionais que trabalham na unidade de cuidados paliativos.

Os doentes que precisam deste tipo de cuidados vivem numa realidade de dor, angustia, medo e confusão e é necessário encontrar respostas adequadas que diminuam este quadro de sofrimento.

Esta conferência é uma chamada de atenção às necessidades deste doente e das equipas que com eles trabalham. É importante perceber toda a dimensão da pessoa que está ali. Não chega vê-la apenas com um doente que está em final de vida, reduzi-la àquele momento e ao quadro clínico. ‘Não se pode esquecer a dignidade daquela pessoa’ disse Angeles Lopez-Tarrida. E é exatamente nesse contexto que a esfera espiritual ganha dimensão e, falar disto não é o mesmo que falar de religião. A primeira fala dos valores, das crenças e do contexto daquela pessoa. Essas premissas não podem e não devem ser esquecidas, nem passadas para segundo plano, porque são muitas vezes elas que dão algum descanso e conforto àquele momento único e desconhecido que o doente está a viver. Se renegadas podem gerar um agravamento da sintomatologia clinica. Mas a verdade é que não é fácil para os médicos ‘despir’ esta dimensão orgânica e física da medicina e vê-la de uma forma holística, ‘porque não fomos preparados para isso e também por medo, talvez. O médico é antes de mais uma pessoa,’ quem o diz é o médico e Professor Rui Tato Marinho, responsável pelo mestrado de Medicina Paliativa. ‘Enquanto responsável dessa área já analise muitos mestrados com temas interessantes sobre este assunto e continuo a achar importante falar desta dimensão mental e espiritual do Ser humano.’

senhora em pé

A realidade de quem está na cama de um hospital a passar por um sofrimento destes não é fácil de entender e, por isso, a médica trouxe alguns excertos do filme Vivian Bearing, interpretado por Emma Thompson, uma professora universitária que leciona poesia e que descobre ter um cancro no ovário em estado avançado. Submete-se a uma terapia experimental, sem certezas de recuperação e com efeitos colaterais dolorosos. A história é uma viagem aos pensamentos e ao interior de um doente nestas circunstâncias. "Ela precisa de ser reconhecida enquanto pessoa, de ser valorizada e escutada." É preciso ter tempo para ouvir, "mas é este tempo que nem sempre existe da parte do profissional. Na opinião de Rui Tato Marinho, ‘mais do que o tempo, é a qualidade deste. Está provado que 40 segundos são suficientes para que haja uma conversa médico/doente que tenha impacto positivo. ‘Para criar empatia e compaixão é preciso que haja boa comunicação e isso sim, faz a diferença", disse.

Mas a atenção dada ao doente depende ainda de outros fatores; ‘da forma como aquele profissional lida com a espiritualidade, sente-se confortável com o assunto? considera que este papel faz parte das suas funções?  Gera-se às vezes um conflito ético’ acrescentou Angeles, não esquecendo também a componente da formação, mas este é um campo ainda por desbravar.

O papel da família durante o processo

O processo de morrer, passa por várias fases e é necessário o acompanhamento em todas elas. São vários os passos até que o doente deixe de sentir revolta, geralmente acontece no momento do diagnóstico, e aceite o seu estado e tenha noção da sua finitude. É neste processo necessário um acompanhamento de todos os que o rodeiam. A família é outro pilar. E esta, não pode também ser esquecida pelos profissionais de saúde. "Manter a família informada de todos os passos, de todas as situações que acontecem. É importante que percebam o que está a acontecer para se prepararem para o inevitável. Para que quando lhes dizemos que o familiar morreu, não seja um choque, seja antes a aceitação de um processo que já se antevia."

Morrer é uma inevitabilidade

Fala-se da necessidade de tornar tudo isto no processo de morrer consciente e naturalmente aceite. ‘Morrer é uma inevitabilidade e, no entanto, ninguém está preparado. Morrem aos 80 e aos 100 anos e ainda assim não estão preparados. Para além disso, 90 por cento das mortes são esperadas, refere Paulo Reis Pina, que trás para a discussão a necessidade de lidar de forma natural com a morte. "Não aceitar a morte é um ato de egocentrismo. O que andaram a fazer para não se preparem para a morte? O ato de nascer é inconsciente, mas morrer é de uma consciência total", diz.

No entanto a consciência da finitude não é um tema fácil. Todos os doentes passam por um caminho longo que, se tudo correr bem, termina com a fase da aceitação, em oposição à revolta sentida aquando do diagnóstico ou sempre que se sentem a perder capacidades. A fase da aceitação é muito importante porque permite ao doente ter alguma paz. Uma vez mais destaca-se o papel do profissional de saúde. Todos os que lidam com estes casos clínicos, têm de perceber que às vezes é necessário despir a bata e assumir o papel de ouvinte, porque às vezes basta um desabafo para aliviar a dor.

O Padre Fernando Sampaio partilhou um episódio que aconteceu com ele. "Há uns anos acompanhei uma senhora que estava muito doente e a sofrer imenso. Quando chegava ao local onde ela estava a ser cuidada, ouvia os gritos e recebia os comentários de quem tratava dela, dizendo que estava mal. Eu chegava, sentava-me, ouvia- a falar da sua dor e dos seus medos. De seguida rezávamos juntos e ela adormecia." Um exemplo claro da necessidade de dar importância à pessoa, ao momento e ao que ela sente. É no reconhecimento do outro que lhe damos importância e grandeza, e nesta fase da vida de muitos doentes, é isto que lhes resta; a terapia da dignidade. Cicely Saunders tem esta frase ilustrativa do momento de que falamos; "Preocupamo-nos consigo porque você é você. Preocupamo-nos consigo até ao último momento da sua vida…"

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A sedação Paliativa

Usada em casos muito específicos e considerada um imperativo médico e moral, nem sempre é uma decisão fácil de tomar.  Aceite como terapia viável e funcional para doentes em sofrimento refratário e espiritual, gera ainda alguma discussão da forma como deve ser aplicada por não existir um quadro específico que o defina. A sedação deve ser profunda? suave, intermitente? Depende do caso e terá sempre de ser aceite pelo doente ou por um representante deste.

As condições em que esta terapia pode ser opção são três: dimensão intrapessoal, interpessoal e Transpessoal. E é aqui que se dá o sentido da vida e, como dizia Viktor Frankl "aquele que tem um porquê viver, pode suportar quase tudo."